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DESAFIO SIMBÓLICO AOS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

1. MOVIMENTOS SOCIAIS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

1.8. DESAFIO SIMBÓLICO AOS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO

Como coletivos em rede, os atores “antiglobalização”, como rede social informatizada, se valem muito intensamente da Internet para organizar suas ações. Mas não é a Internet que cria um provável “movimento antiglobalização”. O suporte tecnológico agiliza os contatos e acelera a entrada de temas na agenda de discussão pública e o processo de tomada de decisões em relação a eles, ainda que num nível simbólico-discursivo. Pois, na medida em que os atores em rede organizam a informação, atribuindo-lhe um significado diferente do estabelecido, eles mantêm a capacidade de produzir (ou anunciar) mudanças na sociedade. E como a informação é prioritariamente oferecida pela mídia, é para ela que esses atores se voltam para negociar sentidos.

As manifestações por justiça global mostram que os atores sociais reivindicam, junto com suas demandas específicas, o direito de expressar a realidade a partir de outros marcos de referência. Na medida em que os bens materiais são produzidos através da mediação de sistemas informativos e de universos simbólicos a partir de um código cultural dominante, os atores coletivos perguntam quem tem poder de decidir sobre os códigos e sobre as regras de normalidade (Melucci, 1999). Querem participar da atribuição de significado às informações, dotando-as de sentido.

Dessa forma, a luta dos atores contemporâneos requer que o poder não seja exercido apenas sobre o conteúdo das informações (elaboradas e transmitidas principalmente pelo jornalismo - portador de um código legitimado como perito), mas tem que se dedicar ao controle dos códigos. Por isso é necessário tornar o poder visível, porque disso depende sua negociação. Esse papel é desempenhado pela ação coletiva contemporânea, cujo campo de atuação é redefinido na sociedade da informação. Segundo Melucci (1999), eles alteram a lógica dominante num terreno simbólico - questionam a definição de códigos, a leitura única da realidade, que, segundo ele, é o novo fundamento do poder.

O conflito se estabelece, então, na capacidade de resistência e subversão dos códigos autorizados, na luta para nomear de modos diferentes o espaço e o tempo mediante a construção de novas linguagens e para organizar e interpretar de outra maneira o fluxo de informação. Essa é a transformação operada pelos atores sociais: o anúncio de que uma outra forma de perceber os problemas é possível. (o slogan do Fórum Social Mundial – “um outro mundo é possível” demonstra bem isso).

Como a sociedade contemporânea está marcada pela individualização como projeto político e ao mesmo tempo pela busca de segurança comunitária (Bauman, 2001, 2003), esses conflitos se produzem nas áreas tradicionalmente consideradas “privadas” ou “subjetivas” (relacionadas ao corpo, à sexualidade, às emoções) - objeto de controle na sociedade baseada na intervenção social - de onde surgem demandas de autonomia.

Assim temas que dizem respeito aos cuidados com a saúde física e mental, às políticas de educação e segurança, aos perigos da contaminação alimentar, bem como aos encontros de cúpula, entre outras questões que afetam as pessoas na sua vida diária, se politizam. Essa politização, que tem origem nos contextos do mundo da vida, ganha a esfera pública através da ação dos atores coletivos, responsáveis pela organização dessas demandas.

Nesse contexto, esses atores coletivos estão mais aptos que os cidadãos comuns para organizar um conhecimento próprio, derivado da experiência, na medida em que possuem uma atitude reflexiva em relação à motivação para agir, desenvolvem a capacidade de interpretar a própria situação na relação com outros atores sociais (Maia, 2002). Eles desenvolvem maiores habilidades cognitivas, podendo reformular as informações advindas da mídia, definindo-as nos seus próprios termos.

Uma das formas pelas quais esses atores redefinem o significado da informação é a ação direta, que carregam de simbolismo e utilizam para deslegitimar o sentido atribuído pelos sistemas autorizados. A desobediência civil e o conseqüente confronto com autoridades policiais “mostram”, simbolicamente, o conflito que existe e que demanda uma negociação.

A desobediência civil já existia nos novos movimentos sociais; a diferença agora é a mídia como um elemento a ser considerado no planejamento das ações diretas. Com os NMS, houve a redefinição do espaço de cidadania (criação de novos sujeitos sociais), a reapropriação política do sentido das relações comunitárias, a tentativa de democratização das práticas cotidianas e uma autonomia, ainda que contraditória, em relação ao Estado (Scherer-Warren, 1996). A tendência dos movimentos sociais contemporâneos é a formação de redes de atores plurais, cujas identificações se constroem no plano dos valores. O poder, portanto, não está na ação do sujeito/ator, mas na rede. É nesse sentido que as redes são fatores de empoderamento de coletivos.

Essa organização da sociedade contemporânea em torno do significado da informação, produzida em instâncias especializadas de mediação (ou midiatização), molda as práticas sociais em novas formas de sociabilidade, cuja compreensão não pode prescindir da análise dos processos midiáticos.

Em síntese, o desenvolvimento de tecnologias da informação e comunicação, representadas principalmente pela internet, é um dos principais impulsionadores do processo denominado globalização, que engendra uma “sociedade da informação”, desde que entendida como espaço de relações no qual a informação torna-se recurso indispensável para a definição dos rumos (incertos) da vida. Essa condição se reflete nas formas de fazer política no cenário contemporâneo, em que as demandas do mundo da vida ganham a esfera pública através da ação dos atores coletivos, responsáveis pela sua politização. Isso implica em mudanças nas formas de intervenção, cada vez mais atreladas aos processos midiáticos de inscrição pública dos problemas que se pretende ver debatidos. É por essa dimensão expressiva da ação dos movimentos sociais que esta tese caminha.

2. ESTATUTO

DA

COMUNICAÇÃO

NA

SOCIEDADE