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6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

7.3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS PROFISSIONAIS

7.3.1 Representações sobre a violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes

7.3.1.1 O desafio da violência sexual

A maioria dos casos atendidos no Sentinela/Recife é de abuso sexual. Entre as psicólogas do Serviço há consenso em colocar a violência sexual (especialmente, os casos de estupro) como o tipo de violência mais grave, mais complexo e mais problemático de se tratar no atendimento, em comparação com as outras formas de violência. Várias circunstâncias convergem para essa valoração:

1) o atendimento de casos de violência sexual demanda maior tempo, por conta das “seqüelas” psicológicas na vítima, que são mais graves, mais contundentes. À problemática da apropriação indevida do próprio corpo agrega-se o agravante de que quando o abusador é o responsável, é mais doloroso para as vítimas:

“A criança que vem para o atendimento vítima de violência ou abuso sexual, ela realmente tem uma culpa enorme, um nojo terrível de seu corpo, de repente ter se permitido, ou ter deixado que o pai, ou mãe, o titio lhe acariciasse ou lhe fizesse coisas e o da violência física, psicológica não, né?” (E6ps).

2) diante da ineficácia e lentidão do processo na Justiça, a criança/adolescente vitimada por violência sexual sente indignação e medo. Pois o autor do abuso ainda anda solto e a vítima ainda não conseguiu demonstrar publicamente que o que falou era a verdade.

(E6ps). Assim, as vítimas e suas famílias costumam ter uma expectativa muito grande de que o agressor seja punido. Mas, como na maioria dos casos não se chega a esse desfecho, o seu sofrimento e o seu sentimento de culpa são ampliados, podendo produzir-se uma estagnação e até uma involução do tratamento (E1co; E10as).

3) Os familiares responsáveis não-abusadores (quase sempre, as mães ou avós), costumam sentir-se culpadas e/ou deprimidas, podendo demandar também encaminhamento para atendimento psicológico ou psiquiátrico. Para as que estiverem vivenciando um processo judicial contra o autor da violência, o acompanhamento é indicado para fortalecê-las emocionalmente. Entretanto, “a obrigatoriedade do acompanhamento psicoterápico é visto

como uma punição” (E2ps). De acordo com uma psicóloga, algumas pacientes adultas

testemunharam:

– Aconteceu isso e eu que tenho que passar por atendimento psicológico (...). – Quem cometeu o delito foi ele e quem está sendo punida sou eu.

– Eu não sou louco, eu não sou louco, eu não tenho o que fazer em um psicólogo. Quem cometeu o delito foi outro e sou eu que estou aqui (E2ps).

4) A revelação da situação de abuso intrafamiliar, amiúde, leva à separação dos cônjuges (quando um deles é o abusador: “e que tem famílias que se desestruturam em função

disso”) e a uma conseqüente desestabilização da economia familiar. A fragilização econômica

pode desaguar numa re-unificação do casal, por conta da situação de dependência da mulher, e ao abandono do tratamento no Centro. Outros responsáveis-abusadores, uma vez separados, não querem manter mais vínculo com a vítima, nem responder pela responsabilidade legal por sua alimentação: “mas também não quer arcar com aquela parte legal, a despesa financeira,

teria que manter e tal. Que acha: “– ah, já que eu não posso ter contato de ver, também não tenho que manter” (E10as).

5) Também foram mencionadas situações em que acontecem tentativas de “separação do vínculo”, mas o abusador permanece no lar. “Porque não tem para onde ir, não foi

determinada pelo juiz a saída nem nada (...) Fica aquela de separado dentro de casa”

(E10as). O que também pode levar à re-unificação do casal e à “evasão” do serviço. Desse modo, em certos casos, a equipe pode descobrir que abusador permanece no domicílio da vítima e essa informação é encoberta no serviço. A suspeita deve ser confirmada mediante visita domiciliar da assistente social e esta pode desencadear uma comunicação ao Conselho Tutelar (E3as).

a gente sabe que às vezes é difícil garantir um ambiente seguro para a criança que é abusada todos os dias. Porque nem sempre o pai consegue sair. Nem sempre a gente consegue até que a mãe denuncie alguma coisa (E8ps).

Então, em alguns casos realmente é recomendada a separação do agressor da vítima. E outros, dependendo do caso, do que for, pode até se contornar a situação também. Porque também há a dificuldade das famílias, de um tio, de um avó ou de alguém querer ficar com as crianças. Entendeu? (E10as).

6) Quando o caso ainda não foi denunciado, o temor dos familiares responsáveis de que as vítimas sejam estigmatizadas na comunidade como “as meninas abusadas pelo pai” (E6ps) pode inibir os mesmos de realizar uma denúncia contra o familiar autor do abuso sexual. Esse fator, conceituado como uma “questão social” pode demandar atenção especial por parte da psicóloga, reforçando a necessidade da denúncia.

7) No atendimento de meninos (masculino) abusados sexualmente, há a questão do tabu da homossexualidade, que é uma clivagem de pensamento mais complicada que a psicóloga precisará trabalhar com a criança e com os seus familiares: “É porque existe

você é bichinha, vai ser não sei o que... isso tudo...”(E6ps). Note-se que o tabu, o preconceito

e o estigma da homossexualidade no caso é inculcado e reforçado no próprio seio familiar. 8) Outro desafio coletivo é o de desmascarar denúncias falsas de abuso sexual motivadas por conflito conjugal. Embora tenha sido relatado que as denúncias falsas de abuso sexual aconteceram no passado, no início do funcionamento do serviço.

Porque eles estavam separados por N motivos que eles não deram certo e ela arrumou esta forma de prejudicar, entendeu? É uma problemática difícil de ser trabalhada, né? até a questão da revelação (E3as).

9) o abuso sexual infanto-juvenil gera consternação e indignação, especialmente quando o profissional realiza um movimento empático de se colocar no lugar da parente responsável da vítima: “Ah!, se fosse comigo, não sei o que é que eu fazia!! Dá essa revolta” (E3as). Essa empatia leva a defender uma postura de punição, de responsabilização judicial das pessoas que cometem abuso: “Elas deveriam pagar porque é crime. Eu entendo

perfeitamente que é crime e elas têm que pagar pelo crime que elas cometeram”, (...) “a única coisa que a gente tem é a Justiça para punir e acabou-se” (E3as).

10) A questão da etiologia do abuso sexual gera certo enigma no profissional. A sua necessidade explicativa, diante da incerteza que o problema gera, o leva a considerar também que se trata de uma patologia, a pedofília, que precisa ser trabalhada, evidenciando o vazio na rede de atenção para essa clientela.

Eu queria muito que essas pessoas elas não fossem só punidas, entendeu? pela Justiça. (...) Mas elas também precisam ser trabalhadas. Teria que ter atendimento psicológico. Alguém que teria que se dispor a estudar este grupo para saber de onde é que vem isso (E3as).