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De acordo com o que é descrito por Bugalho e Carneiro (2004), referente ao ano de 2001, foi estimado o peso global das patologias médicas crónicas, em 54% de todas as doenças (abarcando doenças infecciosas, tais como, a tuberculose e a infecção VIH/SIDA, as doenças mentais e outras patologias não infecciosas e não transmissíveis), prevendo-se que em 2020 esse valor se condense em 65% da população mundial, abraçando sobretudo as regiões do globo mais desfavorecidas, em termos económicos.

Para que se consiga dar uma resposta ajustada às pessoas com doença crónica, uma vez que os cuidados, e as organizações de saúde para este tipo de patologia diferem muito dos necessários para tratamento das doenças agudas, é necessário que os sistemas de saúde consigam reformar as suas políticas, e as suas estratégias de intervenção. O poder político, e as próprias pessoas doentes necessitam de se mentalizarem deste estado, adquirindo uma nova visão das necessidades de saúde.

De facto, as pessoas relacionam-se com o sistema do qual recebem cuidados, e por sua vez, as organizações de saúde e os recursos da comunidade respondem em função das políticas de saúde, que por sua vez, vão influenciar a saúde das pessoas. WHO (2002) Pode dizer-se que um sistema de saúde é eficiente e eficaz, quando estes três níveis trabalham em harmonia, manifestando-se em maiores ganhos em saúde. Quando os três níveis não estão em harmonia emanam desperdícios e as estruturas dos sistemas de saúde transformam-se em inoperantes. Infelizmente, nos dias de hoje ainda é usual observar que não existe consonância no que diz respeito aos cuidados prestados a nível das doenças crónicas.

Actualmente, são vários os problemas que existem na prestação de cuidados de saúde às pessoas com doença crónica. Por este fundamento, a WHO (2002) propõe que se analisem estes problemas sob três níveis, nomeadamente a nível micro (pessoa - onde se inclui a dificuldade de interacção com a pessoa com doença crónica), a nível intermédio (organizações de saúde e comunidade - em que as contrariedades estão relacionadas com as organizações de saúde e com as ligações que se estabelecem com a comunidade), e por último a nível macro (políticas - as políticas governamentais são basilares). Estes três níveis influenciam-se e interagem entre si de forma dinâmica.

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Ao nível micro, que diz respeito à dificuldade de interacção com a pessoa, existem basicamente dois tipos de problemas: a falta de autonomia das pessoas para melhorar os resultados de saúde e a débil qualidade da relação entre o profissional de saúde e as pessoas. Estas têm que compreender que são as primeiras responsáveis pela sua saúde, que devem ser participantes activos neste processo, e os profissionais de saúde têm que aceitar, que a pessoa doente, também tem uma palavra a dizer, e que não deve ser um simples receptor dos cuidados que os outros consideram ser o melhor para si. Na verdade, os profissionais de saúde continuam ainda a ter muito fixado na sua prática o modelo biomédico, forçado muitas vezes pela própria organização dos serviços de saúde, que pelas suas características reducionistas não possibilita intervir e ver o fenómeno de mudança de comportamento de forma abrangente. Não é suficiente proporcionar informações sobre a doença e os comportamentos a eleger, servindo-se do modelo tradicional, ou paternalista, de interacção com a pessoa, modelo esse que pressupõe que são os profissionais de saúde que sabem aquilo que é melhor para a pessoa e que esta deve ficar agradecida por serem os profissionais de saúde a tomar as decisões por si. (Ribeiro, 2005a).

Ao nível intermédio verificam-se os problemas relacionados com as organizações de saúde e as suas relações com a própria comunidade.

Tendo em conta esta descrição, de acordo com a WHO (2002), compete às organizações de saúde dirigir a prestação de cuidados e avaliar a sua qualidade, bem como, aos profissionais proporcionarem cuidados adequados aos utentes com doença crónica.

Presentemente verificam-se algumas dificuldades, neste agrupamento de Centros de Saúde, constatados enquanto profissionais. Dificuldades estas, que se traduzem:

- na inépcia para organizar a prestação dos cuidados necessários nas doenças crónicas; - na falta de formação dos profissionais de saúde nesta área;

- na não aplicação das evidências científicas para nortear os cuidados prestados; - na lacuna a nível da prevenção;

- na não organização dos sistemas de informação e pobreza de articulação com os serviços da comunidade.

Ao nível macro, verificam-se os problemas relacionados com as políticas de saúde. De facto, muitos dos problemas relatados até aqui derivam da política instituída na maioria dos países. É ao nível macro, que são esboçadas as estratégias de intervenção para as pessoas portadoras de doença crónica.

É essencial directivas eficazes ao nível político, para que os serviços de saúde funcionem de forma coordenada e eficiente. A WHO (2002), verificou que a nível mundial são poucos os

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países que propõem planos equilibrados de intervenção na gestão e na prevenção das várias patologias crónicas.

De acordo com a Lei de Bases da Saúde, na Base II, relativa à política de saúde, salienta entre vários aspectos na alínea e) que, “A gestão dos recursos disponíveis deve ser conduzida por forma a obter deles o maior proveito socialmente útil e a evitar o desperdício e a utilização indevida dos serviços.”

Constata-se muitas vezes que as políticas e os projectos, preparados para o controlo das doenças crónicas não assentam em dados epidemiológicos actualizados, e que se baseiam somente numa intervenção biomédica. Estes planos, geralmente apenas preveligiam a contenção de gastos, numa óptica de tratamento dos problemas agudos, em vez de, valorizar e investir nos objectivos de saúde que a longo prazo trariam benefícios quer para as pessoas, quer para a economia dos países. Valorizam-se mais as intervenções que implicam fármacos e meios tecnológicos, em detrimento das que exigem pouca tecnologia, mas, em contrapartida um maior número de profissionais de saúde, e infra-estruturas aptas para o atendimento e educação das pessoas com doença crónica.

Verifica-se presentemente, que ainda não existe uma consciencialização séria por parte dos governantes, que a promoção da saúde pode ser um bom investimento para o futuro. A promoção da saúde e a prevenção da doença têm que ser vistas como investimento e não como despesa.

Tudo isto é reforçado com o que se encontra na já referida Lei de Bases da Saúde, na Base II, na alínea a), “a promoção da saúde e a prevenção da doença fazem parte das prioridades no planeamento das actividades do estado”.

Reportando ao que refere, Andrade (2003), este autor diz, para que cada pessoa tenha um projecto de saúde, compete-nos conseguir fazer chegar a informação, de todos os serviços que cada um pode utilizar, no entanto, é também marcante que a pessoa saiba utilizar correctamente o serviço e reconheça como incumbência a promoção de uma vida saudável. Na mesma linha de pensamento, desta temática, consta na argumentação de Guerra (2003), que, a gestão da doença é um conceito presente que é frequentemente usado nos cuidados geridos, não devendo, contudo, equivocar-se, na medida em que aqueles visam apenas componentes dos cuidados e não a doença no seu todo. Este conceito disseminou-se velozmente devido à forte convicção de que os programas de gestão da doença diminuiriam a ineficiência dos cuidados e o uso inapropriado dos serviços. Ao contrário dos cuidados tradicionais prestados individualmente, salienta-se que, a gestão da doença é um modelo organizacional em que os elementos da equipa de cuidados de saúde actuam em conjunto, de uma forma coordenada, para melhorar os resultados em pessoas, com uma doença

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crónica específica, devidamente diagnosticada. Sem esta conjuntura, continuará a haver desperdício na saúde, e dificuldade de acesso, com dignidade, compreensão, apoio e até mesmo humanização, faltarão as já referidas redes articuladas de cuidados.

De acordo com o estudo desenvolvido por Santos et al (2008, p. 227), em relação à satisfação dos utentes e dos profissionais, estes autores referem que as pessoas utilizadoras dos serviços de saúde, no âmbito dos cuidados de saúde primários, “(…) revelam satisfação quando os médicos ou enfermeiros são pró-activos com a sua saúde, nomeadamente no que se refere à prevenção da doença e promoção da saúde.”

Conforme, refere Soutelo (1986), este autor vem reforçar esta preocupação, considerando que cada pessoa é única e deve ser encarada e tratada como tal. As pessoas têm experiências na vida que são unicamente suas, que são distintas das vivências de outras. Não podem, nem devem de forma alguma, serem classificadas e tratadas tão-somente pelo nome da doença.

Encontramos descrito por Boavida (2004), que a pessoa conta as suas queixas objectivas, fundadas por um conjunto de sintomas e sinais que permitem ao médico com o seu conhecimento revelar um diagnóstico, e um tratamento. No tratamento das doenças agudas, num episódio de urgência, este modelo é perfeito e tem vindo a possibilitar uma sobrevida cada vez maior da humanidade. Existe uma doença, é feito um diagnóstico e prescrita uma terapêutica. É a medicina de urgência, para dar resposta numa situação aguda, de uma intercorrência, de um acidente, é a medicina dita, hospitalar. Mas em relação à pessoa com doença crónica, existe todo um outro mundo de subsistemas que é forçoso ter em consideração. É o mundo psicossocial. Este mundo é formado pela pessoa, a relação com outras pessoas, a família, a profissão, a cultura, a nação (…) a biosfera. Ora as relações entre o mundo biomédico e o mundo psicossocial têm sido cedidos ao estudo das ciências humanas: a psicologia, a sociologia, a antropologia, a pedagogia … e não têm sido inteiradas na actividade médica diária de acompanhamento da doença crónica.

A promoção da saúde e a prevenção da doença, assumem cada vez mais um papel fulcral nos cuidados de saúde primários, estando lentamente, a vertente da promoção da saúde a ser sobreposta à vertente curativa, por forma a alcançar uma melhoria na qualidade de vida das pessoas. Torna-se imperativo que os profissionais de saúde enveredem esforços conjuntos, no sentido de promover e manter a saúde da pessoa com doença crónica.

Está bem patente na descrição feita por Soutelo (1986, p. 29), que, “(…) os principais objectivos de um programa de saúde, deveriam ser: informar, ensinar e demonstrar a cada pessoa a responsabilidade que lhe cabe, tanto na manutenção e promoção da sua saúde, como na saúde da comunidade – aprendendo para isso a detectar e modificar os factores

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que poderão estar a afectá-la (…) ou vir a afectá-la no futuro. Dizendo de outro modo, o seu

objectivo é, ajudar a construir uma Qualidade de Vida”.

A consciência destas premissas é determinante para todo o desenvolvimento que se venha a realizar.