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Seguidamente e reconhecida a existência de discernimento suficiente,

No documento Direito da Famlia Vria (páginas 130-135)

Maria Perquilhas

O ACOMPANHAMENTO TÉCNICO NO “NOVO” REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL 1 Lucília Gago ∗

2. Seguidamente e reconhecida a existência de discernimento suficiente,

• Será SEMPRE a criança ouvida sobre as decisões que lhe respeitem, para o que e antes de mais, lhe deverão ser facultadas as informações relevantes sobre a

matéria em discussão e sobre as possíveis consequências de se agir em conformidade com a opinião que emita e ainda sobre as possíveis consequências de qualquer decisão;

• Tal audição pode ter lugar em diligência judicial especialmente agendada para o

efeito, conforme prescrito no n.º 2, do artigo 5.º, do RGPTC;

• Preferencialmente terá a audição lugar com o apoio da assessoria técnica ao tribunal – artigo 4.º, n.º 1, alínea c), do RGPTC;

• Em todo o caso e SEMPRE, deve a criança “ser assistida no decurso de ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito – artigo 5.º, n.º 7, alínea a), do RGPTC – sendo de considerar que tal designação cabe ao magistrado judicial (ainda que possa ter na base a indicação feita pela respectiva equipa técnica multidisciplinar);

• É-lhe também garantida, salvo recusa fundamentada do juiz, a faculdade de acompanhamento por adulto da sua escolha – artigo 4.º, n.º 1, alínea c), do RGPTC.

Mas alguns pontos de mais difícil resposta subsistem por apreciar.

Vejamos o primeiro.

Estabelece o n.º 2 do artigo 5.º, do RGPTC que:

“(…) O juiz

promove

a audição da criança, a qual poderá ter lugar em diligência judicial

especialmente agendada para o efeito”,

estatuindo a alínea b) do n.º7, do artigo 5.º, do RGPTC que a

“inquirição é

feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados

formular perguntas adicionais”.

Que concluir então?

15 Note-se que a maior dificuldade que, em geral, se fará sentir se reporta a crianças em baixa faixa etária, sendo

que nesses casos o recurso à assessoria técnica se colocará com especial acuidade, face à maior dificuldade na avaliação relativa ao “discernimento suficiente”.

DIREITO DA FAMÍLIA - VÁRIA 7.O acompanhamento técnico no “novo” regime geral do processo tutelar cível

Afigura-se-nos que a interpretação mais consentânea com os interesses em presença, mormente o de assegurar que a diligência de audição decorra de forma a garantir efectivamente à criança o menor constrangimento e a maior espontaneidade e sinceridade das respostas dadas, será a que conclui caber ao magistrado judicial presidir à diligência, disciplinando o seu desenvolvimento normal e assegurando a legalidade do acto, sem que a lei

lhe imponha o dever de ser ele próprio, magistrado, a colocar directamente à criança as questões – conforme induziria uma primeira leitura do comando legal contido na citada alínea

b),do n.º 7, do artigo 5.º acima mencionada (note-se, em abono desta tese e para além do mais, que a alusão constante do n.º 2 do artigo 5.º a que o juiz “promove” a audição, concede margem ao juiz para não ser ele próprio a colocar as questões).

É que o legislador, atenta a especial sensibilidade da matéria, foi particularmente exigente neste domínio e estabeleceu a obrigatoriedade de a criança “ser assistida no decurso de ato

processual por um técnico especialmente habilitado para o seu

acompanhamento, previamente designado para o efeito – artigo 5.º, n.º 7, alínea a), do RGPTC –, razão pela qual não conseguimos enxergar a necessidade legalmente imposta de uma tal presença sem que à mesma não corresponda um trabalho substancial de intermediação da comunicação a estabelecer entre a criança e o conjunto de intervenientes no acto processual em causa, mediante a utilização do saber técnico que a especificidade do acto exige e que o técnico domina, o que determinou e impôs a consagração legal da obrigatoriedade da sua presença, assistindo a criança, ou seja, proporcionando-lhe as condições técnicas a um depoimento sereno, isento e, antes de mais, conduzido de forma que só o absoluto domínio do saber técnico associado permite ter.

Assinale-se que interpretação distinta – que não confira à assistência por técnico especialmente habilitado o recorte de uma intervenção efectiva e substancial nos sobreditos termos - traduz-se, muito concretamente, em reconduzir tal intervenção a uma mera presença física, esvaziada de sentido útil, perante a inevitabilidade, num tal entendimento, de ser o juiz quem formula as questões – que ele próprio julgue pertinente colocar, ou aquelas que lhe forem sugeridas pelos advogados que estejam presentes ou pelo Ministério Público –, ainda que não dominando, na esmagadora maioria das vezes, qualquer técnica adequada e específica com as inevitáveis consequências perversas associadas.

Nesse sentido, reiteramos o entendimento expresso no sentido de o magistrado judicial

dever incumbir o “técnico especialmente habilitado” de colocar à criança as questões que

ele, magistrado, julgue necessárias e pertinentes à boa decisão da causa, de acordo com a sequência que por esse técnico for considerada mais consentânea com o superior interesse

daquela e com o objectivo de alcançar a genuinidade do respectivo depoimento, o mesmo

sucedendo com as questões adicionais que porventura vierem a ser formuladas, nos termos da última parte da alínea b) do n.º 7 do artigo 5.º do RGPTC, pelo Ministério Público (cuja presença é obrigatória, nos termos do artigo 17.º, n.º 3 do RGPTC) ou por algum mandatário, caso se encontre presente.

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Neste conspecto, é de referir, a propósito, que a presença de advogado(s) na diligência de audição não reveste carácter obrigatório16, antes devendo ser casuisticamente apreciada a sua admissão, sempre sem perder de vista, mais uma vez, a salvaguarda do superior interesse da criança e a circunstância de lhe deverem ser assegurados o ambiente e as condições adequadas a manifestar a sua opinião livre de quaisquer constrangimentos.

Em qualquer caso, assinale-se que deverá ser assegurado o contraditório – cfr. artigo 25.º do RGPTC.

Refira-se que o legislador, ao tomar esta opção, foi, uma vez mais, sensível à consideração devida ao interesse em assegurar a espontaneidade das declarações e a liberdade da narrativa, para o que se mostra essencial que a sua produção ocorra em ambiente não hostil, mas antes informal e de proximidade, com a presença de reduzido número de pessoas.

Certamente que salas especificamente concebidas e preparadas para este específico fim deveriam encontrar-se equipadas de vidro de visualização unidireccional, assim se materializando adequadamente o que vem regulado nos artigos 5.º, n.ºs 4, alínea a) e 7, e 7.º, alíneas a) e b), ambos do RGPTC.

Efectivamente e na certeza de que a audição da criança se deve estruturar e orientar por técnica de abordagem da pessoa da criança e do tema em discussão, de modo apto a dela obter um depoimento livre, espontâneo e genuíno, não será, de acordo com a melhor interpretação do regime legal, de atribuir à presença, apoio e acompanhamento técnico legalmente previstos outro sentido senão o de garantir as efectivas condições amigáveis para a criança, aquando da realização da correspondente diligência, assim assegurando uma prática judiciária consentânea com os princípios disciplinadores da matéria, arredando em definitivo os perigos que estiveram na génese da previsão legal e que esta inequivocamente pretendeu afastar.

Enfatize-se, de resto, que o novo regime legal se rege pelo salutar objectivo de preservar o mais possível a criança dos malefícios decorrentes da erosão e desgaste provocados por sucessivos relatos dos mesmos factos ou expressão de opiniões a propósito dos mesmos temas, poupando-a à necessidade de efectuar relatos múltiplos, por vezes revendo situações que lhe são penosas ou mesmo traumatizantes (a que acresce a inevitável inexactidão associada a tal multiplicidade de relatos).

Com efeito, o RGPTC clarificou a possibilidade de, em momentos processuais posteriores, serem valoradas as declarações prestadas pela criança (à semelhança do regime das declarações para memória futura em processo penal – cfr. artigos 271.º e 294.º do Código de Processo Penal e artigo 24.º da Lei n.º 130/15, de 4 de Setembro), consagrando a possibilidade de produção antecipada de prova, com aplicação subsidiária das regras processuais cíveis, bem como o aproveitamento de declarações prestadas noutros processos, sempre com o salutar

16 Apenas reveste carácter obrigatório a constituição de advogado na fase de recurso (artigo 18.º, n.º 1 do RGPTC),

sendo também obrigatória a nomeação de advogado à criança quando sejam conflituantes os seus interesses e os dos pais, representante legal ou detentor da guarda de facto (artigo 18.º, n.º 2, do RGPTC) ou ainda quando a criança com maturidade adequada o solicite (artigo 18.º, n.º 2, do RGPTC).

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princípio acima enunciado de evitar a sujeição da criança a uma multiplicidade de diligências, evitando também o múltiplo contacto e abordagem por diversos operadores judiciários e o inerente desgaste daí resultante para a criança e o prejuízo para a substância do depoimento – cfr. artigo 5.º, n.º 7, alíneas d), e) e g).

Segundo ponto:

O n.º 3 do artigo 35.º do RGPTC prevê expressamente, no âmbito da tramitação da providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, a

obrigatoriedade da audição da criança, com idade superior a 12 anos e, bem assim, de criança

de idade inferior, caso tenha grau de maturidade que lhe confira capacidade de

discernimento dos assuntos em discussão, observando-se o que dispõe a al. c) do artigoº 4.º e

o artigoº 5.º, normas que especificamente disciplinam a matéria referente à audição da criança.

Está prevista, porém, ao arrepio de toda a construção normativa vigente na matéria (desde logo, em função das convenções internacionais e outros instrumentos internacionais acima citados), aquilo que poderá apelidar-se de uma cláusula de salvaguarda que confere ao tribunal a faculdade de apreciar da eventual desadequação dessa audição, prevendo-se, no artigo 35.º, n.º 3, parte final do RGPTC, que a mesma não terá lugar, “se a defesa do superior

interesse da criança o desaconselhar”.

A propósito, é de assinalar que não existe qualquer referência ao momento em que deve ter lugar a audição da criança – se antes, após, durante a conferência de pais ou, pelo menos em certos casos, em diligência especialmente designada para o efeito, susceptibilidade esta que se encontra prevista no artigo 5.º, n.º 2 do mesmo diploma.

Será, do nosso ponto de vista, uma opção a ser tomada casuisticamente pelo juiz, norteada sempre pelo superior interesse da criança, não enxergando nós o sentido e alcance do segmento normativo contido na parte final do n.º 3 do citado artigo 35.º, na certeza de que, como enfatizámos acima mais detalhadamente, a audição da criança é inarredavelmente, na arquitectura do sistema, uma diligência de realização vinculada, desde que a mesma tenha discernimento suficiente, em razão da sua faixa etária e grau de maturidade, pelo que não vemos que a consagração da excepção a que alude o artigo 35.º, n.º 3, parte final do RGPTC possa concretizar-se sem que se verifique violação de princípios estruturantes em matéria de Direito da Família e das Crianças.

Daí que sejamos levados a concluir no sentido do esvaziamento da correspondente previsão legal pela priorização que deve ser dada àqueles.

Terceiro ponto:

Por força da regra de competência por conexão consagrada no artigo 11.º do RGPTC, os processos instaurados separadamente relativamente à mesma criança, independentemente da sua natureza (tutelar cível, promoção e protecção – incluindo os processos perante as CPCJ – ou tutelar educativo) devem correr por apenso, independentemente do respectivo estado,

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sendo competente para conhecer de todos eles o juiz do processo instaurado em primeiro

lugar (n.º 1).

Ficam excepcionadas desse regime de imposição da apensação de processos as providências tutelares cíveis de averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade, as providências da competência das conservatórias de registo civil e as que respeitem a mais do que uma criança, nos termos do n.º 2 do referido artigo 11.º do RGPTC, sendo certo, por seu turno, que os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais, quando estiver pendente acção de divórcio ou de separação judicial, correm por apenso a estes processos (n.º 3).

A mencionada regra da competência por conexão inscrita no artigo 11.º do RGPTC prossegue o salutar objectivo, a que alude o artigo 27.º, n.º 1, do mesmo diploma, da harmonização e compatibilização das decisões proferidas relativamente a determinada criança ou jovem (ainda que esta última norma aluda apenas a decisões que apliquem medidas tutelares cíveis e de promoção e protecção, não fazendo alusão a medidas tutelares educativas, como seria mais adequado, do nosso ponto de vista).

Certo é que, pese embora a formulação legal sublinhe a imperatividade da apensação, repetindo a expressão “independentemente do respectivo estado” em dois segmentos do mesmo preceito legal (artigo 81.º, n.ºs 1 e 4, da LPCJP) e no citado artigo 11.º do RGPTC, as opiniões divergem relativamente ao sentido que deverá atribuir-se ao vocábulo “estado”, sustentando uns que tal expressão é equiparável a “fase” processual e ripostando outros que só se conhece, relativamente a processos, o “estado” de pendente ou findo, pelo que, tendo o legislador utilizado tal nomenclatura (acolhendo a posição sustentada no parecer da Procuradoria-Geral da República e seguido também pelo Conselho Superior da Magistratura, na sequência de convite da Assembleia da República no âmbito do respectivo processo legislativo), teve o inequívoco propósito de serem abrangidos pela conexão processual e pela obrigatoriedade de apensação todos os processos referentes a determinada criança ou jovem, ainda que findos.

Em abono desta tese, invocam o elemento literal dos mencionados preceitos, a par com a constatação de ser esse o único entendimento que confere ao decisor uma visão global do

histórico de determinada criança ou jovem, proporcionando um conhecimento completo e

abrangente da situação actual e passada e dos resultados alcançados mediante as intervenções anteriores havidas, em função das decisões proferidas e das medidas executadas. Adiantam ainda que apenas uma tal consideração é verdadeiramente propiciadora de um

diagnóstico fino, global e panorâmico, criando as condições aptas a uma tomada de decisão mais compaginável com as suas necessidades e o seu superior interesse, com economia de meios (no que avulta o conhecimento já adquirido e consolidado em anteriores relatórios),

não fazendo depender a recolha de tais elementos (por vezes, preciosos mas não imediatamente acessíveis) do critério do decisor e da sua idiossincrasia, mais ou menos recolectora, e reduzindo, como é desejável, à mínima expressão a dimensão dos conflitos de competência e dos recursos focados neste tema.

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Assinale-se que, antes de 2015, se vinha já assistindo à formação de uma corrente jurisprudencial que vinha admitindo a apensação a processos findos – cfr., a título meramente

exemplificativo, os

ACRG de 13.01.2011 (P.3357/10.1TBVCT-A.G1, Rel.: – Canelas Brás) 06.10.2011 (P.1138/09.4TBGMR-B.G1, Rel.: – Manuel Bargado), e de 31.01.2013 (P.3281/12.3TBGMR-B.G1, Rel.: – Maria Luísa Ramos), todos disponíveis em www.dgsi.pt. Aderindo a este entendimento, são já conhecidas decisões proferidas, no domínio da legislação vigente, em recursos apreciados, sublinhando não estabelecer o legislador qualquer distinção que permita excluir os processos findos, pelo que não caberá ao intérprete fazê-lo – cfr. ACRE de 08.03.2018 e de 16.06.2016 de que foram relatores, respectivamente, Maria da Graça Araújo e Conceição Ferreira, nos processos 3343/17.0T8STR-A.E1 e 390/10.7TBCCH- D.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Acresce referir, por outro lado, que outro argumento ponderoso poderá acrescer aos demais: o de que a hipotética verificação de resultados pouco desejáveis na aplicação da regra de apensação de processos, naqueles casos em que haja sido proferida uma decisão em momento temporal muito recuado relativamente ao momento da instauração do segundo processo (aquele, por exemplo, uma providência de regulação do exercício das responsabilidades parentais há muito arquivada, vivendo actualmente a criança em localidade afastada centenas de quilómetros do tribunal onde tal decisão foi proferida), não parece constituir fundamento invocável para afastar as regras de interpretação da lei.

Atente-se, em matéria de interpretação da lei, no que vem estipulado no artigo 9.º do Código Civil:

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