3. BASES CONCEITUAIS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA
3.1 GLOBALIZAÇÃO E NEOLIBERALISMO
A conjuntura de uma interdependência dos mercados e internacionalização
ascendente com a constituição de áreas de livre comércio e a denominada terceira
revolução tecnológica caracterizam a globalização vivida no presente momento
histórico, configurando o que se convencionou chamar de “nova ordem mundial”. A
globalização firma-se como uma diretriz para a organização econômico-social dos
mais diversos países, atingindo todos os setores da sociedade. As metáforas da
globalização estão vivas no imaginário social, como pontua o sociólogo Octavio Ianni
(1997), termos como mundialização, fim do Estado, fim da Geografia e História como
conhecemos, aldeia global, mercado único, tornaram-se constantes nos mais
variados discursos. Ianni contribui ainda com a ideia de que: “a rigor, a história do
capitalismo pode ser vista como a história da mundialização, da globalização do
mundo. Um processo histórico de longa duração, com ciclos de expansão e
retração, ruptura e reorientação” (1997, p.55).
O processo de globalização é um fenômeno sem precedentes na história.
Desde a primeira troca de mercadorias/cultura entre povos, da expansão
marítima-comercial européia e das relações colônia-metrópole, já se iniciava o processo de
globalização. A diferença é que atualmente esta relação se intensifica pela velocidade e
abrangência maximizadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação. O
mundo vai progressivamente se transformando em território de tudo e de todos.
Pode-se identificar com clareza os fatores que contribuíram para que o mundo
se tornasse uma “aldeia global”: a) a interdependência entre os Estados – um Estado
completamente auto-suficiente inexiste; b) a alta tecnologia: sobretudo nos meios de
comunicação de massa; c) os blocos econômicos: regionalizam o mercado de bens e
serviços; d) as organizações internacionais: são agentes que impulsionam a integração
mundial; e) as empresas transnacionais: atores no cenário internacional que
transpassam fronteiras e instalam-se em todas as partes do globo. (CASTELLS, 2000).
Com a progressiva associação da tecnologia de informática à telecomunicação,
intensificou-se o processo de globalização, permitindo às nações a possibilidade de se
conectarem de maneira rápida e constante. Inaugurou-se a possibilidade de interligação
acelerada dos mercados nacionais e movimentação de bilhões de dólares por
computador em alguns segundos. Esta nova ordem de integração das economias
nacionais, sobretudo a mobilidade da circulação de bens e serviços, acarreta profundas
transformações do mercado de trabalho mundial, dentre elas uma frenética
competitividade, uma vez que a concorrência passou de nacional para internacional.
Tendo em vista o desenvolvimento do sistema capitalista, o processo de
globalização pode ser considerado como indicador de uma nova modalidade de
acumulação de capital. Nos períodos anteriores, a estratégia fundamental de
acumulação capitalista concentrava-se na “extensão da produção de valor e de mais
valia” (PIRES; REIS, 1999, p.31), como destaca García-Vera "Las tecnologías
aplicadas en la industria contribuyó a una jerarquización de las actividades de
diseño, planificación y ejecución (plano vertical), distinguiéndose el trabajo
intelectual del manual y su incidenciaen la división social originado por esa
diferenciación en el mundo del trabajo". (2000, p.168). Já nesta “nova modalidade da
acumulação, a apropriação de riquezas é resultado, principalmente, de atividades
especulativas do mercado financeiro
2”. (PIRES; REIS, 1999, p.31). A burguesia
2
A maioria dos fundos de investimento concentra-se em atividades especulativas que arbitram taxas de juros, tipos de câmbio e variações nas cotações da bolsa. “A desregulação das transações financeiras e a transformação dos mercados impulsionada pela revolução da informática produziram um megamercado
nacional vivencia uma crise nesse processo de transição para a acumulação flexível
e passa a trocar grande parte das atividades produtivas pelas atividades
especulativas do mercado financeiro, deixando vários setores da economia para o
capital estrangeiro.
O princípio primordial do capitalismo é a sacralização do lucro privado com
base na assimilação do trabalho excedente, tempo de trabalho não remunerado. É
uma prática de exploração, em que a classe capitalista explora a classe
trabalhadora (aquela que fornece os lucros de seu trabalho – mais valia). Nesse
sentido, Raduntz argumenta que:
A globalização não é um fenômeno qualitativamente novo, mas uma tendência, que sempre foi integral para o crescimento do capitalismo. Dentro do paradigma marxista existe um crescente reconhecimento da relevância do relato de Marx exposto no Manifesto Comunista que a globalização é o resultado previsível das tendências expansionistas do capitalismo evidentes desde que emergiu como uma forma viável da sociedade (RADUNTZ apud HILL, 2003, p.26).
A globalização traz em seu bojo, enquanto característica estrutural, a
revolução tecnológica informacional. Conforme dissertam Pires e Reis (1999): “Não
há, a rigor, troca de mercadorias nem de papel moeda; há, sim, troca de
informações sobre dinheiro, há troca de informações sobre papéis que significam
dinheiro. Há uma grande abstração da troca”. (p.31).
Nesse sentindo, Dias Sobrinho (2005) argumenta que se por um lado são
evidentes as inovações tecnológicas nos diversos campos da ciência trazidas no
contexto da globalização, torna-se igualmente inegável que ela vem aprofundando
“assimetrias sociais”, quanto a isso, referenda que: “Incluídos e excluídos hoje são
identificados, em boa parte, sobretudo em razão de seu capital ou de sua carência
de conhecimentos, especialmente os de caráter tecnológico, que lhes abre ou fecha
as portas do mercado de trabalho”. (p.55).
Com a globalização da economia e a reestruturação produtiva, enquanto
elementos essenciais do capitalismo de acumulação flexível têm-se que os
pressupostos do Estado de Bem-Estar Social passam a ser percebidos como
de escala mundial que opera, considerando as diferenças de fuso horário das principais praças, praticamente 24 horas por dia, sete dias por semana”. (FERRER, 2002, p.23).
impróprios ao capital. Desse modo passam a ocorrer mutações nos aparelhos de
Estado quanto à implementação das políticas sociais para a reprodução da força
de trabalho.
A ideologia neoliberal, orgânica ao modo de produção capitalista no atual
estágio de seu desenvolvimento, supõe que a dilatação das funções do Estado é a
causa básica da problemática das sociedades. Segundo a visão neoliberal, a crise
que alcança proporções mundiais, não diz respeito ao capitalismo ou à economia
de mercado, mas sim ao Estado, instituições e ações públicas e entendendo que a
ação do Estado no campo econômico prejudica o mercado, uma vez que o
fornecimento de serviços públicos é fundamentalmente ineficiente e provoca a
hipertrofia do Estado.
Um atributo importante do estágio do capitalismo contemporâneo,
globalizado, refere-se à hegemonia das idéias neoliberais. A dimensão
político-ideológica do capitalismo atual é a associação entre globalização e neoliberalismo,
“apresentada como a ante-sala da realização do sonho iluminista de uma sociedade
harmônica e racional”. (PIRES; REIS, 1999, p.33). Boneti (1998) ao tratar das
vicissitudes das políticas públicas, discorre sobre as políticas neoliberais definindo o
modelo de Estado e o padrão referencial de sujeito social na atualidade. Os efeitos
gerais, verificados em todo mundo, da aplicação de políticas neoliberais podem ser
elencados como sendo: “perda de eqüidade, da justiça econômica e social; perda de
democracia e da responsabilidade democrática; perda de pensamento crítico dentro
de uma cultura de desempenho”. (HILL, 2003, p.28).
O neoliberalismo, de acordo com Silva (1994), requer a regressão da
esfera pública, a partir do momento em que coloca a escola no campo do mercado
e das técnicas de gestão, acarretando o esvaziamento de seu conteúdo político de
cidadania, trocando-o pelos direitos do consumidor. A ideologia neoliberal defende
que a função primordial da educação concentra-se na formação da mão-de-obra
para o mercado de trabalho. Relacionando a esfera trabalhista com o uso de
tecnologias, Marrach afirma que: “Não se pode esquecer que o neoliberalismo
torna-se hegemônico num momento em que a revolução tecnológica impõe o detorna-semprego
estrutural”. Em que pese o fato de “a escola ser cada vez mais necessária para
preparar profissionais para o mercado de trabalho, é preciso perguntar: e quanto aos
excluídos do mundo do trabalho, que papel caberá à escola senão o de tornar-se uma
espécie de babá de futuros desempregados?” (1996, p.48).
O papel designado à educação no projeto neoliberal é estratégico em dois
sentidos. Primeiro, com a finalidade de realizar a preparação para o trabalho,
formando o trabalhador sob uma nova base técnica orientada pelo princípio da
acumulação flexível. Segundo, a consolidação da educação, inclusive da educação
superior, com uma função ideológica de transmitir os ideais neoliberais. Deste modo
o processo educativo absorve a ideologia de organização social proveniente do
modelo neoliberal como a busca da qualidade, a competição e o individualismo.
O neoliberalismo defende a elevação da qualidade de educação para os
trabalhadores, o que segundo Kuenzer (2005), se justifica pela necessidade que o
capitalismo de acumulação flexível tem de possuir uma potencialidade para
solucionar situações-problema advindas de processos de trabalho flexíveis, o que
exige domínio de conhecimentos científico-tecnológicos das diversas áreas para
viabilizar programas de qualidade (um dos pilares da nova estratégia de
acumulação). Nesse sentido nas universidades e estabelecimentos de cursos
superiores vocacionais:
a linguagem da educação foi amplamente substituída pela linguagem do mercado, aonde os professores universitários ‘entregam o produto’, ‘operacionalizam a entrega’ e ‘facilitam o aprendizado dos clientes’, dentro de um regime de ‘gestão da qualidade’ em que os estudantes viram fregueses selecionando módulos, nas universidades, ‘o desenvolvimento da habilidade técnica’ ganha importância em detrimento do desenvolvimento do pensamento crítico. (HILL, 2003, p.33).
A partir dos anos de 1970, o ideário de universidade, até então vigente,
começa a ser desmontado por meio de diversas funções que são a ela conferidas,
dentre elas: prestação de serviços (extensão); preparar pessoas para o comando
social; favorecer a competitividade econômica; possibilitar mobilidade social para as
classes menos favorecidas; fornecer mão-de-obra de qualidade; fornecer subsídios
para constituição de paradigmas de políticas públicas (SANTOS, 1995). Nos anos
90, mediante um contexto de globalização e neoliberalismo, diante da
impossibilidade da universidade em exercer as funções que lhes são atribuídas,
constitui-se uma crise de tripla dimensão: crise de hegemonia, crise de legitimidade
e crise institucional, conforme explica Germano (2001):
A universidade sofre uma crise de hegemonia na medida em que a sua capacidade para desempenhar cabalmente funções contraditórias leva os grupos sociais atingidos pelo seu déficit funcional ou o Estado em nome deles a procurar meios alternativos de atingir os seus objetivos. Esta crise se traduz pela crescente descaracterização intelectual da universidade. (...) Por sua vez, a universidade sofre uma crise de legitimidade à medida que se torna socialmente visível a dificuldade em cumprir os objetivos que lhe são imputados e coletivamente assumidos. Há uma crise de legitimidade, portanto, sempre que a sua credibilidade institucional é posta em questão e o seu papel social deixa de ser consensualmente aceito. Finalmente, a crise institucional, a mais visível de todas, em que as questões conjunturais e de ordem política e ideológica afloram com mais nitidez, porquanto dizem respeito à implementação de mudanças no padrão organizacional da universidade vinculadas a projetos de reforma do Estado. Isso se torna notório nos processos avaliativos em que são cobrados, cada vez mais, das instituições universitárias desempenho empresarial. Ao modo da empresa, fala-se em produto, em produtividade, evidenciando um claro enfoque economicista. (p.226-227).
A reorganização do ensino superior no Brasil, sob orientação do Banco
Mundial, possui um forte direcionamento privatista, assinalando para a diversificação
de fontes de financiamento e a diferenciação institucional (SGUISSARDI, 1998). As
reformas para a educação superior não pretendem a privatização explícita das
instituições de ensino superior, caracterizando uma política privatista dissimulada.
A diferenciação institucional, como estratégia neoliberal, constitui instituições
de ensino superior com atividades diferenciadas no que se refere à produção e à
difusão de conhecimentos. “As instituições de ensino superior, diferenciadas,
perdem, nesta proposta, a articulação – a indissociabilidade – entre ensino, pesquisa
e extensão”. (PIRES; REIS, 1999, p.37). Já a diferenciação de fontes de
financiamento denota a desresponsabilização do Estado com o suporte financeiro
das atividades das universidades públicas. O que leva à procura de outras fontes de
financiamento, colocando em risco a autonomia das instituições, um dos princípios
básicos da universidade. Em uma sociedade capitalista, o fato de as universidades
dependerem de setores e instituições de mercado, significa “alto risco para a
produção independente de conhecimentos e elaboração da cultura. As decisões
sobre a pesquisa, por exemplo, passam agora a ser dirigidas segundo as
necessidades do mercado” (PIRES; REIS, 1999, p.38). Diante do pouco de incentivo
ao pensamento crítico, a redução da qualidade da cultura e educação, da natureza
exclusivista da sociedade política e da mercantilização da educação, McLaren e
Baltodano (2000) sugerem:
A reapropriação das escolas, da educação dos professores, da luta cultural e da educação em geral, como veículos para a transformação social na época conservadora/capitalista deve ser fundamentada no compromisso claro de organizar os pais, estudantes e as comunidades. Isso significa que a sociedade deve desenvolver educadores críticos, ativistas comunitários, intelectuais orgânicos e professores cuja defesa da justiça social possa iluminar suas práticas pedagógicas. (p. 41).