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Apesar dos termos publicidade e propaganda possuírem significados tão semelhantes, encontramos diferenças significativas quando trata-se da ação de comunicar com fins comerciais. Infelizmente, no Brasil, a generalização do ofício da propaganda favorece a utilização dos termos sem o devido critério, portanto, principalmente nas práticas de mercado, os termos são utilizados cada vez mais como sinônimos. Mas isso não significa que as palavras perderam sua etimologia, pois apesar da força das práticas sociais influenciando a linguagem, os termos continuam com suas específicas diferenciações, como tentaremos demonstrar a seguir:

Conforme testemunham os dicionários Wahrig, alemão, e Webster’s, inglês, propaganda foi extraído do termo Congregatio de propaganda fide, congregação criada em 1622, em Roma, e que tinha como tarefa cuidar da propagação da fé. Em tradução literal teríamos “Congregação da fé que deve ser propagada”. Propaganda como (como derivação de) propagandus (masculino), propaganda (feminino), propagandum (neutro), exerce na frase função adjetiva e expressa idéia de dever, de necessidade: propagandus = que deve ser propagado, que precisa ser propagada. (SANDMANN, 1993, p.9)

Este termo encontra-se presente em outras línguas com a mesma escrita, apesar de ser falada com diferentes sotaques e de acordo com os fenômenos característicos de cada uma, também é possível perceber divergências semânticas nos termos cognatos em diversas línguas.. No inglês, por exemplo, o termo assume exclusivamente o significado de propagação

de idéias, especialmente no sentido político, tendo muitas vezes uma conotação pejorativa, associada aos erros nostálgicos da propaganda política ou de guerra, como a era do Macarthismo16, nos Estados Unidos, quando se propagaram supostas idéias de proteção à família e à sociedade como pretexto para censurar violentamente os veículos midiáticos, ou como nos casos das duas grandes guerras mundiais, quando a propaganda foi uma importante ferramenta de mobilizações como, por exemplo, o nazismo. Em alemão o termo se refere mais à propagação de idéias sem necessariamente o viés politizado ou pejorativo do termo (SANDMANN, 1993, p.10).

Segundo Antônio Sandmann, propaganda é o ato de divulgar idéias, conceitos e valores sem envolver finalidades lucrativas. Propagar idéias, informações, ideologias pelo simples fato de torná-las públicas, ou para convencer alguém em adotá-las, para conquistar mais adeptos para uma doutrina, uma prática, uma postura, enfim, diversas motivações podem mobilizar as ações propagandistas, porém segundo o autor, para ser caracterizado como propaganda, não deve haver envolvimento comercial. A finalidade básica não é gerar consumo mas difundir idéias, crenças, valores, costumes (SANDMANN, 1993, p.9).

Quanto ao termo publicidade representaria a propaganda com fins mercadológicos, a difusão de informações que possuem especificamente a intenção de gerar consumo, de vender. Seria a propaganda como ferramenta de geração de consumo. Atividade estimuladora do mercado (SANDMANN, 1993, p.10). Porém as formas para se realizar isso vêem sendo desenvolvidas a décadas, sofisticando-se cada vez mais. Para vender-se um produto, sugerem- se comportamentos, apresentam-se prescrições comportamentais, com gesticulações características, expressões linguísticas e corporais que nem sempre representam a realidade social brasileira, mas que são apresentadas como reais. A indústria tenta "lançar modas" e neste processo de conquista do consumidor, buscam legitimar suas prescrições na esperança de que elas sejam vivenciadas em algum nível de profundidade pelo público.

Apesar de constatar-se que logicamente o mercado e a sociedade não utilizam os conceitos propaganda e publicidade com fidelidade semântica, na academia também não há uniformidade de definições, pois são diversificadas as opiniões dos autores. Portanto, resolvemos neste trabalho, utilizar esta diferenciação entre os termos propaganda e publicidade. Definindo a publicidade como uma ação de propaganda (difusão, propagação de informações) com a finalidade comercial, onde o móvel é essencialmente a geração de

                                                                                                                         

16 Macartismo (em inglês McCarthyism) é o termo que descreve um período de intensa patrulha anticomunista, perseguição política e desrespeito aos direitos civis nos Estados Unidos que durou do fim da década de 1940 até meados da década de 1950.

consumo.

Entretanto, neste trabalho, não se faz nenhum tipo de diferenciação do ponto de vista moral, entre as duas expressões ou em relação às práticas que elas representam. Ambas poderão ser bem ou mal utilizadas dependendo das noções de responsabilidade social, entre outras, dos profissionais imbuídos da sua realização. Em suma, propaganda e publicidade são ações, são práticas sobre as quais não seria prudente fazer julgamentos morais (bem ou mal, certo ou errado, útil ou inútil, etc.). Os problemas e desequilíbrios existentes encontram-se nos seus usos, ou seja nos indivíduos.

A pesquisadora Inês Vitorino diz, em seu livro Televisão, Publicidade e Infância, baseando-se em declarações do renomado publicitário David Olggivy, que a publicidade apóia-se nos seguintes pilares: criatividade, atenção, pertinência, adequação, aceitação, identificação e originalidade e que todos estes pontos de atuação se dividem em dois eixos principais.

Esses critérios, associados a outros como a compreensão ou a qualidade estética, por exemplo, são mencionados de modo recorrente nos depoimentos dos publicitários. Eles orientam o seu trabalho criativo em duas direções básicas: na elaboração de peças de qualidade (criativas, originais, que chamem a atenção, sejam objetivas, compreensíveis, pertinentes e bonitas) e que estejam em sintonia com seu público-alvo (sejam adequadas, aceitas e favoreçam a identificação do consumidor). (SAMPAIO, 2000, p.129)17

Todo este processo de busca por visibilidade e atenção ainda encontra outros obstáculos como o zapping e a pulverização de peças e Vt´s. Chegar até o seu público também torna-se cada vez mais difícil, com exceção das grandes indústrias que veiculam nacionalmente, o anunciante, hoje tem que se posicionar com precisão tanto em relação à escolha do veículo quanto em como e quando se comunicar neste veículo.

Além disso, pouco se sabe sobre o consumo de mídia entre crianças das classes D e E, e muito pouco também sobre este consumo nas zonas rurais, ou cidades pequenas ou de porte médio. Portanto “a maioria das informações disponíveis retrata o consumo da criança e do adolescente de classe A, B e C das grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, etc.” (SAMPAIO, 2000, p.172)

                                                                                                                          17 Negritos nossos.

Tratando-se, por outro lado, do estudo deste meio, será importante considerar os contextos sociais e culturais para realizar-se uma análise que se aproxime ao máximo da realidade cotidiana dessas crianças e para isso, é preciso visualizar um entre-jogo de múltiplas variáveis que se imbricam mutuamente e influenciam direta ou indiretamente o consumo da mídia, o que dificulta ainda mais esse empreendimento. A análise aqui desenvolvida pretende manter-se atenta a esta realidade, considerando a importância da noção de cotidiano infantil para compreender-se o consumo de mídia desses segmentos.

Outra questão importante para balizar esta análise é a consideração do fascínio exercido pelo mundo adulto nas crianças e jovens. As proibições características do convívio familiar e da educação geram inquietações e frustrações e esses pequenos indivíduos encontram na mídia (particularmente a TV) uma compensação para todos estes cerceamentos naturais. O discurso publicitário, em diversos momentos, se apóia claramente em elementos característicos da vida adulta associados aos produtos ofertados. Anúncios de sandálias mostram meninas interessadas em romances ou com posturas próprias de pop stars, anúncios de brinquedos mostram meninos como soldados de elite, que impressionam seus amigos com um produto qualquer, enfim os exemplos são inúmeros. São estes produtos “poderosos” que oferecem em troca de seu consumo uma falsa mudança da realidade vivencial da criança. A criança embarca confiante, pois seu grau de discernimento, ou, mais precisamente, suas defesas delimitadoras da distância entre realidade e fantasia, ainda não podem fazer frente a todo esse assédio consumista promovido pelas mídias.