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Depoimento: Jacinta Francisca Costa (1923 a 2009)

No documento A Experiência, a metrópole e o velho (páginas 196-200)

3.1 A ILPI Casa Santa Zita: Dona Yara e Dona Jacinta

3.1.3 Depoimento: Jacinta Francisca Costa (1923 a 2009)

Migração para Belo Horizonte

EU NASCI EM Medina e saí de lá com sete ano. Fui morá em Carlos Chagas, numa terra que meu pai comprô. Saí de lá com 32 ano, mais ou menos, quando meu pai morreu e fui morá na Bahia. Morei na Bahia quatro ano. A cidade tinha um nome, Jaqueto, depois ficô Medeiros... agora não sei o nome... depois que eu saí de lá eles mudaro o nome... era um arraial, e a gente morava na fazenda do meu cunhado. Minha mãe morreu lá, aí eu vim embora pra Nanuque.

Em Nanuque, eu fiquei lá até 70, foi dez ano. De lá vim praqui.

Vim pra Belo Horizonte em 70, na ocasião daquela Copa. Lembro porque quando eu cheguei praqui, tava aquela influênça da Copa, e a gente assistiu tudo. Minha patroa gostava muito de vê e eu acompanhei também. Lembro daquela musga: ―Vamo lá, pra frente, Brasil, Brasil...‖[risos], tô lembrano... era essa musga, e quando Jairzim fazia um gol, Nossa Senhora! Era aquele arvoroço do povo, ele chutava muito bem. É isso que marcô mais a época que eu vim praqui.

Eu vim praqui fazê tratamento. Morava com uma Dona lá em Nanuque, onde o pobre não tinha jeito de tratá. Tava cansada de trabaiá, trabaiava numa pensão, e o serviço quase todo era meu. Era cozinhá, lavá roupa, arrumá quarto, era serviço de recebê visita e despachá comida e tudo. Aí fiquei cansada, fiquei doente, fraca, a Dona foi e mandô que eu viesse pra Belo Horizonte. Eu vim e fiquei num hotel aqui em Belo Horizonte, dois meses, numa pensão perto da Santa Casa. Aí fiquei dois meses internada, saí depois que fiz todos os exame.

O tratamento era assim, pelo governo, a gente não pagava nada não. Tudo era de graça. E tinha um médico que era conhecido de outro médico lá de Nanuque. E foi esse médico que mandô uma carta pra esse de cá pra tratá de mim. Eu fui bem recebida e resolveu. E acabou que... não tinha doença nenhuma. Aí deu alta e eu saí pra casa da minha prima, fiquei dois meses e de lá vim pra casa dessa patroa minha. Arranjei esse trabalho e vim direto e num voltei mais. Contratô o serviço e já fiquei trabaiando.

Nunca tive vontade de voltar pra Nanuque, num dava muitio bem lá porque lá é muitio quente, é calor demais, e num tem aquele ganhão pra gente sustentá. A gente trabaia mais é de graça.

Trabalho e moradia

VIM MORÁ AQUI na rua Cláudio Manoel, bairro Funcionário, pertim daqui [referindo-se à Casa Santa Zita onde mora]. Sempre morei por aqui, perto da praça. O bairro num tinha tanto prédio como tem hoje. Eu morava num casarão, tinha quintal, muita mangueira, dava tanta fruta de manga. A famia morava em uma casa grande, casa de dois andá, mas era um casarão [dando grande ênfase ao tamanho da casa]. Cuidava do serviço da casa, lavava roupa da patroa, tinha lavadêra pra lavá as roupa das outra pessoa que morava lá, e eu fazia comida, armoço, jantá. Nesse tempo tinha armoço e jantá.

Trabaiei nesta casa de família 46 ano... aí a minha patroa morreu. Se ela tivesse viva eu tava lá até hoje. Eu gostava dela e ela de mim. Nós duas dava muito bem.

Durante a semana, fazia o serviço de casa, e costurava nas hora vaga, eu tinha costura pra fazê, e assim passava o dia.

No domingo, só tinha a tarde pra saí, porque tinha que fazê almoço. À tarde, eu ia pra casa do meu irmão, tinha um irmão que morava aqui em Belo Horizonte, lá no bairro São Paulo. Aí eu saía três horas, duas e meia, e só voltava à noite.

Durante a semana, saía só pra fazê compra. Lá no centro, eu ia fazê compra pra mim. Agora, pra casa, eu fazia por aí mesmo, tinha mercearia aqui perto. Pra mim, eu ia lá na Rua dos Caeté, Paraná. Comprava roupa pronta, quando eu não queria costurá. Ia, eu e minha sobrinha, que morava em outra casa perto, que trabaia também em casa de família. Depois do armoço a gente arrumava cozinha, deixava o jantá adiantado e ia, à tarde, dá uma vorta, e quando dava a hora de servi o jantá, a gente já tava em casa.

Não costumava passeá aqui no bairro não. Não gostava não. Minha patroa não gostava que a gente arrumasse muitas amiga, porque ter muita amiga... ela

ficava com medo da gente caí na... [não completou o raciocínio]. Eu costumava saí à noite, no domingo, com minhas amiga lá na Pampulha, pra lanchá. A gente ia de ônibus. Perto da lagoa, tinha uns restaurante lá muito bom, a gente chegava, lanchava, bebia uma cervejinha.

Primeiro contato com a Casa Santa Zita

QUANDO IA PRA Igreja Boa Viage, encontrava as menina que morava aqui, e elas me convidava pra vim na Casa Santa Zita. Ia na igreja pra missa, tinha o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) na igreja, e eu vinha, e elas me convidava, porque sempre tem umas que a gente bate um papinho e cria amizade. Eu tratei com a presidente e vim pra me associá, aí ela tomô meu nome e eu vim pra associação.

Eu quis vim pra associação porque sempre elas falava [as conhecidas que moravam na casa] que depois chegava a idade, a gente não podia trabalha mais, e a gente vinha praqui... e foi isso. Pensava em vim porque eu não tinha pai nem mãe, e ficá na casa de parente é meio difícil. Aí eu já vim e me associei... Deus me ajudô e Santa Zita. Eu não conhecia Santa Zita, vim conhecê aqui.

Na associação, a gente fazia... quando a casa era pobre, não tinha ajuda, uma festinha. Aí, cada uma trazia um prato de salgadim, de refrigerante. E vendia muita coisa pra igreja, pra pudê juntá dinhero. Era rifa, muita coisa que a gente vendia... juntava aquele puquim e no dia da reunião entregava pro padre.

Até hoje tem essa reunião no primeiro domingo do mês, na sala aí. Vem as que mora aqui e vem gente de fora... reúne todas as Zita, faz a reunião e cada uma paga a mensalidade. A mensalidade é cinco real por mês.

Hoje, algumas trabaia em casa de famia... algumas dela são Zita, mas tá muito vacaiado, não tá vindo todo mundo. Elas não importa também. Só vem recebê a fita e não vem mais. Às vez, vem no fim do ano, vem pro Natal, e paga a mensalidade do ano todo.

Acho que elas não pensa em vir pra cá não, umas já tem famia, outras fica morando com o patrão, outras vai embora de Belo Horizonte. As empregada de hoje nem tá entrano na associação mais não. Entra lá uma vez ou outra.

Agora, em dezembro, fez quatro ano que eu vim pra cá. Foi no final de 2004. A minha patroa morreu em agosto, quando foi em dezembro, eu vim pra cá. De agosto a dezembro, fiquei na casa da fia dela. Nesse tempo, a minha patroa tava morano na casa da fia. Ela tinha um apartamento, mas quebrô a perna, tinha uma escadaria... e ela num guentava descê, e a fia levou nós pra casa dela. A fia dela mora na Rua Espírito Santo, perto da Igreja Nossa Senhora de Lourde.

Na Rua Cláudio Manoel, tinha o casarão, e eles vendero o casarão que era dos herdero. Era a sogra da minha patroa que era dona da casa... ela deu pros herdero que era seis neto que ela tinha.... Aí vendero a casa, e a gente passô pro apartamento, que é do genro da Dona Lúcia, na Rua Espírito Santo também. Quando ela adoeceu, nós fomo pra essa casa da fia dela. Tudo na mesma rua, dois quarterão. É perto do Minas Tênis. Ali que ela morreu.

Quando arrumô um quarto aqui, eu vim. Eu fiquei esperano arrumá o quarto, porque tava reformano. Eu viajei pra Aparecida, fiquei 15 dia lá. Ainda fui lá na minha terra, Nanuque. Encontrei parente, sobrinho. Passei uns dia lá e já vim direto praqui.

Relação com a Casa Santa Zita e suas moradoras

EU GOSTO DE MORÁ aqui... adoro aqui. Eu vinha aqui uma vez por mês, até duas vez, no terceiro domingo e no quarto domingo, tem adoração aqui na capelinha. Aí juntava todas, todas Zitas pra fazê adoração. Agora que não vem mais. As que tá aqui, uma sai pra um canto, outra pro outro, num faz oração. Todo mundo ocupado. Mas pra todos efeito, as de fora vem pra acertá as conta, vem no dia da reunião e acerta tudo.

A reunião não é de oração, é só pra acertá as conta, combiná o mês que vem, se vai tê passeio, se vai tê uma viaje, agora vai tê, nós vamo pra Aparecida, no dia 31 de julho.

Gosto das moradora da casa, gosto delas todas, a gente se dá muitio bem. Combina muitio bem.

As pensionista moram lá em cima. Lá é mais caro, paga mais caro. O quarto é como o da gente mesmo, tem de tudo, mas na hora de ir pra mesa todo

mundo come a mesma comida, o café da manhã é o mesmo. Tudo que é servido pra uma vem pra todos, ninguém é servido separado.

A gente sabe quem é Zita e quem não é. Tem duas mesa grandona do lado de fora, do lado de cá, fica as Zita, do lado de lá, as [faz uma pausa para encontrar a palavra para descrever as pensionistas] maió... [fala entre risos].

As minhas colegas que são Zita e trabaiava na casa de famia num gosta de contá a vida não. Acho que a vida delas não era boa não. A minha era boa, eu era bem tratada. Não tinha essa coisa dos patrão comê, depois a empregada comê o resto. Ela era viúva, ela fazia o prato dela e eu só forrava a mesa. Ela sentava na mesa e dizia: armoça tamém. E tinha vez que eu ia pra mesa mais ela.

Tem umas dela aí que nem na cozinha não entra, tem vergonha. Tem oitio ano que mora aqui e não entra na cozinha. É Zita, foi empregada, não entra na cozinha pra fazê um café. Eu entro aí, faço café, só não faço comida, que não gosto mais de mexê no fogão pra fazê comida.

Vínculo com o espaço do centro de Belo Horizonte

NÃO CONHEÇO outros bairro de Belo Horizonte muito não. Já fui algumas vez, mas não conheço. Já fui várias vez, às vez num passeio, mas se for pra eu ir lá, não conheço. Tem hora que as minina me chama... tem uma aí, que chama Rita, ela gosta muito de passeá, tem umas amiga que mora longe, pega dois ônibus. Eu falo: ―Ah, não, eu moro é no centro da cidade‖ [risos].

Eu gosto é do centro. O centro eu conheço bem, as rua, supermercado, tudo eu conheço bem, a rodoviária. Conheço Santa Efigêna. De primeiro, andava tudo a pé, agora não, ando de ônibus. Todo mês eu tô indo ao centro, vou comprá uma coisinha de nada, tomo o ônibus aí só pra passeá dentro do ônibus.

Não tenho medo de andá na cidade de dia, mas não gosto de andá de noite. Pra atravessá a rua, no início, a minha patroa me ensinô, se for pra atravessá, eu atravesso, muitio bem, vou tranquilo. É só porque as perna não dá pra ficá andano, aí eu não ando. Quando acho uma companhera pra ir conversando, vai bem, mas quando não acho, pego o ônibus e vô nas loja do centro. Lá eu compro sapato, eu gosto de comprá tudo lá no centro mesmo.

No documento A Experiência, a metrópole e o velho (páginas 196-200)

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