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2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA DA INSTITUIÇÃO

2.1.1 A Universidade como Instituição Social

2.1.1.1 Desafios e mudanças

Ao lado dos entraves da legislação e da burocracia da administração pública, bem como da concepção da sua função social na atualidade, a instituição universitária no Brasil, administrada pelo setor público, segundo Boaventura Souza Santos (2005), vem enfrentando uma crise institucional, a qual teve maior impacto a partir do meado da década de noventa. Esta crise corresponde à dimensão mais fraca da instituição, tendo em vista a “autonomia científica e pedagógica da universidade” estar atrelada à dependência financeira do Estado. Cunha (1999) ressalta que, no período de 1985/1990, os orçamentos das universidades, em especial as mantidas pela esfera federal, passaram a ser elaborados, obedecendo a critérios rígidos de detalhamento e especificação da despesa; por outro lado, é transferida para o Ministério da Educação, em Brasília a responsabilidade de efetivar o pagamento da folha de pessoal e controlar o quantitativo de docentes e do pessoal técnico-administrativo por instituição, fatores que dificultam o desenvolvimento das ações dinâmicas nas áreas de ensino, pesquisa e extensão.

Enquanto a educação superior e a universidade eram consideradas como bens públicos e o desenvolvimento de suas ações era assegurado com recursos do Estado, a mencionada dependência não consistia em um problema. Contudo, com a decisão de “reduzir o seu compromisso político com as universidades”, houve também um contingenciamento de dotação universitária para a manutenção e uma redução de recursos nos investimentos. Assim, pode-se inferir que, nos últimos trinta anos, a crise institucional da universidade “foi provocada ou induzida pela perda de prioridade do bem público universitário nas políticas

públicas e pela conseqüente secagem financeira e descapitalização das universidades públicas.” (SANTOS, 2005).

Para o autor citado, o que se observa a seguir é a “mercadorização da universidade” no âmbito nacional, acenando-se, em seguida, uma “solução global dos problemas da educação por parte do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio.” Todos os esforços consistiriam em incentivar a educação superior do setor público a gerar receitas próprias através de parcerias com a própria iniciativa privada, visando superar a crise financeira. Desta maneira, a autonomia e sua finalidade estariam preservadas.

Citando alguns exemplos de Boaventura Souza Santos (2005), na Europa, com exceção da Inglaterra, onde a maioria do sistema universitário está sob a responsabilidade do setor público, esta universidade tem conseguido gerar receitas próprias pelo mercado. Atente-se que, ao longo da década de noventa, surgiu um setor privado não-universitário dirigido para o mercado de trabalho em quase todos os países europeus, o que exigiu que as universidades promovessem alterações em seus programas. Quanto aos Estados Unidos, as universidades pertencentes à administração pública foram incentivadas a buscar fontes alternativas de financiamento junto a fundações, no próprio mercado e por meio do aumento dos preços das contribuições dos alunos (tuitions).

O exemplo encontrado nos Estados Unidos observa-se também no Brasil, onde começam a aparecer várias fundações de direito privado, as quais estabelecem parcerias com as universidades do setor público para captar recursos e dar maior agilidade na prestação dos serviços, eliminando o engessamento administrativo ao qual estão subordinadas estas instituições. Por outro lado, o autor refere-se ao teor do Relatório do Banco Mundial 2002, no qual há registro de que não se deve aumentar a alocação de recursos públicos para a universidade, apresentando como solução a ampliação do mercado universitário, combinada com a redução dos custos por estudante e a eliminação da gratuidade do ensino público, situação já adotada também em Portugal.

Há também uma segunda opção, a qual tem como premissa a eliminação gradual da distinção de universidade pertencente à administração pública e universidade da iniciativa privada, por meio da criação de uma instituição caracterizada como empresa, que não produz somente o que o mercado deseja, “mas que se produz a si mesma como mercado de gestão universitária,

de planos de estudo, de certificação, de formação de docentes, de avaliação de docentes e estudantes.” Santos (2005) ressalta que, caso a segunda opção seja efetivamente implantada, há que se observar o que será concebido como o bem público universidade.

Além da descapitalização da universidade administrada pelo setor público, Boaventura Souza Santos (2005) também lembra a incidência da “transnacionalização do mercado universitário”, conforme prevê o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS), a partir de 2000, sob a orientação da Organização Mundial do Comércio, tendo em vista ser a educação um dos doze serviços abrangidos pelo referido acordo, o qual tem como objetivo facilitar as transações comerciais de serviços entre as nações, mediante a diminuição das barreiras nacionais existentes nesta área.

O acordo tem como fundamento o forte incremento do mercado educacional nos últimos anos, porém freado por conta das barreiras nacionais, tais como, a demanda por mão-de-obra qualificada e não atendida na mesma proporção; a incorporação dos meios eletrônicos no processo ensino-aprendizagem; o aumento do quantitativo de intercâmbio de docentes, estudantes e programas entre as universidades; e, ainda, a incapacidade da administração pública em financiar novos investimentos necessários à educação superior a fim de acolher a crescente procura.

A “transnacionalização” pode ser efetivada de quatro maneiras, quais sejam:

• oferta transfronteiriça, através da educação a distância, aprendizagem on line ou universidades virtuais, que não exigem a movimentação física de estudantes e professores;

• consumo no estrangeiro, situação em que o estudante desenvolve os seus estudos em outro país;

• presença comercial, que consiste na instalação de filiais ou de franquias de universidades da iniciativa privada em outros países; e,

• presença de pessoas, correspondendo ao deslocamento temporário de professores ou pesquisadores para outros países com o objetivo de oferecer serviços.

A participação dos países no mencionado acordo, o GATS, é voluntária; contudo, o autor chama atenção que, ao celebrar acordos de caráter estrutural junto ao Banco Mundial e ao FMI, os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos estão sujeitos aos pacotes como um todo, inclusive na área de educação. Com isso, obrigam-se a adotar as medidas necessárias para a implementação da transnacionalização da educação.

Em conseqüência, pode-se observar que, ao garantir e liberar o acesso ao mercado universitário em condições de igualdade a investidores nacionais e estrangeiros, os países estarão colocando a educação superior sujeita, também, aos procedimentos adotados pelo país investidor e, desta forma, poderá perder a característica de bem público do país de origem. Observa-se que a relação da universidade e sociedade sofreu alterações significativas na última década, segundo comenta Santos (2005), por influência da relação entre o conhecimento e a sociedade. A autonomia acadêmica da universidade permitiu, durante muito tempo, que o processo de produção do conhecimento, muitas vezes, acontecesse de forma descontextualizada da vivência na sociedade, sendo desenvolvidas as pesquisas nas quais o professor ou pesquisador tivesse interesse, sem considerar a relevância social ou se o resultado seria aplicado ou não, constituindo-se, de certa maneira, uma “irresponsabilidade social do pesquisador”.

Surge, então, o conhecimento pluriuniversitário, caracterizado pela produção a partir da sua utilização no contexto social, fora dos muros da universidade, estabelecendo-se o que o autor citado denomina de parceria entre pesquisadores e utilizadores, posto que a formulação dos problemas que se pretende resolver e a determinação dos critérios da relevância são realizadas em conjunto, concebendo-se, para aquele autor uma relação “nova e mais intensa com a ciência e tecnologia e que, por isso, exige uma maior participação na sua produção e na avaliação dos seus impactos.” O conhecimento passa a ser transdisciplinar, contextualizado, interativo, produzido, distribuído e consumido, observando-se as novas tecnologias de comunicação e informação, bem como a formação e a cidadania do indivíduo.

As instituições de ensino superior, sejam administradas pelo setor público ou pela iniciativa privada, sofreram os efeitos e estão ainda em processo de adaptação às mudanças implementadas a partir da promulgação da Lei n. 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – que reordenou o processo de credenciamento e recredenciamento,

reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos e programas de pós-graduação, observando os novos padrões de qualidade.

Além dos efeitos da legislação, tendo em vista a natureza de sua atuação, a universidade também enfrenta a influência de “quatro grandes revoluções”, assim denominadas por Oliver (1999) citado por Paulo Antonio Gomes Cardim (2004), quais sejam:

• Revolução Tecnológica, trazendo inovações na telecomunicação, microeletrônica, computação; robótica e biotecnologia; desenho de novos materiais, refletindo em mudanças no funcionamento de instituições e organizações.

• Revolução da Globalização, proporcionando a integração mundial, principalmente na economia, finanças e comunicação.

• Revolução de Gestão, priorizando a qualidade e produtividade, a gestão democrática, participativa, implementação de redes e incentivo à celebração de parcerias e alianças. • Revolução de Valores, enfatizando a ética, o respeito, a qualidade de vida, proteção ao

meio ambiente, responsabilidade e volta à essência humana.

Enfatize-se que os aspectos pontuados demandam pessoas capacitadas para a gestão, tanto em relação ao conhecimento quanto à visão de futuro, promovendo as adaptações necessárias.

Em decorrência dessas mudanças, a instituição universitária, como forma de adaptar-se ao novo contexto foi obrigada a promover alterações em sua estrutura organizacional e nas instalações físicas com ampliações de laboratórios, bibliotecas, salas de aula e centros de convivência. Concomitantemente, o investimento em reformas, construções e aquisições de acervo e equipamentos, na titulação e capacitação do corpo docente e do pessoal técnico- administrativo, deve resultar no atendimento aos padrões de qualidade exigidos pela legislação e, conseqüentemente, pela sociedade, com a preocupação em formar o cidadão para enfrentar os desafios com capacidade de pensar, agir, escolher, selecionar e não simplesmente “formar para empregos”.