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Desafios envolvidos e opções metodológicas adotadas

De maneira geral, parto do pressuposto de que o estudo dos fenômenos sociais requer abordagens e enfoques específicos para objetos e problemas específicos, como lentes que se adequam ao calibre do que se quer ver e do que se pretende compreender. Esta necessidade não está relacionada apenas à diversidade dos fenômenos em si, mas ao fato de que o mesmo fenômeno pode ser apreciado e compreendido de maneiras diferentes, conforme o olhar que recaia sobre ele – ou melhor, conforme a pergunta que o analista dirija a ele, construindo, assim, seu objeto. Mesmo ciente dessas questões, é sempre um desafio para o pesquisador dos fenômenos sociais construir uma abordagem pautada no princípio da adequação metodológica do instrumental analítico à natureza do objeto e ao tipo de problema que o instiga. Não foi diferente no meu caso.

A busca por justiça, compreendida como o engajamento em um curso de ação particular, é um fenômeno que não se orienta pelo registro da normalidade, remetendo, ao contrário, a experiências não habituais, que provocam a suspensão do “curso normal das coisas”, demandando o seu restabelecimento. Nesse sentido, trata-se de empreendimento que se realiza tanto como reação a determinados acontecimentos, quanto como ação deliberada em busca de um fim. Contudo, é um curso de ação em que os recursos disponíveis fogem ao controle exclusivo do ator (especialmente quando se opta pela via das instituições judiciais), o que constantemente provoca seu alongamento no tempo. Este elemento, associado ao teor emocional e de abalo moral frequentemente envolvidos, faz com que a busca por justiça muitas vezes se converta em foco de forte carga simbólica, absorvendo parte considerável da vida das pessoas, que a ela se entregam de maneira incansável e obstinada.

A primeira aposta na construção da abordagem para esse objeto referiu-se ao enquadramento teórico e já foi apresentada na seção anterior. Muitos dos pressupostos que orientam a tese estão ali e são retomados a cada capítulo, na medida em que diferentes questões são discutidas. Resta aqui apenas frisar que, tal como vejo o problema da busca por justiça, as opções teóricas realizadas buscaram fazer jus ao objeto de análise em sua intricada complexidade, considerando tanto seu aspecto subjetivo quanto sua necessária objetivação; tanto a dimensão de assujeitamento envolvida, quanto a sua reversão em termos de

posicionamento crítico; tanto o sentido particular do caso, quanto sua dimensão pública e coletiva.13

A segunda aposta remete à seleção do material para o estudo empírico. Como referido anteriormente nesta introdução, a tese proposta é discutida com base nos casos Damião Ximenes

Lopes Vs. Brasil e Povo Indígena Xucuru e seus membros Vs. Brasil, apresentados inicialmente

à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e posteriormente julgados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Esses casos foram escolhidos por diferentes motivos. O mais importante deles diz respeito ao fato de se tratarem de conflitos que ultrapassaram as fronteiras nacionais e cujo desfecho foi favorável aos denunciantes, resultando na condenação do Estado brasileiro por violações de direitos humanos. Assim, interessava-me por compreender em que aspectos esses desfechos favoráveis eram responsivos às perspectivas de quem havia impulsionado mais ou menos diretamente os casos.

A partir da abordagem teórica apresentada, o desafio metodológico central do trabalho consistiu em refazer o caminho percorrido pelos casos, buscando no material sob análise as marcas da operação dos diferentes dispositivos que atuam sobre os conflitos. Ao tomar os dois casos como guias empíricos da reflexão sobre a busca por justiça, foi necessário estudar detidamente suas histórias pregressas e seu desenrolar no âmbito das instituições interamericanas. Para tanto, adotei como fonte de informações privilegiada os respectivos dossiês judiciais tal como foram constituídos ao longo do trâmite no Sistema Interamericano, ou seja, o processo em sua materialidade documental.

Essa estratégia me permitiu, a um só tempo, ter acesso aos argumentos mobilizados pelas partes ao longo dos casos – o que foi essencial para compreender o sentido de seus posicionamentos e dos argumentos que empregaram – como também retraçar a dinâmica da interação entre as partes – podendo, assim, perceber como foram sendo delineados os fatos jurídicos que pautaram o desenvolvimento dos casos até seus desfechos. Fontes complementares foram empregadas, mas o centro da investigação foram os dossiês de cada

13 Certamente não se trata de “opções” em sentido estrito. Em grande medida, os autores e autoras principais que tomo como referências nesta tese, bem como suas obras (livros, capítulos de livros, artigos, conferências, entrevistas e quaisquer outras formas de registro e difusão de ideias que empregaram e às quais recorri), são inspirações de mais ou menos longa data que me permitiram, inclusive, visualizar meu objeto de interesse e problematizá-lo.

caso, por meio dos quais busquei apreender como os dispositivos de encaminhamento social de conflitos operam e o que produzem.

Sobre o Sistema Interamericano e os casos de Irene e do Povo Xucuru

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos é o braço da institucionalidade internacional de proteção dos direitos humanos que atua no âmbito da OEA. Tal como o sistema central, abrigado nas Nações Unidas (ONU), e os outros sistemas regionais, vinculados respectivamente ao Conselho da Europa e à União Africana, o Sistema Interamericano conta com tratados e convenções que vinculam politicamente os Estados-membros em face da comunidade interamericana, dispondo ainda de mecanismos de supervisão dos compromissos assumidos e de instrumentos de sanção nos casos de violações àqueles compromissos.

Para tanto, esses sistemas contam com tribunais ou cortes que, atuando em caráter subsidiário aos sistemas nacionais, recebem denúncias e julgam os casos de violações comprovadas. O caráter complementar dessas instâncias é evidenciado pelo fato de que, entre os requisitos de admissibilidade considerados para avaliar as demandas que lhes são apresentadas, destaca-se a comprovação do esgotamento dos recursos disponíveis no âmbito interno. Apenas depois de caracterizada a denegação de justiça nesta esfera é que se justifica a atuação do braço judicial dos órgãos internacionais, que deve ser acionado pelas partes interessadas.

O Sistema Interamericano é composto, de um lado, pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH, também conhecida como Pacto de San José), de 1969, e seus protocolos adicionais; de outro, pela CIDH e a Corte IDH, os órgãos que lhe servem de guardiões.14 A primeira é órgão de natureza política e parajudicial que, além de acompanhar a

situação dos direitos humanos nos países, pode receber petições das vítimas de violações e atuar no sentido de averiguar a procedência das alegações. O órgão tem competência para determinar medidas a serem adotadas pelos Estados e para realizar acordos entre os peticionários e os representantes estatais, visando a solução do conflito; caso as medidas estipuladas não sejam

14 Dos 35 países que compõem a OEA, todos estão sob o alcance da CIDH no que se refere aos direitos consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, a qual é lida conjuntamente com a Carta da OEA. Porém, apenas 24 desses países ratificaram a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, estando, portanto, sujeitos à atuação da CIDH no que se refere aos direitos expressos nesse documento, e somente 21 aceitaram a jurisdição compulsória da Corte IDH, podendo, assim, receber sentenças decorrentes do julgamento de demandas apresentadas ao sistema.

cumpridas ou não se chegue a um acordo de solução amistosa, o órgão pode encaminhar o caso para a Corte IDH, que passa, então, a julgá-lo.

A Corte IDH é a instância final do sistema. Embora os casos necessariamente tenham que ter passado por uma espécie de instrução prévia na CIDH para aceder ao tribunal, nesta etapa eles são mais uma vez revividos em sua integralidade, visando retomar tudo o que for necessário para subsidiar a decisão final. Ou seja, como é praxe dos processos nas instâncias de administração de conflitos, repisam-se os relatos dos fatos e os argumentos das partes, testemunhas e seus representantes, bem como apresentam-se as demais provas disponíveis, de modo que o julgamento do tribunal possa estar o mais bem fundamentado possível no momento de estabelecer a verdade jurídica para o caso, determinar as responsabilidades cabíveis. Caso o Estado-parte seja considerado responsável por violação de direitos humanos, medidas de diferentes naturezas são determinadas com vistas reparar os danos materiais e imateriais sofridos.

O Sistema Interamericano tem sido um espaço de intensa litigância no continente e ganhou grande visibilidade nas últimas décadas, período que coincide com o restabelecimento da ordem política democrática em vários países da região, particularmente na América Latina.15

O Sistema tem dado impulso não apenas à apuração das responsabilidades pelas graves violações cometidas pelos regimes autoritários depostos no período recente, mas também à superação de um padrão caracteristicamente violento e abusivo na forma rotineira como os órgãos estatais e seus agentes se relacionam com os cidadãos, assim como à discussão sobre a própria qualidade dos processos democráticos na região (ABRAMOVICH, 2009). Ao enfrentar temas sensíveis, a jurisprudência interamericana tem se destacado, em nível mundial, pelos novos parâmetros estabelecidos (ENGSTROM, 2011; KRISTICEVIC, 2009; SIKKINK, 2006). O Brasil é parte na Convenção Americana desde 1992 e reconheceu a competência em matéria contenciosa da Corte IDH em 1998. Embora o país ocupe posição relativamente modesta entre os diversos países da região, no que se refere ao recurso ao Sistema Interamericano, houve ampliação significativa nos últimos 20 anos, passando-se de 13 petições

15 Alguns dados refletem a crescente visibilidade do sistema. As estatísticas referentes a 2018 apontam que a CIDH recebeu naquele ano 2.957 petições, um volume 6,8 vezes o total recebido em 1997, primeiro ano da série, quando se atingiu 435 petições. Quanto à submissão de casos ao crivo contencioso do sistema, esta ocorrência é bastante menos frequente; ainda assim, as atividades da Corte IDH também vêm crescendo. O relatório informa que os novos casos submetidos ao tribunal regional passaram de 3, em 1990, para 18, no último ano da série, com mudança significativa de patamar a partir de 2003. Cf. CIDH, 2018.

recebidas em 1999 para 210, em 2018, ou seja, um crescimento de pouco mais de 16 vezes. Desde 1998, dez foram os casos envolvendo o Brasil julgados pela Corte IDH, sendo que em nove deles o país foi considerado responsável (ao menos parcialmente) pelas violações a direitos humanos denunciadas, tendo os dois últimos julgamentos ocorrido em 2018.16

Dois desses casos constituem os objetos que fornecem evidências empíricas para esta tese. Dado o número reduzido de experiências envolvendo o Brasil, a escolha não se orientou por qualquer critério de representatividade. Na realidade, algumas características particulares dos casos foram decisivas. O Caso Damião Ximenes Vs. Brasil foi escolhido por se tratar de um tipo raro entre os que chegam ao sistema, não em termos do tema (morte suspeita não adequadamente investigada pelo sistema de justiça penal brasileiro), mas da estratégia de litigância, visto que a denúncia inicial foi apresentada por Irene, sem qualquer mediação. Embora uma organização de defesa de direitos tenha passado a atuar ao seu lado durante o trâmite na Corte IDH, como sua representante, Irene foi indubitavelmente a protagonista deste caso de busca de justiça, em um processo que tramitou durante cerca de sete anos nas instâncias do Sistema Interamericano.

Já o Caso Povo Xucuru Vs. Brasil foi escolhido, inicialmente, por estar ainda em curso durante os estudos preparatórios para esta tese, tendo sido possível acompanhar a parte final do seu desenvolvimento, inclusive a audiência realizada perante os juízes da Corte IDH, em março de 2017. Constituindo-se em um caso único entre aqueles apresentados ao Sistema Interamericano contra o Estado brasileiro, por discutir a denegação dos direitos indígenas aos territórios ancestrais, foi levado adiante por organizações não governamentais de defesa de direitos, as quais representaram o povo Xucuru em todas as instâncias do Sistema durante a tramitação do caso, que durou aproximadamente 16 anos.

No entanto, o que me interessa discutir aqui não é o significado político de ambas as condenações, nem mesmo os desafios institucionais relativos à implementação das medidas determinadas pelo Tribunal regional, ainda que esta seja uma dimensão essencial do ponto de

16 Dos dez casos, um foi arquivado (Caso Gilson Nogueira, em 2006), oito resultaram em sentenças condenatórias (Damião Ximenes Lopes, em 2006; Arley Escher e outros e Sétimo Garibaldi, em 2009; Guerrilha do Araguaia, em 2010; Fazenda Brasil Verde, em 2016; Favela Nova Brasília, em 2017; e Povo Xucuru e seus membros e

Herzog e outros, em 2018), e um ainda está pendente de julgamento, aguardando sentença de mérito (Caso Trabalhadores da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares). Cf. Corte IDH, 2018.

vista de quem está em busca de justiça.17 É certo que, quando sentenças e outras medidas não

são cumpridas, acabam frustradas as expectativas das vítimas de violações confirmadas, sendo possível discutir o “esvaziamento” do significado da justiça nesses casos. No entanto, como já foi indicado, meu objetivo é problematizar a própria dinâmica de encaminhamento dos conflitos, colocando em evidência a efetiva possibilidade de satisfação das demandas materiais e simbólicas de seus protagonistas.

Os casos que tramitaram no Sistema Interamericano servem exemplarmente a este objetivo na medida em que são experiências de busca por justiça investidas de grande significado para quem percorreu o atribulado caminho até lá. Como última perspectiva de realização de justiça, Irene e o Povo Xucuru levaram suas reivindicações a uma instância internacional, onde, ao longo de anos, seus casos foram revisitados, rediscutidos e julgados. Ou seja, trata-se de casos emblemáticos de busca por justiça, envoltos em grande expectativa por parte de seus protagonistas e que instigam a discussão sobre sua responsividade em relação às demandas dos envolvidos, ou, em outras palavras, sobre o grau de embutimento dessas demandas e outros questionamentos nos desfechos desses casos (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2008, 2004).

Não obstante, é forçoso reconhecer que algumas características próprias aos litígios internacionais em prol dos direitos humanos trazem elementos adicionais para a análise. Primeiramente porque, como já referido, esses litígios resultam da elaboração de uma agressão que não foi adequadamente reparada no âmbito doméstico como uma violação de direitos humanos. Ainda que a maleabilidade conceitual ou a “imprecisão” dos direitos humanos (DELMAS-MARTY, 2005) permitam que virtualmente qualquer dano possa embasar uma alegação de lesão a esses direitos, os pleitos dirigidos aos órgãos internacionais enfrentam o desafio de promover a “tradução” adequada das demandas das vítimas (ou de seus familiares). Se este fator é crucial para que esses pleitos sejam efetivamente acatados, tem inegável impacto sobre os contornos do conflito originalmente vivido.

Outro aspecto relevante, diretamente relacionado ao anterior, é o fato de que o processamento de conflitos pelos órgãos internacionais exige sua adaptação às regras e aos parâmetros específicos desses aparatos, que combinam aspectos da forma judicial, que orienta

17 Um estudo sobre o grau de cumprimento das determinações de ambos os órgãos do sistema (a CIDH e a Corte IDH) verificou que este é de cerca de 50%, sendo que 36% das medidas são cumpridas integralmente e 14% apenas parcialmente (Cf. Basch et al., 2010).

a organização dos tribunais tradicionais, com os valores que inspiram a doutrina dos direitos humanos, constituindo sistemas de justiça próprios. Assim, na medida em que um conflito se transfere para os fóruns internacionais, ele se reconfigura sob a forma de um litígio delimitado institucionalmente conforme a lógica operacional desses tribunais especiais, pautados por fontes de direito específicas, ritos e procedimentos especialmente desenhados, códigos de linguagem particulares e um conjunto restrito de atores autorizados a tomar parte nos litígios.

Associado a essa questão está o fato de que a judicialização das violações de direitos humanos nos sistemas internacionais adiciona ao conflito um componente de indisfarçável natureza política. Este aspecto relaciona-se não apenas ao fato de que esses litígios envolvem os Estados como uma das partes, mas diz respeito também ao tipo de atuação possível frente a essas entidades, dotadas que são de soberania. Nesse sentido, o que está em questão não é apenas a responsabilização no caso concreto, embora este seja um aspecto essencial; a invocação à negociação entre as partes e a reafirmação do compromisso com os direitos humanos, por parte do Estado denunciado, é outra faceta do litígio. Ou seja, o Estado não é visto simplesmente como o réu que se defende da acusação sofrida e sobre quem se imputam sanções, mas, antes, como um agente decisivo na concertação de medidas que permitam a superação das situações de violação constatadas e, ademais, que possam prevenir ocorrências similares no futuro.

Há de se ter em conta, em terceiro lugar, o fato de esses litígios promoverem o deslocamento do conflito original entre um indivíduo (ou grupo de indivíduos) e outros indivíduos, grupos organizados ou agentes estatais específicos para um conflito direto com o Estado. Isso ocorre porquanto a suposta violação de direitos humanos examinada pelos órgãos internacionais usualmente emerge da falha ou insuficiência na atuação do Estado, principalmente ao lidar com o processamento de conflitos anteriores. Não por acaso, entre os vários aspectos desta deficiência na ação estatal, quase sempre se encontra a violação do direito à justiça dos cidadãos, em decorrência de problemas na atuação dos órgãos nacionais encarregados de investigar, denunciar, processar ou punir práticas e comportamentos lesivos de terceiros.

Contribui ainda para a modulação nitidamente política dos litígios internacionais em prol dos direitos humanos o fato de que organizações não governamentais costumam atuar

como representantes jurídicas das vítimas.18 Alguns estudos já apontaram que, sendo as

organizações de defesa de direitos um dos principais agentes responsáveis por impulsionar a luta pela mudança na situação dos direitos humanos frente aos Estados, elas atuam nos fóruns internacionais não apenas para amparar os legítimos direitos da vítima e criar precedentes jurídicos, mas visam também, do ponto de vista político, a oportunidade de fazer dos diferentes casos episódios exemplares que tenham impacto sobre a lei, a política pública e a sociedade, ou sobre uma causa específica, o que tem sido chamado de litígio estratégico ou ativismo jurídico

internacional (SANTOS, 2007; SIKKINK, 2006; CONTRERAS, 2011). Nas palavras de

Santos (2007):

Por ativismo jurídico transnacional refiro-me a um tipo de ativismo focado na ação legal engajada, através das cortes internacionais ou instituições quase judiciais, em fortalecer as demandas dos movimentos sociais; realizar mudanças legais e políticas internas; reestruturar ou redefinir direitos; e/ou pressionar os Estados a cumprir as normas internacionais e internas de direitos humanos. [...] O ativismo jurídico transnacional pode ser visto como uma tentativa não simplesmente de remediar abusos individuais, mas também de (re)politizar ou (re)legalizar a política de direitos humanos ao provocar as cortes internacionais ou sistemas quase judiciais de direitos humanos e levá-los a agirem diante das arenas jurídicas e políticas nacionais e locais (SANTOS, 2007, p. 28).

Finalmente, um último elemento que imputo decisivo na caracterização dos litígios internacionais em prol dos direitos humanos remete à complexa rede de atores envolvidos. Aqui, além dos atores e seus papéis, me refiro particularmente aos variados interesses específicos que permeiam sua configuração. Na realidade, o processo perante a Corte IDH é protagonizado pela CIDH e pelos Estados; no entanto, as supostas vítimas e/ou seus representantes também têm direito a participar nessa instância do sistema. Embora as demandas só possam ser apresentadas à Corte pela Comissão ou pelos Estados-parte, as supostas vítimas podem apresentar, de forma autônoma, o seu escrito de petições, argumentos e provas, e atuar assim durante todo o seu curso.

18 Embora as instâncias internacionais garantam o direito de petição individual (possibilidade de as pessoas encaminharem denúncias de próprio punho aos órgãos competentes), os altos custos financeiros e técnicos necessários para suportar o trâmite de um processo internacional contribuíram para tornar as entidades de defesa de direitos um dos principais atores nos fóruns de proteção dos direitos humanos, atuando como representantes das vítimas (ou de seus familiares) ou como copeticionárias. No caso específico do Sistema Interamericano, inclusive, qualquer entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais dos Estados-membro da