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Capítulo 2. (Sobre)viver da escrita

2.1. Desafios e oportunidades para os homens de letras

Ducloux, um antigo amigo da família, informando-lhe sobre sua nova atividade ao lado de Salvandy: “Ando excessivamente ocupado, pois, por 1.800 fr. anuais, forneço diariamente ao Courrier Français notícias mais ou menos interessantes que retiro dos jornais estrangeiros”.213 Seus primeiros passos na imprensa foram dados, portanto, no papel de

tradutor. Procurando expandir sua participação para outros jornais e revistas, ainda durante a década de 1820, publicou mais cinco traduções: para o Nouvelles Annales de la

géographie et de l’histoire, escolheu algumas passagens sobre as províncias do Grão-Pará,

Solimões e Mato Grosso, extraídas da Corografia brazilica ou relação historico e

geografica do reino do Brazil (1817), de Aires de Casal; para o Journal des Voyages, découvertes, et navegations modernes, a já mencionada Carta de Pero Vaz de Caminha,

bem como o relato de viagem do capitão Constant Gautier; e para o keepsake214 La Psyché:

choix de pièces en prose et en vers, um poema de Luís Vaz de Camões, ao qual deu o título

de “Fragment de Camöens”.

Depois de ter investido durante quase dez anos exclusivamente em traduções, ele enfim começou a abastecer os impressos franceses com textos de sua autoria, lançando, nas duas décadas seguintes, mais de uma centena de artigos em 20 periódicos diferentes (ver Anexo 1.1). Na lista desses últimos, havia desde aqueles que traziam críticas literárias, trechos de romances e, às vezes, notícias político-econômicas (como Le cabinet de lecture,

La France littéraire, Revue étrangère de littérature, L’Europe littéraire, Revue des Deux Mondes e Revue de Paris); aqueles de cunho essencialmente político, cujos rodapés eram

destinados aos folhetins (como Le Constitutionnel, que acolheu, entre outros, Le Juif

Errant, de Eugène Sue, e La cousine Bette, de Balzac); aqueles organizados por sociedades

de eruditos (como Journal Asiatique e Revue de l’Orient: bulletin de la société orientale, fundado por Alphonse Denis e Abel Hugo, irmão de Victor Hugo); além de revistas ilustradas, que veiculavam pranchas de modas, artigos sobre a vida doméstica e textos em prosa ficcional de conteúdo moralizador (como Le Magasin Pittoresque, Journal des

213 No original: “Je suis maintenant excessivement occupé, c’est-à-dire que pour 1800 fr. par an je donne tous

les jours au Courrier Français des nouvelles plus ou moins intéressantes que j’extrais des journaux étrangers”. Cf. MOREAU, 1932, p. 152.

214 O nome keepsake se refere a coletâneas de miscelâneas literárias, geralmente ilustradas e de pequeno

formato, publicadas no final de ano para serem utilizadas como presente de Natal e de Ano-Novo. Cf. SAUVY, Anne. Une littérature pour les femmes. In: CHARTIER, MARTIN, Op. cit., v. 3, p. 507.

demoiselles, Gazettes des enfants et des jeunes personnes e Musée des familles: lectures du soir).

Gráfico 1: artigos publicados por Ferdinand Denis na imprensa periódica francesa (décadas de 1820, 1830 e 1840)

Algumas dessas publicações se destinavam a leitores com certo nível de instrução, que pretendiam ampliar seus conhecimentos sobre temas específicos, como geografia, economia e política – daí a presença maciça de artigos de especialistas ou de autores renomados. Outras, consagradas ao sexo feminino, aos jovens ou a indivíduos com menos anos de estudo, recheavam suas páginas com textos amenos, sobretudo narrativas ficcionais. Elas se distinguiam também quanto à periodicidade e ao preço de compra: a

Gazette des enfants, por exemplo, aparecia às quintas-feiras e aos domingos, custando para

os habitantes de Paris 7 fr. semestrais ou 12 fr. anuais, enquanto o diário Le

Constitutionnel, lido principalmente pela elite, não saía por menos de 80 fr. por ano.

Denis se preocupou em adaptar o conteúdo dos textos que assinava. Dessa forma, nos periódicos literários, colaborou, acima de tudo, com traduções de narrativas luso- espanholas e análises de obras de viajantes;215 nos de especialistas, com estudos que pretendiam comprovar sua grande erudição216 e, nos dedicados a um público mais amplo, predominantemente com textos ficcionais instrutivos e moralizadores, alguns até mesmo inspirados em histórias verídicas.217

Segundo os dados recolhidos por Mona Huerta, três tipos de publicações francesas veicularam artigos sobre as Américas durante o século XIX: as originárias de órgãos oficiais responsáveis pelo financiamento de expedições (como Les Annales,

archives ou mémoires du Muséum d’histoire naturelle e Les Comptes rendus hebdomadaires des séances de l’Académie des sciences), as de sociedades científicas

(como Bulletin de la Société, Revue d’ethnographie e Journal de la Société des

américanistes), e, por fim, as de grande difusão (como Les Annales des voyages, de la géographie et de l’histoire, Le Globe e Revue des Deux Mondes). O Brasil foi um assunto

recorrente em todas, mas se destacou nas de terceiro tipo, notadamente durante os períodos de instabilidade política e de tensão com a Inglaterra.218 Apenas a Revue des Deux Mondes

acolheu 40 artigos sobre a jovem nação brasileira,219 a exemplo de “Voyage dans

l’intérieur du Brésil”,220 escrito por Denis acerca da obra homônima, lançada pelo botânico

e naturalista francês Auguste Sainte-Hilaire, relatando sua expedição científica ao território brasileiro entre os anos de 1816 e 1822.

Denis aproveitou o ensejo para tecer comentários sobre os costumes dos autóctones, as belezas da paisagem e a exuberância da natureza brasileira. Ao mesmo tempo, listou as potencialidades da indústria nacional, defendeu a necessidade de se

215 Como “La mort du roi Sébastien, suivi de des malheurs de la belle Virginie, chronique portugaise du

seizième siècle”, “Voyages dans l’intérieur du Brésil, par M. A. de Saint-Hilaire”, “Nos vieux voyageurs français – le père de Tertre” e “Vieux voyageurs français – Yves d’Évreux”.

216 A exemplo de “Inde au XVIe. siècle. Les conquérants portugais Almeida et Albuquerque” (1846) e “Des

manuscrits à miniatures de l’Orient et des Voyages à figures, considérés dans leurs rapports avec la peinture moderne”.

217 Como “La jeune brahmine”, “Naufrages et captivité de mademoiselle de Bourke parmi les Kabailes” e

“Une femme dans un désert, relation historique du voyage et des aventures de madame Godin des Odonais”.

218 Cf. HUERTA, Mona. Le voyage aux Amériques et les revues savantes françaises au XIXe. siècle. In:

BERTRAND, Michel; VIDAL, Laurent (dir.). À la redécouverte des Amériques: les voyages européens au XIXe. siècle. Collection Tempus. Toulouse: Presses universitaires de toulouse le Mirail, 2002. p. 73-93.

219 DANTAS, Luiz. La présence et l’image du Brésil dans la Revue des Deux Mondes au XIXe. siècle. In:

PARVAUX, Solange; REVEL-MOUROUZ, Jean. Images réciproques du Brésil et de la France. Collection Travaux et mémoires. Paris: IHEAL, 1991. p. 131-138.

220 DENIS, Ferdinand. Voyage dans l’Intérieur du Brésil. Revue des Deux Mondes, Paris, t. II, 1831, p. 149-

civilizar os nativos ainda em estado de barbárie e argumentou quanto à importância do cultivo sistemático da terra como forma de remediar o atraso econômico sulamericano. Em linhas gerais, esse seria o tom dos três outros artigos a respeito do Brasil escritos por ele para os jornais e revistas franceses durante a primeira metade do século XIX: “Vieux voyageurs français – Yves d’Évreux”, que apareceu na Revue de Paris, “Guerre contre les indiens dans le forêt du Brésil”, publicado pelo Le Constitutionnel, e “Moeurs du Brésil”, que ganhou as páginas do Le Magasin pittoresque.221 A única exceção parece ser “De la littérature en Portugal et au Brésil”, veiculado pelo L’Europe littéraire, que, como indica o próprio título, concentra-se na produção literária luso-brasileira. Os artigos veiculados na imprensa periódica pelo autor no período em questão objetivavam, portanto, reforçar o discurso tradicional presente nos relatos dos viajantes a respeito do Brasil e, simultaneamente, sugerir que a aproximação entre brasileiros e europeus seria benéfica para os dois lados – permitindo aos primeiros que se civilizassem e, aos segundos, que obtivessem vantagens comerciais com riquezas inexploradas e novos consumidores para seus produtos.222

Concomitantemente a essa intensa atividade na imprensa, Denis redigiu, organizou ou traduziu um total de 28 obras. Também colaborou em outras vinte, enviando prefácios, capítulos de livros, traduções e até mesmo verbetes (ver Anexos 1.2 e 1.3). Parte desse total diz respeito à literatura popular ou erudita, que parece ter sido um dos temas preferidos do francês nas três primeiras décadas de sua carreira como homem de letras. De fato, nesse período ele lançou quatro narrativas ficcionais que tinham o propósito de instruir, edificar e divertir os leitores,223 cinco ensaios sobre literaturas estrangeiras224 e

221 No período em questão, Denis publicou pelo menos oito artigos que trataram do Brasil direta ou

indiretamente. A lista compreende três traduções – “Lettre inédite de Pedro vas de Caminha sur la découverte du Brésil” (Journal des Voyages, découvertes, et navigations modernes); “Notices sur les capitaineries de Para et de Solimoens, au Brésil”, “Notices sur la province de Mato Grosso” (ambas no Nouvelles Annales de la géographie et de l’histoire, ou recueil des relations originales inédites); e cinco artigos de sua autoria – “Voyages dans l’intérieur du Brésil, par M. A. De Saint-Hilaire” (Revue des Deux Mondes); “Vieux voyageurs français – Yves d’Évreux” (Revue de Paris); “Guerre contre les indiens dans le forêt du Brésil” (Le Constitutionnel); “Mœurs du Brésil” (Le Magasin pittoresque); e “De la littérature en Portugal et au Brésil” (L’Europe littéraire).

222 CAMARGO, Katia Aily F. de. Uma leitura do Brasil: Ferdinand Denis. II Congresso da História do Livro

e da Leitura no Brasil, Cultura letrada no Brasil – objetos e práticas, Campinas, 2003. Anais do II Congresso da História do Livro e da Leitura no Brasil, v. 1, Campinas, s./p., 2003.

223 São elas André, le voyageur. Histoire d’un marin, Ismaël-ben-Kaïsar, ou la découverte du Nouveau-

Monde, Luiz de Souza, Le Brahme voyageur, ou la sagesse populaire de toutes les nations.

224 Résumé de l’histoire littéraire du Portugal, suivi du Résumé de l’histoire littéraire du Brésil, “Notice sur

le théâtre portugais”, “Atlas de la littérature portugaise”, “Atlas de la littérature espagnole” e “Essai sur la philosophie de Sancho Pança”.

duas biografias de autores célebres.225 Traduziu igualmente para o francês grandes nomes

da literatura lusófona, como Luís Vaz de Camões e António Ferreira (o primeiro para

Annales romantiques, recueil de morceaux choisis de littérature contemporaine e o

segundo, para Le Théâtre portugais), e organizou mais quatro obras (duas delas contendo relatos de viajantes europeus ao redor do mundo226 e as duas restantes com narrativas medievais227). Chama a atenção a ausência, nesse corpus, tanto de peças teatrais quanto de poesias, o que obviamente pode resultar de uma eventual inabilidade ou mesmo de um desinteresse de sua parte. Mas é possível que outros fatores tenham entrado em jogo: talvez Denis tenha sido desencorajado pela experiência negativa vivida por seu irmão com a comédia L’ami du mari, ou la bague (1822), escrita ao longo de vários meses e encenada, com pouco sucesso, nos palcos do Odéon.228 Talvez ainda os inúmeros obstáculos

enfrentados pelos poetas após a Revolução de 1830 – quando se assistiu à queda da impressão de coletâneas poéticas e, em contrapartida, ao aumento da marginalização social e da instabilidade econômica daqueles que se dedicavam ao gênero (o que contribuiu para a difusão do mito do poeta boêmio e maldito229) – tenham-no levado a optar por não

investir em produções desse tipo, preferindo as que lhe pareciam mais vantajosas do ponto de vista simbólico ou financeiro. Outros tópicos recorrentes em sua produção bibliográfica durante o período aqui analisado foram a história e a geografia, sobretudo do Brasil230 e da América Latina,231 mas ainda da América do Norte,232 de Portugal233 e do território hoje conhecido como País Basco.234 A lista compreende, por fim, obras que refletem a

225 “Camöens et ses contemporains. Notice biographique et critique” e “Notice historique et biographique sur

maître Adam Billaut”.

226 São elas: Les navigateurs, ou choix des voyageurs anciens et modernes e Fondation de la régence

d’Alger: histoire des Barberousse, chronique arabe du XVIe siècle.

227 Chroniques chevaleresques de l’Espagne et du Portugal e Le monde enchanté, cosmographie et histoire

naturelle fantastique do Moyen-Âge.

228 Cf. MOREAU, 1932, p. 18.

229 Ver a esse respeito: VAILLANT, Alain. Modernidade poética e cultura midiática no século XIX.

Tradução de Douglas Ricardo Hermínio Reis. In: GRANJA, Lúcia; ANDRIES, Lise (org.). Literaturas e escritas da imprensa: Brasil/França, século XIX. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2015. p. 277-286.

230 Com publicações como Le Brésil, ou Histoire, mœurs, usages et coutumes des habitants de ce royame,

Notice historique et explicative du Panorama de Rio de Janeiro e Résumé de l’histoire géographique du Brésil, sobre as quais falaremos adiante.

231 Entre as quais destacamos Buenos-Ayres et le Paraguay, ou Histoire, mœurs, usages et coutumes des

habitants de cette partie de l’Amérique e Résumé de l’histoire de Buenos-Aires, du Paraguay et des provinces de la Plata, suivi du Résumé de l’histoire du Chili.

232 La Californie, l’Orégon et les possessions russes en Amérique, les îles Routka et de la reine Charlotte. 233 Le Portugal.

234 Como mostra o verbete redigido por ele a esse respeito para Encyclopédie catholique: répertoire universel

et raisonné des sciences, des lettres, des arts et des métiers. Cf. DENIS, Ferdinand. Alava. In: GLAIRE, Jean-Baptiste; WALSH, Joseph-Alexis (ed.). Encyclopédie catholique: répertoire universel et raisonné des sciences, des lettres, des arts et des métiers. v. 1. Paris: Parents-Desbarres, 1839. p. 611-613.

curiosidade de Denis, capaz de passear por temas tão variados quanto filosofia da natureza,235 história da arte236 e esoterismo.237

Dos 28 livros escritos, organizados ou traduzidos pelo autor francês durante a primeira metade do século XIX, ao menos onze ganharam uma segunda edição francesa.238 Além das fronteiras do país, suas publicações despertavam a curiosidade: surgiram edições (autorizadas ou não) delas em Hartleben, Bruxelas, Valência, Veneza, Lisboa e até mesmo fora do continente europeu, em cidades como Rio de Janeiro, Nova York e Buenos Aires. Se pensarmos nesses números como um indicativo da boa acolhida entre os leitores, o maior sucesso de sua carreira literária certamente foi o livro Brésil (1837), impresso pela Firmin Didot, que obteria nas décadas subsequentes quatro edições na França e seis no exterior. A mesma editora se encarregou da publicação de outros dois best-sellers do autor:

Portugal (1846), com duas edições na França e outras quatro no estrangeiro; e André le voyageur (1827), com cinco edições francesas. Pela já mencionada coleção “Bibliothèque

populaire ou l’instruction mise à la portée de toutes les classes et de toutes les intelligences”, saíram as obras Histoire géographique du Brésil (1833), com cinco edições em apenas três anos, e Le Brahme voyageur (1832), que chegou a alcançar uma sétima em 1873. Esta última, aliás, foi laureada com uma medalha de ouro pela Academia Francesa de Letras, que lhe concedeu o quarto lugar do Prêmio Montyon, criado com a finalidade de selecionar as publicações “mais úteis aos costumes e recomendáveis para um caráter de elevação e de utilidade moral” veiculadas na França a cada ano.239 No conjunto, destacam- se ainda dois livros de Lecointe & Durey, sendo o primeiro o já mencionado Résumé de

l’histoire du Brésil (1825), com quatro edições na França e seis no exterior; e o segundo, o Résumé de l’histoire littéraire du Portugal, suivi du Résumé de l’histoire littéraire du Brésil (1826), sobre o qual falaremos no próximo capítulo, com cinco edições francesas e

mais duas brasileiras.

235 Scènes de la nature sous les tropiques, ou de leur influence sur la poésie.

236 Le génie de la navigation: statue en bronze exécutée par M. Daumas e “Des manuscrits à miniatures de

l’Orient et du Moyen-Âge”.

237 Tableau historique, analytique et critique des sciences occultes.

238 A saber: Résumé de l’histoire du Brésil, suivi du résumé de l’histoire de la Guyane; Résumé de l'histoire

littéraire du Portugal, suivi du Résumé de l'histoire littéraire du Brésil; André le voyageur; Ismaël ben Kaïzar; Tableau historique, analytique et critique des Sciences occultes; Le Brahme voyageur; Histoire géographique du Brésil; Brésil; Fondation de la régence d'Alger; Chroniques chevaleresques de l'Espagne et du Portugal e Portugal.

Gráfico 2: os maiores sucessos de Ferdinand Denis

Tomando por base a produção bibliográfica de Denis durante as décadas de 1820 e 1840, o gráfico a seguir a distribui em cinco categorias diferentes: 1) artigos em periódicos; 2) livros escritos ou organizados; 3) colaborações, prefácios e traduções; 4) edições na França; e, finalmente, 5) edições no exterior. É possível perceber que, em cada uma dessas três décadas, o autor valorizou (ou foi obrigado a valorizar) determinado tipo de publicação. Nos primeiros dez anos de sua carreira como letrado, escreveu, traduziu ou organizou cerca de um livro por ano, embora tenha mantido uma tímida participação na imprensa e colaborado em um pequeno número de obras; na década seguinte, enquanto sua produção livresca permaneceu relativamente estável, multiplicou por sete sua presença em jornais e revistas, com praticamente um artigo a cada mês e meio, assim como quadruplicou sua contribuição em obras coletivas; finalmente, entre 1840 e 1850, quando ingressou no funcionalismo público, a opulência que caracterizara o período anterior – fruto talvez da dificuldade de inserção no campo literário e, ao mesmo tempo, da dependência financeira da atividade escrita – foi substituída por uma menor produtividade, tendo diminuído drasticamente o número de artigos, livros e colaborações lançados por ele à época. O baixo crescimento da última categoria (colaborações) ao longo do período aqui analisado pode a princípio parecer inexpressivo, ou mesmo irrelevante. Não obstante, ganha um significado diferente, quando notamos que coincidiu com a ampliação do número de edições, na França e no exterior, de suas obras. Em parte, tais aumentos

decorreram da própria evolução de seu prestígio enquanto letrado: à medida que o nome do autor se tornava mais conhecido, crescia o interesse dos editores franceses e estrangeiros em publicá-lo (porque se tratava de um investimento cada vez mais seguro) e se ampliavam também os convites para que redigisse prefácios, capítulos de livros e traduções (uma vez que um texto de sua autoria talvez pudesse ajudar a estimular as vendas e, de quebra, valorizar as obras dos estreantes240). Ainda que relacionados a aspectos biográficos, os dados precisam ser compreendidos à luz de algumas transformações técnicas, socioeconômicas e políticas vividas nesse período nesse momento por toda a França, mas principalmente pela cidade de Paris.

Gráfico 3: distribuição da produção bibliográfica de Ferdinand Denis (primeira metade do século XIX)

240 Mais do que no período anterior, as introduções das obras em que Denis colaborou a partir de 1830 deram

destaque aos seus conhecimentos e a suas numerosas publicações: “Para concluir esta introdução, faltava somente anexar algumas observações preliminares sobre a origem, a natureza e a finalidade de provérbios em geral. Um dos meus amigos, literato distinto, ao se associar a meu trabalho, encarregou-se dessa parte tão importante quanto difícil de tratar corretamente. Sob a pluma elegante do Sr. Ferdinand Denis, essas observações preliminares se tornaram um fragmento literário de grande significado e que servirá de salvaguarda para a insuficiência de minhas pesquisas” (no original: “Pour compléter cette introduction, il ne manqueait plus que d’y joindre quelques observations préliminaires sur l’origine, la nature et le but des proverbes en général. L’un de mes amis, littérateur distingué, en s’associant à mon travail, s’est chargé de cette partie aussi importante que difficile à bien traiter. Sous la plume élégante de M. Ferdinand Denis, ces observations préliminaires sont devenues un morceau littéraire d’une haute portée, et qui servira de sauvegarde à l’insuffisance de mes recherches”). Fonte: LINCY, Leroux de. Avant-propos. In: LINCY, Leroux de. Le livre des proverbes français, par Leroux de Lincy. Précédé d’un essai sur la philosophie de Sancho Pança, par Ferdinand Denis. Paris: chez Paulin, 1837. V. 1. p. vi.

Durante a primeira metade do século XIX, as taxas de alfabetização na França atingiram números inéditos, graças a uma conjunção de fatores, como o alto crescimento demográfico, a intensificação da ocupação urbana e a ampliação do sistema educacional.