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PROPOSTA PARA ANÁLISE DOS MOVIMENTOS POR JUSTIÇA

2. ESTATUTO DA COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

3.3 PROPOSTA PARA ANÁLISE DOS MOVIMENTOS POR JUSTIÇA

O recorte da pesquisa trata da apropriação, pelos ativistas dos movimentos por justiça global (MJG), do código jornalístico na produção de contra-informação nos seus websites. Esse código constitui um frame, o qual enquadra a interpretação da realidade mostrada/construída. A premissa que orienta esta tese é que nessa apropriação há um processo ao mesmo tempo de assimilação, indicação das margens do frame noticioso – entendido como frame primário – e estabelecimento de um frame contest, e simultaneamente de um re-frame.

Nos capítulos que seguem, esse processo será apresentado a partir de duas abordagens comumente realizadas sobre a relação mídia e movimentos sociais. Uma que procura evidenciar a presença do frame jornalístico nas ações dos ativistas, nos principais momentos de visibilidade do ciclo de protestos dos MJG (de Seattle ao Fórum Social Mundial, 1999-2001). A outra trata da linguagem ativista assumida nos

websites da rede informativa dos coletivos que mantiveram a produção da informação numa fase posterior aos protestos, caracterizando um momento mais reflexivo da ação coletiva (ou latente, como quer Melucci).

A primeira analisa a presença dos movimentos sociais na mídia – o que logram pautar, os aspectos negligenciados, as posições em disputa. A segunda analisa a chamada mídia “alternativa” dos movimentos sociais – geralmente como opositora da convencional. O primeiro trata do que chamo de intervenções ativistas nos mainstream

media e o segundo de mídia ativista.

Assim, a concepção que orienta a discussão parte da noção de jornalismo como sistema perito (Giddens), produtor de tipificações da realidade (Schütz e Tuchman), as quais enquadram (frame) os acontecimentos nos limites da sua estrutura interpretativa, definidora de critérios de noticiabilidade a partir de um sistema de relevâncias, o qual caracteriza sua linguagem (código).

Os ativistas assimilam essa lógica e a subvertem em favor dos seus interesses. Primeiro apresentando-se publicamente nos protestos de modo a chamar a atenção da cobertura jornalística (portanto recriando a ação a partir dos critérios de noticiabilidade) e segundo utilizando esse frame jornalístico e produzindo sobre ele um ajuste (keying), que se verá mais adiante se tratar do que aqui se definirá jornativismo, num processo de

re-frame.

Isso caracteriza o que Melucci (1996; 1999) chama de luta pela apropriação do significado. O conflito se estabelece neste caso pela busca do poder da nomeação: a capacidade de atribuir à realidade e inscrever no espaço público diferentes direções de interpretação. Está em jogo o que significa responsabilidade global sobre os rumos do desenvolvimento econômico, cultural e social, mediado pelos processos políticos. É assim que os atores coletivos desafiam os sistemas de poder, ao forçar a accountability dos centros de decisões. Com isso, credenciam-se para o debate político, ainda que para tanto recorram a uma linguagem etiquetada como pertencente ao sistema de poder que combatem, num processo denominado por Giddens (1991) de reflexividade.

Dessa forma, os contornos (pouco nítidos) dessa sociedade da informação vão se desenhando, a partir da volta dos atores coletivos ao espaço público, mesmo que com o acréscimo de demandas de caráter até então consideradas da esfera privada (Bauman, 2001). A informação é o recurso com o qual os atores coletivos apostam seus projetos, visões, versões de sociedade. E o mais forte emblema dessa sociedade – a internet – torna-se um dos espaços privilegiados para observar o fenômeno da construção do significado em frame contests.

Daí que para apreender a complexidade de tal objeto de investigação, este capítulo apresentou uma reflexão teórico-metodológica, de orientação compreensiva/ interpretativa, procurando articular os conceitos dos capítulos anteriores com os procedimentos analíticos utilizados a seguir.

A análise se organiza primeiro no reconhecimento dos atores em conflito nos protestos de Seattle, Washington, Praga, Québec e Gênova e nos dois primeiros encontros do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Isso para verificar como esses protestos contêm na sua aparição pública elementos que se adaptam ao frame jornalístico (frame alignment). Trata dos ativistas atentos a esse caráter da ação coletiva contemporânea. A observação é realizada nos websites People’s Global Action e nas conexões com o Indymedia que, além da análise da cobertura, oferecem links para matérias da imprensa internacional.

Em seguida, a análise se volta para a produção de contra-informação nos

websites. A comunicação dos movimentos sociais na internet é chamada de mídia ativista, desenvolvida pelos ativistas de mídia e pelos jornativistas, sendo os primeiros ativistas que produzem material para expressar seu ponto de vista nos websites e os segundos, os profissionais de mídia que emprestam sua perícia à causa dos movimentos sociais. É o re-frame. Observa-se os websites Nodo50, La Haine, Rebelión, Indymedia e Attac.info.

Há centenas de websites relacionados aos protestos transnacionais, movimentos “antiglobalização” e assuntos correlatos. Por isso, é necessário delimitar o campo de análise de acordo com alguns critérios. A seleção dos websites se orienta pela

auto-referência, ou seja, as informações em cada uma das páginas remetem de forma circular a cada um dos selecionados, sendo o Indymedia uma espécie de centro catalisador de vários serviços de informação e de websites de campanhas transnacionais. Outro critério é que eles compartilham o que Van Aelst e Walgrave (2004, p. 106) chamam de mesmo frame de referência53. Sem “significados partilhados e definições

que as pessoas trazem para suas situações”, é muito improvável que haja identificação e junção de forças.

O foco se dirige para as discussões sobre economia e política globais e sobre a crítica ao neoliberalismo, temas que emergem tanto nos momentos dos protestos anticúpulas como nos momentos posteriores, em que as políticas e campanhas são organizadas e refletidas nos websites. Em pesquisa realizada em 17 websites por Van Aelst e Walgrave (2004), em 2001, a crítica à globalização ocorria por alguns temas predominantes: livre comércio, dominância econômica e distribuição desigual de riquezas entre os hemisférios norte e sul. Segundo eles, isso mostra que a globalização é enquadrada primeiramente como uma questão econômica, mas que traz conseqüências para seres humanos e ao meio ambiente. Por isso é também uma questão política, na medida em que o problema econômico cria um problema de governança democrática, uma vez que as instituições internacionais têm sua legitimidade questionada.

Estudar, portanto, os movimentos por justiça global (MJG) através da rede que formam na internet é entender que eles estão vinculados de forma fundamental às novas tecnologias da informação e comunicação (TICs). Como resume Rucht (2004, p. 49), os MJG são movimentos transnacionais contrários à globalização neoliberal, cujo foco é a economia e a política globais. Seu instrumento de contestação são as campanhas públicas contra as corporações transnacionais, nas quais as estratégias de relações públicas têm papel chave.

53 O conceito de frame no contexto dos movimentos sociais foi introduzido por Snow et al.

(1986) e posteriormente aplicado e desenvolvido por outros como Gamson, Meyer, Gerhards, Rucht, Walgrave e Manssens. (Ver Van Aelst e Walgrave, 2004). Neste caso, os autores procuram identificar as referências ou interpretações realizadas pelos ativistas para definir globalização.

As TICs se adaptam às necessidades ideológicas e organizacionais dos MJG, o que leva Van Aelst e Walgrave (2004) a identificar nesta parceria um “good match”, ou uma “Wahlverwandschaft” (afinidade eletiva), segundo Wilde et al. (2003). Isso sugere que não há uma relação de causa e efeito entre internet e tal onda de protestos, mas uma transformação das formas de mobilização e comunicação políticas.

De qualquer forma, é pela internet que os MJG duelam contra, mas também jogam com, a mídia, ao mesmo tempo alinhando-se ao frame jornalístico e construindo um outro, no seu trabalho de re-frame aqui denominado jornativismo.

4. ENTRE A IMAGEM E A MENSAGEM: as intervenções ativistas nos