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As pesquisas desenvolvidas por Jean Baudrillard (1995) indicam que a insatisfação emocional dos indivíduos é o móvel do consumo. As campanhas publicitárias atuam como vitrines de situações e vivências utópicas, considerando-se a hipótese de generalizar sua acessibilidade a toda a população estas vivências são realmente utópicas, nestas campanhas atrela-se insistentemente o conceito imaterial da felicidade ao consumo de produtos, bens materiais agregando valores, ideologias e prescrições comportamentais.

Percebe-se que este modelo gera um ciclo vicioso, realimentando o contato constante com novos bens através de um discurso que por muitas vezes chega ao ponto de desconstruir seus próprios discursos de campanhas anteriores para substituí-los por novas retóricas geradoras de consumo. Quanto mais se consome e se aposta neste modelo, naturalmente diminui-se de forma gradativa o estado de felicidade gerada por ele. “É o estado de insatisfação crônica que torna o indivíduo um consumidor modelo” (COSTA, 2004, p.139). Para a criança é praticamente impossível perceber esse jogo de interesses econômicos que assediam o seu livre arbítrio sem a mediação de pais ou responsáveis alertando-a sobre os potenciais riscos.

Segundo autores como Ghiraldelli Jr. ser criança é algo definido hoje pela mídia mas acrescentamos também pelo mercado, pois nestes dois âmbitos é que se define o que é “próprio” para ser consumido pela criança e o que é adequado para ser vivenciado por ela. Nossa sociedade ainda não percebe com propriedade os riscos desta relação criança/mídia e por vezes incentiva a reprodução de comportamentos, falas, jargões publicitários/novelescos e afins. As crianças são em certa medida impelidas para diante das mídias e incentivadas a reproduzi-la.

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Hierarquização, baseada num reducionismo teórico funcionalista, alimentada nos argumentos de Theodor W. Adorno e alguns contemporâneos da Ecola de Frankfurt.

Ser criança é ter corpo que consome coisa de criança. Que coisas são estas? Primeiro, coisas que a mídia define como tendo sido feitas para o corpo da criança. Segundo, coisas que ela define como sendo próprias do corpo da criança. Respectivamente, por um lado, bolachas, danoninhos, sucos, roupas, aparatos para jogos, etc., por outro, gestos, comportamentos, posturas corporais, expressões, etc. Ser criança é algo definido pela mídia, na medida em que é um corpo-que-consome-corpo (GHIRALDELLI JR., 1996, p. 38).

Segundo Pablo Del Rio Pereda, doutor em psicologia, conhecido tradutor de Lev S.

Vygotski na Espanha e presidente da Fundação Infância e Aprendizagem (FIA - Espanha), existem dois focos geradores de desequilíbrios.

O problema da qualidade dos conteúdos televisivos e seu impacto na infância está emergindo nos últimos anos como um dos fatores centrais para compreender os lastros ou os déficits mais preocupantes que afetam o empenho educativo e para responder a questão de como educar em um universo simbólico com múltiplas linguagens e conteúdos. A este respeito foram detectados dois problemas na maioria dos países afetados pela cultura pós-moderna do audiovisual: o analfabetismo funcional e o analfabetismo do imaginário. [...] o analfabetismo literário (do imaginário) é causado não só pela precariedade das leituras que compõem o imaginário infantil, senão devido ao repertório total de narrativas e de representações (hoje ampliado desde o mundo escrito ao audiovisual), não proporcionar um modelo estruturado e positivo para situar a criança no mundo da realidade presente e do futuro desejável; da realidade proposta a que se dirigem as aspirações humanas para melhorar a realidade presente. (DEL RIO, 2008, p.99)9

O autor afirma que existiriam dois focos causais prováveis para estes dois tipos de analfabetismo. O primeiro seria uma alfabetização excessivamente “escolar”, carente de ancoragem como mediadora eficiente entre a escola a as atividades significativas da vida cotidiana, inclusive o consumo de mídia, promovendo assim um analfabetismo funcional. A segunda, corresponde a uma alfabetização instrumentalista, destituída de coração narrativo, poético e retórico, favorecendo este tipo de analfabetismo imaginário que será importante

                                                                                                                          9 Tradução livre. Negritos nossos.

como norteador desta análise, e que pode ser potencializado pela relação das crianças com as informações “prontas” da mídia televisiva.

Os efeitos desse déficit cultural audiovisual, representado pela presença cada vez mais forte das mídias no cotidiano infantil, seria a ausência, na criança, de uma visão ampliada que deveria proporcionar metáforas, enquadramentos, ancoragens e estruturações à sua imaginação quando esta opera mediada pelo que o autor designa “leitura-escrita”10 (a expressão mais próxima no português seria ler e escrever). Este déficit aponta para a carência de consumo de conteúdos estruturantes, instigadores e estimuladores da criatividade e da imaginação e à consequente carência de um imaginário coletivo definido (DEL RIO, 2008, p.100). Nestes dois aspectos, as mídias têm um papel central tanto pelas características dos seus conteúdos, quanto pelo ritmo e a forma como estes conteúdos são transmitidos.

Um artigo especialmente interessante para esta pesquisa, realizado pela pesquisadora Linda S. Pagani e outros, com dois grandes grupos de crianças, um de até 2 anos e o outro de até 10 anos de idade, apoiado em metodologias científicas e publicado no periódico Archives Of Pediatrics & Adolescent Medicine, em maio 2010, com a legitimação institucional da American Medical Association, fundada em 1847 e atualmente com mais de 240 mil associados em todo o mundo, revelou as seguintes constatações.

Resultados: Ajustando por fatores individuais e familiares preexistentes, toda hora adicional de exposição à televisão aos 29 meses de idade correspondeu a 7% e 6% unidades decrescentes em engajamento em sala de aula (95% intervalo de confiança [CI]) e sucesso em matemática respectivamente; aumento de 10% em bullying por colegas de classe; baixa de 13% em tempo gasto por semana em atividades físicas, queda de 9% em atividades envolvendo esforços físicos, altas pontuações de consumo de refrigerantes e snacks por 9% e 10%, respectivamente; e 5% de aumento no índice de massa corpórea (IMC). Indivíduos de pré-escola em exposição também apresentaram uma forte tendência para o risco de desenvolvimento. (PAGANI, 2010, p.425).11

A pesquisa complementa as declarações de Del Rio ao associar o consumo de mídia, ou seja a dieta televisiva, ao desencadeamento de comportamentos, ou desregramentos específicos que segundo Pagani estão diretamente associados ao consumo de informações mediadas pela televisão, esse assedio constante que quando não regulado pelos pais ou

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Tradução literal do termo em espanhol. 11 Tradução livre.

responsáveis pode gerar comportamentos consumistas precoces ou até quadros de dependência psicológica das crianças em relação ao consumo.