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Novos ou velhos desafios para a Assessoria Técnica em processos tutelares cíveis? O RGPTC coloca alguns desafios à assessoria técnica, tanto no contexto da intervenção como

No documento Direito da Famlia Vria (páginas 158-160)

Maria Perquilhas

AUDIÇÃO TÉCNICA ESPECIALIZADA – A EXPERIÊNCIA DA ECJ AMADORA/LISBOA Vânia Silva ∗

D) Visita Domiciliária

8.5. Novos ou velhos desafios para a Assessoria Técnica em processos tutelares cíveis? O RGPTC coloca alguns desafios à assessoria técnica, tanto no contexto da intervenção como

ao nível da coordenação do trabalho da equipa. Questionamo-nos, porém, se estes desafios surgem com a entrada em vigor do RGPTC ou se são velhos desafios associados ao trabalho

técnico na área tutelar cível, que era já levado a cabo pelas equipas. A avaliação da origem do

conflito, das competências parentais e a promoção da disponibilidade das partes para o consenso já anteriormente orientava o trabalho técnico, pelo que o RGPTC parece vir consagrar e atualizar aquela que era já a prática vigente.

Os meritórios princípios estabelecidos no RGPTC são igualmente desafiantes.

A alínea a) do artigo 4.º institui o princípio da simplificação instrutória e oralidade. A respeito deste princípio, gostaríamos de referir que, em nosso entender, a transmissão dos resultados das avaliações técnicas via oral, levanta questões da interpretação da linguagem não-verbal e para-verbal, tornando a mensagem menos factual, e dando azo a contestações pelas partes relativamente a aspetos acrescidos, para além dos habituais, associados ao conteúdo da comunicação propriamente dito. O(a) técnico(a) terá que organizar as suas informações e recorrer às mesmas em audiência, pelo que poderemos não verificar uma efetiva simplificação instrutória, sendo evidente que existirá inclusive duplicação do trabalho se à assessoria técnica for solicitado relatório social bem como a transmissão do parecer em audiência. Sabemos que outras equipas funcionam em pleno equilíbrio com o princípio da oralidade nos tribunais aos quais maioritariamente dão resposta, mas no que nos diz respeito, temos um caminho a construir em conjunto com os juízos dos tribunais que mais assessoramos, para que eventualmente tal venha a ser viável e verdadeiramente eficiente. Ainda a este respeito, a ECJ Amadora/Lisboa considera que o envio de informações

intercalares só será adequado, por exemplo, no decorrer do acompanhamento de um regime

de regulação das responsabilidades parentais e não em sede de ATE. No âmbito da solicitação de ATE, o envio de informações intercalares, que se reportam a momentos específicos, abre campo para a contestação pelas partes e poderá mesmo inviabilizar o sucesso do produto final. As informações intercalares no âmbito da ATE são de natureza particular, apenas associadas a pedidos específicos por parte do(a) juiz(a).

A ATE apresenta-se como metodologia exclusiva da assessoria técnica, de suporte ao respeito pelo princípio da consensualização, um dos três princípios basilares do regime geral mencionados no artigo 4.º. Com a introdução da figura da ATE, pretende-se, tal como consta da proposta de Lei n.º 338/XII que deu origem ao RGPTC, “enriquecer e agilizar a instrução trazendo ao tribunal a avaliação diagnóstica das competências parentais, potenciando a

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disponibilidade das partes para o acordo de regulação das responsabilidades parentais que melhor salvaguarde o interesse da criança”.

Se a ATE ocorre independentemente da vontade das partes, o mesmo não se passa relativamente ao consenso. Pelo que constitui um desafio ao trabalho técnico em matéria de ATE o perfil típico das famílias do nosso universo de intervenção. Face à falta de acordo entre as partes em conferência e à rejeição de encaminhamento para mediação familiar, a solicitação de ATE traz à equipa a franja dos processos em que outras formas de gestão do litígio foram recusadas e/ou fracassaram.

A conflituosidade nestas famílias é visível através de indicadores que apelidaremos de externos (porque externos aos indivíduos), tais como: conflitos graves e de elevada durabilidade no tempo, sucessivos recursos judiciais, antecedentes de queixas criminais e fracasso de intervenções anteriores, crianças com sintomatologia associada ao litígio. A grave conflituosidade entre as partes tem impacto negativo no desempenho das competências parentais, em particular na dimensão da comunicação: visíveis pela ausência de contactos pessoais sendo a comunicação efetuada através de advogados ou registos escritos, desempenho unilateral das funções parentais sem articulação nem garante da continuidade das vivências das crianças.

Relativamente a características individuais e relacionais, as partes apresentam, com frequência, perturbações ao nível da saúde mental, impulsividade, recurso à hostilidade verbal e agressividade, perceção negativa e cristalizada relativamente ao outro progenitor, desejo de vingança face ao outro, em casos graves recorrendo para o efeito a formas de maltrato sobre os filhos (ex: falar constantemente, junto dos filhos, de forma depreciativa acerca do outro progenitor).

Neste ajuste de contas emocional, dificilmente existirá espaço ou condições para o consenso.

Perante a falta de consenso, parece-nos que a decisão provisória é efetivamente fundamental, inclusive para abrir o caminho para o futuro consenso. Nos casos em que a solicitação de ATE inclui uma decisão de regime de Regulação das Responsabilidades Parentais (RRP) provisório, notamos alguma contenção nas retaliações e na dinâmica do litígio, por vezes com pequenas cedências, e a interiorização pelas partes do poder coercivo do tribunal. Na situação contrária, verificamos que a ausência de um regime provisório tende a causar o caos e a agudização do conflito.

Perante o imperativo de tomar decisões mesmo em situações de litígio aberto, a avaliação das competências parentais é de extrema relevância. Ainda assim, nas situações de reiterado incumprimento, parece-nos que o artigo 40.º, n.ºs 6 e 7, abre a possibilidade de acompanhamento do regime provisório, que poderá ter maior eficácia que a ATE.

No que concerne ao conteúdo que internamente foi conferido a esta audição técnica, surge como verdadeiramente inovador a realização de um documento único que coloca em paralelo as posições das partes, clarificando as divergências e os pontos comuns. Com maior destaque surge agora a ponderação de realização de múltiplas entrevistas e ainda de entrevistas conjuntas, mesmo que as partes residam em áreas da competência territorial de equipas diferentes, e também o imperativo da articulação simultânea entre o(a)s dois técnico(a)s responsáveis pela avaliação das partes. O investimento necessário requer assim mais tempo, capacidade de coordenação entre equipas, uma gestão eficiente dos recursos humanos disponíveis, de modo a que todas as solicitações tenham o seu lugar, mas também que a

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equipa consiga ter espaços para intervisão sobre as mudanças em curso sem esquecer a sua identidade.

O desenvolvimento em curso do protocolo de intervenção tem permitido uma adaptação das equipas às especificidades das populações residentes nos referidos territórios, bem como tentar cada vez mais corresponder às expectativas dos tribunais com que trabalhamos. Como já referimos, a nossa ECJ, em particular, apoia maioritariamente o Tribunal de Comarca Lisboa – Juízo de Família e Menores de Lisboa, e o Tribunal de Comarca de Lisboa Oeste – Juízo de Família e Menores da Amadora, nas providências tutelares cíveis, pelo que nos é permitido verificar na prática a necessidade de adaptar as metodologias usadas em sede de ATE.

No documento Direito da Famlia Vria (páginas 158-160)