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2.1 DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA-ADMINISTRATIVA: REQUISITO DO

2.1.3 Descentralização das competências ambientais

A Constituição Federal de 1988 recepciona a PNMA e, ao estabelecer a proteção ambiental como competência comum da União, estados e municípios, apresenta caráter descentralizador consolidando espaço legal para governos estaduais e municipais se engajarem na elaboração e execução da política ambiental (TONI; PACHECO, 2005). A descentralização consolidada na Constituição Federal é resultado da redemocratização do Estado brasileiro e das discussões sobre a questão ambiental que ocorreram no país e no mundo durante as décadas de 1970 e 1980.

“A repartição de competência origina-se do princípio federativo, que consiste em uma forma de Estado Federal ou Federação, caracterizada pela união dos Estados-membros, dotados de autonomia política constitucional” (STRUCHEL, 2016, p. 25). Ao contrário do padrão dominante bigovernamental, composto por governos central e regionais, o modelo de federalismo trino foi o adotado pelo Brasil, onde os municípios, estados e União têm a mesma autonomia.

Em consequência do federalismo trino, o aparato do Estado brasileiro apresenta complexa arquitetura institucional, composto atualmente por 5.570 municípios, 26 Estados e o Distrito Federal (NEVES, 2012). Tendo em vista as mais variadas realidades institucionais, ambientais, socioeconômicos abrangidas por este modelo além da complexidade dessas relações, a descentralização não vem ocorrendo de forma uniforme.

Consagrando o princípio da descentralização, a Constituição Federal (CF) ao estabelecer o federalismo cooperativo deixou claro que as Entidades Federativas deveriam compartilhar responsabilidades sobre a condução das questões ambientais desta forma, repartiu competências entre os entes federados (MILARÉ, 2016). As competências constitucionais em matéria ambiental estão divididas em: competência legislativa (privativa e concorrente/suplementar) e a competência administrativa comum.

A competência privativa está descrita no art. 22 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) determinando que compita privativamente a União legislar sobre águas, energia, jazidas, minas, outros recursos minerais e atividades nucleares de qualquer natureza. A competência legislativa concorrente/suplementar está definida no artigo 24 da Constituição Federal na qual está determinado que Estados e União possam legislar concorrentemente em matéria ambiental, aos municípios coube esta competência em caráter suplementar.

O artigo 23 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) estabelece como responsabilidade executiva de competência comum, dentre outras: proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; preservar as florestas, a fauna e a flora [...].

A competência comum estabelece uma comunhão na gestão das matérias descritas no artigo 23, ou seja, a Constituição Federal determina que os entes federados devem agir cooperativamente e em conjunto na administração do meio ambiente e não de forma separada. O texto constitucional estabeleceu que fosse necessária uma Lei Complementar para a regulamentação da competência comum. Durante vinte e três anos a inexistência de tal Lei Complementar, foi considerada por muitos juristas um entrave a descentralização da gestão ambiental brasileira.

A ausência de regulamentação das competências comuns causava vazia e duplicidades de ações além da chamada paralisia administrativas causadas por inúmeras ações judiciais contestando a competência de determinado ente para executar alguma ação. Para Antunes (2016) a competência comum representou muitas vezes uma verdadeira armadilha pois a atribuição de todos acabava se transformando em atribuição de ninguém. Na mesma direção, Carvalho (2017) afirma que conflitos institucionais são inerentes às reponsabilidades comuns. A regulamentação do artigo 23 da Constituição Federal só ocorreu no ano de 2011 com a sanção da Lei Complementar nº 140 (BRASIL, 2011) que fixou normas, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.

A Lei Complementar Federal nº 140 (BRASIL, 2011) indica em seu artigo terceiro, quatro objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no exercício da competência comum:

promovendo gestão descentralizada, democrática e eficiente; II. Garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais; III. Harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente; IV. Garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País, respeitadas as peculiaridades regionais e locais (BRASIL, 2011).

Entre as finalidades citadas no parágrafo anterior a de “evitar sobreposições de atuação entre os entes federativos” é uma das contribuições mais importantes trazidas pela Lei Complementar Federal nº 140 (BRASIL, 2011) que buscou elucidar o papel de cada ente federativo definido atribuições específicas e comuns além de trazer os conceitos de: atuação supletiva, onde a atuação de um ente da federação substitui ao ente federativo originalmente detentor das atribuições; e de atuação subsidiária onde a ação do ente da Federação que visa a auxiliar no desempenho das atribuições decorrentes das competências comuns, quando solicitado pelo ente federativo originariamente detentor das atribuições (MOURA, 2017).

Antes da edição da Lei Complementar Federal nº 140 (BRASIL, 2011) a atuação na

esfera ambiental era marcada pela insegurança jurídica advinda de diversos conflitos de competência como, por exemplo, autuações cumulativas do Ibama e órgão ambientais estaduais e municipais de meio ambiente e aplicações de diversas sanções administrativas a um único empreendimento decorrentes da mesma infração ambiental (MOURA, Op. cit.). No entanto, a Lei Complementar nº 140 (BRASIL, 2011) não conseguiu evitar todas essas sobreposições, duplicidades e até mesmo intervenções tríplices, como destaca Machado (2016) algumas matérias não tiveram a delineação das atribuições administrativas como “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem riscos para vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei” estando esta competência prevista para a União, Estados e Municípios, sendo assim enquanto não houver lei adequada para regulamentar essa matéria conflitos de competência podem ocorrer no que diz respeito a licença ambiental ou autorização ambiental somente por um único ente federativo.

A Lei Complementar Federal nº 140 (BRASIL, 2011) embora não tenha solucionado todos os conflitos inerentes as competências comuns de matéria ambiental, reforçou o caráter cooperativo entre os entes federativos evitando a excessiva cultura centralizadora. Através da referida Lei Complementar os seguintes instrumentos de cooperação institucional foram estabelecidos:

administrativos entre entes federados para melhor efetivação do serviço público; • Convênios, acordos de cooperação técnica e instrumentos similares. Convênio de

modo geral pode ser caracterizado como um ajuste bilateral entre o Poder Público e entidades públicas ou privadas caracterizada com o intuito de recíproca cooperação, visando a um fim de interesse comum. Convencionou-se chamar de convênios os ajustes com repasses financeiros e de acordo de cooperação técnica os convênios onde não há repasses financeiros (MILARÉ, 2016);

• Comissões Tripartite Nacional, Tripartites Estaduais e Bipartites do Distrito Federal. A Comissão Tripartite Nacional é composta por representantes dos Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios de forma paritária. As Comissões Tripartites Estaduais são constituídas paritariamente, por representantes dos Poderes Executivos da União, dos Estados e dos Municípios e Comissão Bipartite do Distrito Federal formada, paritariamente, por representantes dos Poderes Executivos da União e do Distrito Federal. As comissões têm como objetivo fomentar a gestão ambiental descentralizada no país criando espaços institucionais de diálogo entre os entes federados, em busca de uma gestão compartilhada na área ambiental (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012);

• Fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos. Desta forma pode haver fundos criados a partir da articulação de entes federados para financiamento de ações de fiscalização, implementação de políticas e gestão ambiental;

• Delegação de atribuições de um ente federativo a outro. A delegação de atribuições ocorre geralmente com o intuito de diminuir as atribuições de uma instancia administrativa hierarquicamente superior que em geral, principalmente em países de grandes extensões territoriais encontram-se sobrecarregadas. A delegação especifica a matéria delegada, duração da delegação seus objetivos e limites (MILARÉ, p. 652, 2016);

• Delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro. O ente federativo poderá delegar, mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas na Lei Complementar nº140 (BRASIL, 2011), desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a executar as ações administrativas a serem delegadas e de conselho de meio ambiente. Considera-se órgão ambiental capacitado, aquele que possui técnicos próprios ou em consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações

administrativas a serem delegadas.

Neves (2014) ressalta que a Lei Complementar Nº 140 (BRASIL, 2011) está voltada para as atribuições referentes ao controle ambiental não elucidando questões como fontes de financiamento do Sisnama, mecanismos de coordenação horizontal na esfera federal, mecanismos de cooperação intergovernamental, sistemas de compensação de desigualdades de capacidades e sistemas de freios e contrapesos. As questões levantadas pela autora são verdadeiros entraves a descentralização que necessitam de um ato normativo mais efetivo.

Estas são críticas ao processo de descentralização da gestão ambiental no Brasil que está sendo forçada de cima para baixo, sem a observação das capacidades de governança das esferas estaduais e municipais. Como consequência, na opinião dos autores, a descentralização estaria sendo apenas transferência de responsabilidades sem recursos em vez de um compartilhamento de competências, ocorrendo de forma pontual e sem uniformidade exigindo assim um ato normativo mais objetivo e definitivo (SMITT; SCARDUA, 2015; AZEVEDO et al, 2007).

Algumas áreas da política ambiental e da gestão ambiental brasileira já se encontram mais avançadas em relação à descentralização, uma delas é o licenciamento ambiental que segundo Azevedo et al (2007) já nasceu descentralizado. No tópico seguinte estão descritos aspectos técnicos e jurídicos sobre o licenciamento ambiental e os principais desafios a sua efetividade.