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Se seguirmos uma abordagem marxista, o conceito de ideologia pode ser visto como um conjunto de idéias de uma classe dominante que obtém predominância em determinada era histórica (MARX, 1975, p.59). Mas segundo Douglas Kellner (2001, p.77), ainda abordando Marx, o conceito de ideologia exposto na obra Ideologia Alemã teve um intuito mormente denunciativo:

[...] e foi usado para atacar idéias que legitimavam a hegemonia da classe dominante, que conferiam a interesses particulares o disfarce de interesses reais, que mistificavam ou encobriam o domínio de classe, servindo assim aos interesses de dominação. Segundo este ponto de vista a crítica ideológica consistia na análise e na desmistificação das idéias da classe dominante, e

sua finalidade era trazer à tona e atacar todas as idéias que consolidassem a dominação. (KELLNER, 2001, p.78)

À primeira vista pode-se considerar que o conceito de ideologia não está necessariamente ligado aos conceitos de hegemonia e dominação, este último inclusive é mais adequado estritamente à teoria marxista, pois como já foi suficientemente defendido por diversos autores das teorias da comunicação, não há dominação midiática sobre a sociedade, mas Kellner afirma (2001, p.78) (nota de roda pé 47) que segundo John Thompson18, ao examinarem as teorias clássicas e atuais sobre ideologia, muitas destas teorias cortam esse vínculo semântico entre ideologia e hegemonia, mais precisamente o exercício da hegemonia. Desta forma subtrai-se do conceito de ideologia o cunho crítico que possuía em Marx e outros neomarxistas. Acreditamos que este conceito (hegemonia), apesar da sua utilização muito mais voltada para os âmbitos da economia e da política do que à cultura e à ideologia, pode ser aplicado ao estudo das mídias e suas poderosas vozes, em especial ao estudo da televisão aberta, cuja influência na formação de opinião na sociedade é indiscutível. Portanto Kellner ressalta a importância de assimilarmos o argumento de Thompson ao afirmar a dissociabilidade entre os conceitos de ideologia e hegemonia, já que no estudo das mídias de massa eles estão naturalmente imbricados.

[...] Por isso, concordaríamos com Thompson sobre a necessidade de vincular o conceito de ideologia com teorias da hegemonia e dominação, portanto de delimitar sua aplicação a idéias e pontos de vista que atendam a funções de legitimação, mistificação e dominação de classe que garantam o predomínio de classe, sexo e raças sobre outras classes e grupos da sociedade, em vez de equiparar todas as idéias e posições políticas à ideologia. (KELLNER, 2001, p.78)19

Analisando-se a relação intrínseca entre ideologia e hegemonia, principalmente considerando-se o contexto de difusão de mensagens no ambiente da mídia de massa. É possível chegar a conclusão de que o instrumento perfeito que permite a legitimação, gradativa de uma ideologia, em diversos âmbitos, até que esta alcance os patamares da hegemonia, é chamado de mídia. E a retórica dos veículos abertos de televisão de difusão nacional, retórica que insere naturalmente reforços e afirmações no âmbito da ideologia, o

                                                                                                                          18

Em suas obras: Studies In The Theory Of Ideology ,de 1984, e Ideology And Modern Culture, de 1990. 19 Negritos nossos.

que é impossível evitar, serve primordialmente ao mercado, à geração de consumo, à mobilização e convencimento da sociedade para que siga tendências, sejam estas da moda, da alimentação, do comportamento. Do reforço desta ideologia consumista depende a própria subsistência da televisão aberta, nos moldes em que é administrada no Brasil.

Mas, para além das distorções e seus riscos, deve-se novamente ressaltar a natureza instrumental dos veículos. As mídias são instrumentos, ferramentas poderosas de mobilização social e portanto essenciais e indispensáveis para a manutenção do capital. Assim, neste terreno onde a transmissão de ideologias é parte intrínseca, são também indissociáveis as funções de legitimação, convencimento, persuasão, conquista de mercado, enfim, funções de mobilização social e construção de hegemonia que atualmente, nos grandes veículos encontram-se quase por completo e de forma desatinada a serviço do capital.

Ao afirmar, portanto, que a mídia é um terreno de disputas, onde diversos grupos, com múltiplas posições ideológicas, se manifestam, com diferentes disponibilidades e recursos de acesso e produção, para mostrar suas vozes discordantes, Douglas Kellner (2001, p.10, p.133), nos apresenta uma visão mais ampla deste contexto. Seu trabalho de análise de diversas obras cinematográficas bem populares, como os filmes da série Rambo, por exemplo, retratam como a indústria cultural atua transmitindo mensagens em níveis mais denotativos, onde o herói representam estereótipos, tem comportamentos específicos e bem planejados pelos autores, lança jargões de grande representatividade simbólica dentro do enredo, isso tudo num projeto de agendamento simbólico que retratam as “heróicas” atrocidades americanas durante a Guerra do Vietnã, geralmente justificando-as, ou em outro âmbito, o da contracorrente como nos casos em que grupos marginalizados pela sociedade tentam imprimir a sua marca, através de produções mais ou menos independentes como as de Spike Lee sobre os negros ou a música rap por exemplo.

Entretanto, percebe-se ao longo do texto de Kellner que embora em alguns pontos se argumente sobre os conflitos entre classes e ideologias que se manifestam na cultura da mídia e nas suas produções, essa indústria não está essencialmente a serviço de nenhum dos grupos políticos especificamente (a não ser que isso lhe favoreça) e sua principal mobilização consiste na defesa de sua autoperpetuação a todo o custo, estes elementos discursivos estão presentes em toda a programação e representam a própria lógica de funcionamento destes veículos, em um desencadeamento que Luhman conceitua como diferenciação autorreferente (2005, p.65). A mídia deve ser vista antes de tudo como resultado da cultura do capitalismo e, portanto, ela está a serviço do capital.    

Paralelo ao uso desses conceitos, defendemos que os produtos veiculados pela mídia não podem ser considerados apenas como entretenimento inocente, mas, por terem um cunho ideológico e por situarem-se neste terreno de lutas e disputas por hegemonia, esses produtos possuem um significado político, com influências nos âmbitos da cultura ao prescrever ideologias direta ou indiretamente e, portanto, estes produtos precisam ser interpretados politicamente (KELLNER, 2001 p.253).

Tendo isso em vista, todos os discursos veiculados representam vozes com interesses específicos, muitas vezes camufladas por trás da chancela de entretenimento, assim como muitas mensagens inadequadas são transmitidas à criança através da camuflagem lúdica. Além de um elemento agravante que trata da seleção destas vozes e que atualmente obedece a critérios minimamente democráticos. Isso age em detrimento de todas as outras vozes não veiculadas (inclusive as da sociedade), pois naturalmente a difusão midiática dada a uma voz/discurso localiza-a em um outro patamar de visibilidade exponencialmente maior em relação às outras vozes não midiatizadas.