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2. CONTEXTUALIZAÇÃO: EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL E A FORMAÇÃO

2.2 DESAFIOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA

A partir da reflexão a respeito das características da educação superior

definidas no item anterior verificam-se alguns desafios importantes a serem

enfrentados para que a Educação Superior brasileira ganhe em qualidade e em

relevância social, contribuindo efetivamente para a construção de uma sociedade

mais justa, mais humana e mais inclusiva.

Nos últimos anos o País viveu um momento histórico único quando pela

primeira vez houve mais vagas na educação superior do que concluintes do ensino

médio, o que representava uma meta para alguns educadores e analistas da área.

Mas, por outro lado, o aumento de vagas não foi o suficiente para garantir o

ingresso dos jovens que concluíram o Ensino Médio na Educação Superior, uma

vez que há vários anos mais de 40% das vagas oferecidas nas IES privadas

permanecem ociosas. Essa realidade torna evidente que para se garantir a tão

sonhada elevação do nível educacional da população brasileira, por meio da

migração de pessoas para a educação superior, é fundamental uma participação

maior do poder público, não somente por meio de programas de incentivo ao

ingresso de alunos em IES privadas, mas, sobretudo, o investimento na ampliação

da oferta de cursos e vagas em IES públicas. Está claro que o mercado, por si só,

ao contrário do que defendem os neoliberais, não consegue promover esse

importante projeto de Estado.

Com as políticas de universalização da educação básica, um grande

contingente de carentes chegará às portas dos campi das IES nos próximos anos,

desse modo falar somente em expansão torna-se insuficiente. Uma vez que a

expansão está em curso, porém como se percebeu nos dados expostos, foi

sobretudo uma expansão nas IES privadas, principalmente nas estritamente

particulares. Um dos méritos da expansão da educação superior privada foi fazer

com que o vestibular deixasse de ser um trauma para as famílias da classe média.

Já para os estudantes das classes baixas, essa expansão só trouxe algum tipo de

benefício efetivo com a chegada do Prouni em 2005. Porém, os filhos das classes

mais pobres que não conseguem bom desempenho no Enem e assim não

ingressam no Prouni ainda tem gigantescas dificuldade em cursar uma graduação,

uma vez que não conseguem vencer a excludência do campus público, nem pagar

os altos preços do campus privado, continuam fora da educação superior.

O direcionamento da primeira década pós-LDB/96 se traduziu na ação de

expandir, e a expansão realmente ocorreu. Porém nessa segunda década após a

LDB a ação fundamental precisa ser democratizar. O verbo de ação democratizar

diz respeito a “tornar acessível a todas as classes; popularizar” (DICIONÁRIO

ONLINE, 2012).

Democratizar significa gerar oportunidades para que milhares de jovens de

classe baixa e estudantes das escolas públicas tenham acesso à educação superior.

Não é suficiente expandir o setor privado, pois é nítido que as vagas continuarão

ociosas, por outro lado simplesmente aumentando as vagas no setor público,

corre-se o risco de que elas somente facilitem o acesso e a transferência de estudantes

advindos das classes mais abastadas.

Nesse ponto pode-se questionar: O que é preciso fazer para efetivar a

democratização da educação superior já que a simples ampliação de vagas não

garante a inserção dos menos favorecidos? A democratização, para que ocorra

realmente, deve estar embasada em ações mais radicais, que assegurem os direitos

dos historicamente excluídos, que promovam o acesso e a permanência àqueles que

com seriedade buscam formação na educação superior, de modo que se desprivatize

e se democratize o campus público. Mas que ações seriam essas? Ristoff contribui

indicando algumas ações promissoras em direção à democratização:

O ProUni, a criação de novos campi nas instituições federais de ensino superior (Ifes), a proposta, sempre tímida, de expansão do ensino noturno público, a criação de novas universidades federais, a proposta de conversão da dívida dos Estados em investimentos na educação, a criação da Universidade Aberta, a expansão da educação a distância, a criação de bolsas permanência, a retomada das contratações de docentes e técnicos, são algumas das ações que apontam para o caminho da democratização. (2008, p.45).

Torna-se evidente que a discussão sobre democratização deva,

necessariamente, propor a expansão nos campi públicos, quebrando a idéia

enraizada em muitas IES públicas de que expansão implica em uma piora de

qualidade. “Lamentavelmente, escapa à maioria de nós, a percepção de que se

preocupar apenas com a qualidade, sem pensar em quantidade, significa a

preservação de um sistema elitista e excludente”. (RISTOFF, 2008, p.45).

Ristoff corajosamente questiona a postura de muitos servidores públicos que

no interior das IES públicas se posicionam contrários à expansão nas IES públicas.

O estranho é que quando a expansão do setor privado veio beneficiar a classe média, o campus público, salvo honrosas exceções, fez de conta que a questão não era com ele; quando, há dois anos, a renúncia fiscal tornou viável a concessão de bolsas para centenas de milhares de jovens pobres, no mesmo setor privado, o seu protesto foi veemente; agora que a democratização quer dar um passo adiante para atender aos mais carentes, no espaço público, muitos se escudam na autonomia e se escondem atrás da qualidade. “Vai piorar a qualidade" é a ladainha da moda. (2008, p.46).

Esse discurso infundado que alega a perda de qualidade procura fechar os

olhos para os dados dos processos seletivos do Prouni, o Enem, que comprovam

que os alunos do Prouni têm desempenho equivalente e algumas vezes superior ao

dos estudantes que ingressam nas IES privadas pelas vias tradicionais. É preciso

mudar a cultura, enraizada nas IES públicas, que percebe a democratização como

um tabu, pois sem transformar essa cultura, o esforço para recuperar a centralidade

da universidade pública e gratuita se torna utopia.

Os profissionais da educação comprometidos com um novo projeto de

sociedade, juntamente com os cidadãos conscientes em geral, precisam lutar contra

afirmação secular, repercutida na mídia e dos meios acadêmicos, que diz que o

campus universitário é um espelho da sociedade refletindo características,

privilégios, injustiças e exclusões. Os dados sobre a Educação Superior apontam

que as IES acabam por refletir os fatos e configurações sociais. Mas essa

constatação não deve gerar conformismo, pois uma sociedade que distorce a

realidade e fecha os olhos para as injustiças sociais só poderá ser mudada por

cabeças pensantes, conscientes e preparadas para atuar em prol da mudança

social. E qual o lugar melhor do que a Universidade para formar essas pessoas?

É possível inferir que sob muitos aspectos, os cursos de graduação

presenciais não estão reproduzindo, mas sim, hipertrofiando as desigualdades

sociais existentes. Como exemplo dessa hipertrofia pode-se citar o acesso de

estudantes pobres à Educação Superior. Um estudante considerado pobre é

aquele que possui renda familiar de até três salários mínimos, e que no Brasil diz

respeito a 50% da população. Em cursos de Enfermagem e Educação Física,

cursos considerados mais inclusivos para os pobres, o percentual de pobre é de

30%. Já em cursos como Odontologia e Medicina, historicamente elitizados, os

mais pobres que na população em geral são 50%, passam a ser 10,5% e 8,8%,

respectivamente. Ao visualizar esse cenário sob a perspectiva dos mais ricos, ou

seja, aqueles que têm mais de dez salários mínimos de renda familiar (que são

pouco mais de 10% da população), é possível perceber que uma pequena parcela

da sociedade representa uma grande maioria nas IES públicas. Os mais ricos, na

Enfermagem, representam algo próximo a 15%, praticamente o mesmo percentual

que na sociedade, porém na Odontologia e Medicina, os mais ricos se tornam 52%

e 67%, respectivamente. (RISTOFF, 2008).

A distribuição dos alunos nas IES públicas na modalidade presencial com

relação a cor/raça demonstra que entre os dez cursos mais “brancos” cinco estão da

área da saúde (Medicina, Odontologia, Veterinária, Farmácia e Psicologia), todos

eles com um índice de mais de 77% de brancos, enquanto na população em geral

tem-se 52% de brancos. Dentre os cursos da área de saúde com menores

percentuais de brancos estão Enfermagem (67%) e Biologia (69%), o que leva a

concluir que mesmo nos cursos menos brancos, o campus desvirtua

significativamente os percentuais da sociedade, como um espelho distorcido da

realidade. (RISTOFF, 2008).

De forma ainda mais excludente, o espelho da educação superior distorce as

proporções de estudantes originários das escolas públicas. Nas IFES e nas IES

privadas os alunos advindos do ensino público representam 43%, o que é menos da

metade dos 87% que correspondem no ensino médio. Contraditoriamente, com a

implantação do Prouni, mesmo ainda havendo um déficit no ingresso de alunos da

escola pública nas IES, eles tem tido mais oportunidade nas IES privadas do que

nas públicas, e não é raro escutar, dos próprios estudantes, o discurso de que

precisam se concentrar no Enem, pois o vestibular de IES públicas “não é pra eles”.

Considerando os cursos mais elitizados, a desproporção torna-se mais elevada:

sendo que somente 18% dos estudantes de Odontologia e 34% de Medicina

cursaram todo o ensino médio na rede pública. Uma conclusão importante que esse

quadro revela é que para um aluno oriundo do ensino médio privado a oportunidade

de atingir à educação superior, especialmente em cursos de alta demanda, é muitas

vezes superior à dos alunos da escola pública.

Outra questão que comprova a afirmação de que o espelho do campus

meramente reflete a sociedade, está na proporcionalidade de gênero. Os cursos da

área da saúde são majoritariamente femininos, marcados por questões mal

resolvidas de gênero: dos quatorze principais cursos da área da saúde, somente em

Educação Física os homens ainda são maioria. Segundo dados do IBGE os homens

são maioria na sociedade até os 20 anos de idade, que é o período correto de

ingresso na educação superior, porém na educação superior essa proporcionalidade

não é mantida. Leal (2012) pontua que “homens são maioria na sociedade até os 20

anos de idade, mas as mulheres são maioria na escola a partir da quinta série. O

que pode indicar que dificuldades financeiras das famílias levam crianças a deixar a

escola para ajudar os pais no sustento da família”.

Uma possibilidade de argumentação está em afirmar que as IES refletem

vários “Brasis” com todas as suas desigualdades regionais e estaduais, como

demonstra Ristoff:

Quando dizemos que o Brasil forma um médico e um dentista para aproximadamente 19 mil habitantes e que no Norte essa proporção é de um para mais de 40 mil e no Nordeste um para mais de 33 mil, estamos também dizendo que vivemos em um país bastante desigual na formação de profissionais. No entanto, mesmo essa desigualdade parece mais refratada do que refletida: os campi do Rio de Janeiro, Estado com 8,4% da população, formam 24% dos médicos do Brasil, enquanto há Estados que ainda não formaram um único médico, dentista ou enfermeiro. As desigualdades no campus em geral superam as projetadas pela sociedade. (2008, p.48).

Continuando a apresentação do panorama geral da educação superior,

tendo por base dados de cursos na área da saúde, área em que se verificam as

realidades mais desiguais, nota-se que o crescimento dos cursos ocorre de forma

acentuadamente desigual. Nos últimos anos, a partir da LDB/96, os cursos de

Fisioterapia e Enfermagem cresceram 741% e 443%, enquanto Medicina e

Odontologia cresceram somente 38% e 50%. Percebe-se assim a grande

necessidade de que as políticas públicas para a formação profissional estejam

fundamentadas nas especificidades de cada uma das áreas do conhecimento

estabelecendo relações com as demandas dos Estados e da sociedade como um

todo. “Só com políticas de expansão, combinadas com a democratização do

acesso e da permanência, como as em implantação, é possível fazer com que o

campus deixe de ser este espelho que aguça as nossas distorções e se torne uma

lâmpada que ilumine os caminhos rumo à igualdade de oportunidades para todos”.

(RISTOFF, 2008, p.48). Desse modo, desmistifica-se a afirmação de que as IES

refletem a sociedade, pois isso é o mesmo que atribuir uma função passiva que,

como analisado, elas seguramente não possuem. Significa ainda, retirar das IES o

papel de agentes capazes de intervir de maneira proativa na realidade rumo à

mudança social.

Perante o cenário pós LDB/96 apresentado e com base nos desafios

apresentados por Ristoff (2008), evidenciam-se dez questões críticas da educação

superior a serem encaradas pelo Brasil nos próximos anos:

Primeiro Desafio: Ultrapassar a mera expansão na oferta de vagas para que

se atinja uma efetiva democratização de acesso e permanência de estudantes de

baixa renda na Educação Superior. Sugere-se ampliação do Prouni nas IES

privadas e reestruturação das quotas sociais nas públicas.

Segundo Desafio: Procurar equilíbrio entre público e privado. Deve-se

buscar cumprir as metas estabelecidas para a Educação Superior por meio da

aceleração do crescimento de matrículas públicas, preferencialmente em um

ritmo superior ao das matrículas privadas, sem com isso desacelerar o

crescimento privado.

Terceiro Desafio: Pensar em diversidade institucional relacionando os

objetivos institucionais com os objetivos enquanto nação, de forma a vincular as

necessidades de desenvolvimento econômico e cultural, e contemplar as demandas

de todos os cidadãos, sobretudo, dos mais carentes.

Quarto Desafio: Estruturar uma cooperação mais eficaz e intensa da União

com os Estados, visando impedir a balcanização do sistema educacional superior.

Definição de programas para criação e consolidação dos Sistemas Estaduais de

Educação Superior.

Quinto Desafio: Criar políticas compensatórias que objetivem obter equilíbrio

entre a oferta de educação nas várias regiões do Brasil e a taxa de representação

da população na sociedade. Regiões norte, nordeste e centro-oeste precisam

receber investimentos adequados para experimentar expansão necessária ao

desenvolvimento social.

Sexto Desafio: Manter e ampliar a oferta de financiamento estudantil.

Expandir o financiamento para jovens de classe baixa, muitos deles são tão pobres

que têm dificuldades para se manterem estudando mesmo com a bolsa do Prouni.

Sétimo Desafio: Promover o desenvolvimento com a criação de novos

cursos de graduação em áreas do conhecimento carentes de profissionais

qualificados. Cursos de Ciências Agrárias e Aqüicultura, por exemplo, possuem

função estratégica para o desenvolvimento do País, mas têm representação muito

pequena na educação superior.

Oitavo Desafio: Resolver o problema de ociosidade das vagas nas IES

privadas por meio de programas de valorização do ensino médio e políticas mais

abrangentes e efetivas de financiamento estudantil. Tais programas devem ser

acompanhados da expansão da oferta de vagas em IES públicas e da

racionalização da oferta no setor privado.

Nono Desafio: Reforçar a política de apoio à titulação nas IES públicas e

induzir as IES privadas a ampliarem seus investimentos em capacitação de mestres

e doutores. O apoio à titulação é fundamental para que tenhamos no Brasil IES com

foco não somente no ensino, mas sobretudo, com forte vinculação com a pesquisa.

Décimo Desafio: Continuar a perseguir a meta, conforme preconizava o

Plano Nacional de Educação 2001-2010 (Lei 10.172/2001), de ter 30% dos jovens

da faixa etária apropriada na educação superior, 40% de matrículas em IES públicas

e aumentar paulatinamente os investimentos públicos em educação, chegando a 7%

do Produto Interno Bruto (PIB).

São estes os grandes desafios que a realidade revelada pelos dados sobre a

Educação Superior nos últimos 15 anos nos impõe. A superação dos desequilíbrios

apontados e a construção de um sistema de educação superior mais equânime e de

melhor qualidade implicam, salvo melhor juízo, em colocar esses desafios como

prioridades inarredáveis da agenda nacional.

2.3 CENSOS EDUCACIONAIS E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO