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6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

7.3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS PROFISSIONAIS

7.3.3 Representações sobre os autores de violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes

7.3.3.3. Experiências violentas no atendimento

Quando questionados a respeito de terem sofrido qualquer tipo de violência ou ameaça no Centro, a maior parte dos profissionais da equipe técnica do CERCA respondeu que isso nunca tinha acontecido com nenhum deles. Apenas uma psicóloga da Saúde Mental afirmou ter se sentido ameaçada em uma ocasião:

Sim, era um pai que bebia muito e que quando bebia agredia toda a família e eu tive que chamar este pai. E tive que conversar diversas vezes este pai, com este pai. E no meio das entrelinhas dele, ele deixava, assim, uma... uma... uma possível ameaça de que se a mulher deixasse ele, que se ele perdesse os filhos, né, que eu seria responsável também por isso. Coisas deste tipo (E9ps).

Mas depois a psicóloga afirmou que este episódio não afetou a sua atitude com relação ao atendimento aos responsáveis pelas crianças. Contudo, reconheceu ficar atemorizada com a o comportamento de alguns homens, apesar de manter a postura profissional:

Sempre chega algum destes pais, principalmente os que têm um comprometimento com alcoolismo. Há um descontrole muito grande por parte deles. (...) há situações em que você fica intimidado, você fica com medo de um descontrole, né? Mas eu procuro não demonstrar e procuro também me colocar no lugar daquela pessoa. Porque quando ela, quando existe este descontrole todo, é... a pessoa deve estar se sentindo muito mal também (E9ps).

Outros profissionais do CERCA também admitiram ser corriqueiras as intimidações, que não chegam a configurar ameaças diretas de violência física, senão que insinuações de um caráter mais sutil. Estas podem acontecer em diversas situações. Todas elas, porém, coincidentemente estariam motivadas em determinada expectativa do familiar em obter alguma vantagem do processo de atendimento de sua criança/adolescente ou porque há um temor de serem prejudicados judicialmente (ou alguém da família) pela revelação dos casos.

Assim, neste último caso, as intimidações costumam estar dirigidas especialmente às psicólogas, quando da elaboração de relatórios para a Justiça ou preparação de depoimentos para a audiência. Uma assistente social reproduziu as intimidações sofridas pelas suas companheiras de trabalho:

“Cuidado com o que a senhora vai escrever no relatório.” “Cuidado com o que a senhora vai falar na audiência” (E3as).

Diante de tal intimidação, a resposta de uma psicóloga – de acordo com a assistente social – foi a seguinte: “–Olhe o que eu vou falar e o que eu vou escrever é o que a criança

me disse no atendimento” (E3as).

Uma outra situação inquietante para os profissionais é quando há conflito entre pais separados que tratam à criança como um objeto para se atacarem, além de tentarem manipular a profissional “de alguma forma, né? (E6ps). Em um determinado caso, tratava-se de um pai que mostrava comportamentos obsessivos que revelavam um transtorno psiquiátrico: o

profissionais, das ligações telefônicas, bem como das audiências no Fórum de Justiça. E tirava

xerox e autenticava todos os documentos que recebia. Mas a preocupação de uma das

profissionais era mais pela segurança da criança do que a qualquer outra ameaça:

“... então é um pai bem complicado. É uma linha de psicopatia mesmo que a gente está vendo como é que intervém nessa questão dele tá com essa criança, que é o próprio filho dele. A gente percebe que é um joguete de pai e mãe, um querendo destruir o outro. É, a gente sabe que psicopata, nem todo psicopata é assassino, mas eu temo pela preservação desse menino. Como é que fica isso aí, é dele surtar e ver que não tem mesmo mais chances e acabar mesmo com a vida do menino” (E6ps).

Outro caso envolvendo pais separados também resultou em um episódio complicado para as profissionais do CERCA. De novo, a figura de um ex-marido transtornado que pretendia manipular o atendimento da criança: “ele queria na verdade ter a guarda só para

ele e a mãe sem ter direito de visita. (...) e ele dizia que a mãe era negligente com a filha e a mãe não era negligente” (E3as). Nesse caso, os depoimentos da psicóloga e da assistente

social em audiência foram determinantes para que ele perdesse a guarda e só tivesse direito a visitas. Pois testemunharam que aquele homem mostrou uma vez no Centro fotos da genitália da sua filha – que levava na carteira e exibia a tudo mundo. Em retaliação, o referido homem denunciou as profissionais nos respectivos Conselhos de Psicologia e de Serviço Social por suposto favorecimento da causa da mãe em juízo.

Diante de casos “problemáticos” como estes, no geral, é observada maior coesão das equipes profissionais do CERCA, que procuram coletivamente encontrar a melhor saída: “A

gente sempre senta, conversa sobre os casos (...). A gente sempre se reúne quando há um abacaxi desses, para ver como a gente pode dar melhor encaminhamento para isso (...)”

Nesse sentido, em muitos dos casos conflitivos com familiares que foram relatados percebe-se que as estratégias de resolução passam pela articulação intersetorial com o sistema de Justiça criminal: “e a gente está vendo aí: Justiça, Ministério Público também já veio para

cá, a gente já conversou sobre esse caso, né. E vê como é que agente resolve isso aí” (E6ps).

Normalmente, quando são diagnosticados transtornos mentais no familiar problemático procura-se também dar um encaminhamento psiquiátrico (ao CAPS ou a especialistas em psiquiatria na rede de saúde).

Em certos casos de conflito conjugal, a estratégia tem sido limitar o atendimento apenas a um dos cônjuges (por uma questão de ética) e encaminhar o outro para um psicólogo na rede. Isso permite que o profissional não fique no meio “administrando brigas” e possa prosseguir o seu atendimento (E2ps). O sucesso do encaminhamento a outros setores vai depender bastante da habilidade pessoal da psicóloga, bem como da sua capacidade em “dar

um chega” no parente, convidando-lhe a não procurar mais atendimento no Centro (E2ps,

E6ps).

É digno de nota que alguns profissionais relataram casos em que enfrentaram alguns familiares um tanto agressivos (E6ps, E10as). Uma psicóloga do Sentinela/Recife lembrou de uma experiência negativa com uma familiar (mãe) envolvida em violência física:

Então assim o atendimento com essa mãe era muito preocupante, porque ela vinha muito agressiva para cima de mim. Ela vinha com aquela.... aquela postura, não porque meus filhos, porque meus filhos, porque tem que bater para educar, tem que bater, ninguém me obedece, ninguém me obedece.

(...)

Realmente ela queria me afrontar. Ela dizia que o que estava acontecendo era mentira, porque eu disse pra ela que eu tinha observado hematomas no filho dela e queria entender o que estava acontecendo. Ela inventou mil mentiras e não disse o que estava acontecendo, eu digo “- oh! o teu filho me permitiu falar certas coisas para você, né. E o que ele me pediu também para falar para você, para que você parasse de espancá-lo”. A palavra que ele usou foi

espancar, e aí ela recuou, né? Porque a gente também tem que ter muito cuidado, né. É, a gente tem que ter muito cuidado com essa demanda que a gente atende, né? (E6ps) [o grifo é nosso].

No entanto, outras situações, que afortunadamente não tiveram nenhum desfecho trágico, mostram a proximidade com que estes profissionais lidam com pessoas perigosas. Uma psicóloga lembra do caso de um pai que havia assassinado a esposa. E que o pessoal do CERCA tinha conhecimento, mas ele contava que ela morreu por acidente.

Então a gente ficou com medo, assim. Como é que a gente vai trabalhar esse pai, não é? De repente. Mas não chegou a fazer nada não. (...) Isso porque assim, amedrontou mais assim, de início, né. Mas depois a menina ficou vindo com a avó, ele não trouxe mais (E4ps).

Em outra ocasião, uma avó que comparecia armada também deixou de vir, fazendo com que os profissionais não se preocupassem mais:

Teve uma avó de uma menininha que a gente percebia (...) que essa avó vinha armada pra cá. Ela tinha delírios religiosos, tudo dela ela enfocava a questão da religião, né?.(...) a gente percebia que independente dela ser evangélica ou não tinha um conteúdo muito aflorado. (...) A gente percebia pela própria escuta, pela palavra dela mesmo. Pelo que.... ela trazia para a gente, não era... não batiam as coisas (E6ps).