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4. ENTRE A IMAGEM E A MENSAGEM – as intervenções ativistas nos

4.2 A MENSAGEM TORNADA IMAGEM: O FRAME ALIGNMENT

4.2.5 Gênova de Giuliani

O encontro do G8 de19 a 21 de julho de 2001 em Gênova foi o episódio mais violento do primeiro ciclo de protestos dos MJG. Segundo Ludd (2002, p. 162-4), qualquer manifestante era alvo da polícia, que batia indiscriminadamente. Uma cerca como a de Québec foi montada e mais de 20 mil policiais estavam a postos, muitos disfarçados de ativistas, inclusive simulando um grupo do Black Block73, quebrando

vidros. Cerca de 200 mil manifestantes tomaram as ruas da cidade. A polícia também invadiu a sede do IMC e do Fórum Social de Gênova74 e o alojamento da Escola Diaz.

Documentos foram roubados, pessoas presas e espancadas, equipamentos foram destruídos.

Mas os protestos em Gênova são lembrados por causa do assassinato de Carlo Giuliani. O rapaz de 23 anos levou um tiro na cabeça e teve o corpo atropelado duas vezes por um jipe da polícia. Uma seqüência de fotos mostra um provável “provocateur” infiltrado entre os manifestantes, quem teria sido responsável pela violência contra Giuliani. Esse fato foi explorado tanto pela imprensa internacional quanto pela mídia ativista. E foi isso que deslegitimou o encontro do G8, pois gerou mais protestos em todo o mundo contra a repressão da polícia italiana. A imagem de Giuliani morto abre a página na internet dedicada aos protestos em Gênova, o que a diferencia das demais.

Os protestos foram enquadrados pela imprensa pelo frame da violência. Uma notícia da agência Reuters relata que a polícia italiana passou por quatro meses de treinamento com militares dos Estados Unidos. Utiliza a palavra brutalidade para referir-se aos confrontos em Gênova, que atingiram ativistas, jornalistas, policiais e pessoas não envolvidas com os protestos, e descreve o cenário como “campo de batalha militar”.

73 Esse episódio marca também a criminalização do Black Block. Ver Ludd, 2002.

74 Inspirado no Fórum Social Mundial realizado em janeiro em Porto Alegre. Vários fóruns

Um artigo do londrino The Observer avalia os acontecimentos como a pior violência ocorrida em décadas na Europa75. Descreve as atrocidades cometidas pela

polícia italiana nas ruas, nos alojamento e na prisão Bolzanetto.

O grupo Black Block é culpado pela provocação dos policiais76 e Carlo

Giuliani é colocado na posição de mártir dos ativistas e as conseqüências dos protestos como momento de encruzilhada para o ativismo global. Matéria do New York Times mostra os ataques que os chefes de Estado e parlamentares faziam uns aos outros, exigindo investigações e cobrando das embaixadas ajuda aos feridos.77

Se em Praga e Québec o frame jornalístico procurou manchar a imagem dos ativistas, em Gênova a mancha atingiu também seus adversários. Há pouca discussão sobre os pontos principais levantados pelos ativistas (livre comércio, dívida externa e acordos econômicos) nas informações tanto da grande imprensa como nos websites. Os artigos são relatos mais individualizados, impressivos e emotivos. E numa quantidade muito maior. Uma das razões é que a violência é um dos critérios de noticiabilidade mais fortes, o que gera mais cobertura.

Um tema que entrou na pauta das reuniões foi o desenvolvimento de programas de combate à AIDS, especialmente nos países africanos. Mas enquanto o

frame noticioso – consoante com a visão dos representantes do G8 – via o problema apenas como questão de saúde pública, o frame ativista o colocava como questão de

75 'You could sense the venom and hatred', de Paul Harris, Nick Paton Walsh, Martin Bright

and Rory Carroll in Rome. 29 de julho de 2001. Disponível na página sobre Gênova no PGA, seção Media Reports.

76 Neale (2002) também questiona a ação do Black Block que, segundo ele, seria formado

por cerca de 300 pessoas e teria iniciado a provocação aos policiais. O fato de nenhum integrante do grupo ter sido preso (de acordo com o relato do livro) gerou rumores de que havia policiais infiltrados no grupo. Um deles teria sido o responsável por incitar Giuliani a confrontar policiais. Ludd (2002) não concorda com essa versão e assinala esse episódio como o início da criminalização do Black Block pelos outros ativistas.

77 “Police Use of Force in Genoa Raises Outcry Weeks Later”, de Melinda Hennenberger.

New York Times, 8 de agosto de 2001. Disponível na página sobre Gênova no PGA, seção Media Reports.

valores, que envolve direitos de mulheres, homossexuais, que desafia o machismo, o patriarcalismo e a moral conservadora.

A página Genoa G8 Reports também oferece relatórios em português. Está organizada nas seções Eyewitness Reports, Assassination of Carlo Giuliani, Police Raid

on Diaz School, Black Block and Police infiltration, Bolzaneto etc, Prisoner Solidarity,

e Backgrounds & post Genoa evaluation. Ao pé da página, o link para as notícias da imprensa internacional sobre os protestos. A página tem muitas fotografias. Em quase todas as imagens enquadram policiais e manifestantes em confronto.

Na chamada para Gênova (G8 – everyone to Genoa!), escrita pelo grupo Tute Bianchi, os autores informam sobre a caravana de várias cidades e convocam para “o carnaval da desobediência”, que culminaria com a entrada na “zona vermelha”, área restrita e isolada pelo muro. Dizem que os protestos visam “dar aos organizadores da cúpula alguma coisa para pensar sobre”. Alertam para o que chamam de “programa usual de intimidação” da imprensa, com rumores de que o encontro seria transferido para outra cidade, que os ativistas planejavam usar aeromodelos com substâncias químicas ou sangue contaminado para ser lançado do céu... E pedem ajuda para organizar os grupos, com envio de informações para os organizadores dos protestos (Tute Bianchi e Ya Basta!).

Uma imagem não violenta em Gênova foi a da marcha Pink and Silver, com sua “frivolidade tática”. As “fadas cor de rosa” organizaram várias marchas com o slogan Dance Down the G8. Esses grupos produziram um contraponto pacifista ao tumulto que tomou conta das ruas da cidade.

Em síntese, o processo de agendamento do frame ativista para as questões relativas à globalização, programas de desenvolvimento, livre comércio e correlatos teve uma trajetória interessante no ciclo de protestos que vai de Seattle a Gênova. Em Seattle as intervenções nos mainstream media se deram pelos critérios de noticiabilidade da notabilidade – os protestos foram grandiosos, inesperados e revelaram o conflito entre dois adversários. O ganho em visibilidade foi incontestável, uma vez que a cobertura jornalística foi internacional.

Em Washington, as questões levantadas em Seattle ganharam substância e as conseqüências midiáticas dos protestos foram a visibilidade positiva e conseqüentemente a consonância. Os temas foram assimilados pelos adversários e considerados ao menos como válidos para o debate. Houve inclusão de temas pela intervenção do frame ativista. Assim, além da ação ilocutória, os protestos geraram uma ação perlocutória.

Em Praga, houve um retrocesso. A desorganização, a dissidência entre os ativistas e as suas contradições evidentes, bem como a maior repressão por parte dos policiais, fez com que os protestos não estivessem sintonizados e o frame adversário também emplacou através da criminalização dos movimentos sociais. A polêmica em torno das táticas de depredação trouxe perda de legitimidade aos MJG como interlocutores válidos para o debate sobre a globalização. Sem mensagem, sua imagem ficou comprometida.

Em Québec, a mudança de foco dos protestos das instituições como OMC, FMI e Banco Mundial para um acordo de livre comércio como a Alca, ampliou o frame ativista para as questões regionais e a desigualdade econômica e política entre países centrais e periféricos. Com um trabalho mais cuidadoso com a mídia (os IMCs centralizaram a produção e oferta de informação aos jornalistas), os MJG recuperam parte da legitimidade perdida em Praga e se tornam fontes de informação para a imprensa internacional, forçada a ouvir esse “outro lado”, que é mais uma exigência do padrão jornalístico.

Em Gênova, um aspecto interessante: com a consolidação dos MJG como adversários de peso, a repressão contra eles foi mais forte. Embora o teor tanto da cobertura jornalística como das avaliações dos ativistas tenha ficado restrito aos confrontos violentos entre policiais e manifestantes, houve, por parte da imprensa internacional, uma repercussão positiva da visão dos MJG pela condenação da violência contra eles.

A consonância midiática em relação aos protestos em Gênova provocou ao mesmo tempo um fortalecimento da rede e um recuo das manifestações. Isso significa que a solidariedade entre os ativistas dos MJG aumentou, mas gerou também um refluxo dos protestos, primeiro pelo trauma do assassinato de Giuliani e mais tarde pela onda de antiterrorismo que tomou conta do noticiário internacional depois do ataque aos prédios do World Trade Center, em Nova York. A partir de 11 de setembro daquele ano, qualquer manifestação poderia repetir a violência de Gênova e todo ativista passou a ser considerado um terrorista em potencial.