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Desconsiderando o pensamento como atividade voluntária das faculdades

Aventuras criadoras: sobre a intensidade dos encontros.

II. Desconsiderando o pensamento como atividade voluntária das faculdades

intelectivas e não universalizada, Gilles Deleuze demonstra em Proust e os Signos que o ato do pensamento, assim como a criação do mesmo, se dá em um processo inventivo. Para conceituar tal posicionamento o autor modifica nesse livro os conceitos estruturais do modelo representativo. São eles: signo, verdade e essência. Ele entende que a imagem do pensamento não direciona somente o pensamento através de seu conjunto de coordenadas, mas elas também norteiam as possibilidades criativas do pensar; algo que contraria por completo a perspectiva do filósofo que vê uma ligação direta do pensamento com o processo de criação. Para Deleuze, pensar é criar; pensamento é criação. Assim, a principal nuance do pensamento é a sua capacidade de construir uma potência criadora que se realiza no ato de pensar. Longe da recognição, pois o ato de pensar se relaciona com ação de criação e não com a faculdade de reconhecimento. Na batalha travada contra a representação o filósofo visa denunciar em Proust e os

Signos as características da imagem representacional e ressaltar outra imagem de

pensamento. Imagem essa que ele encontrou na literatura proustiana, onde o escritor exalta a potência criadora do pensamento através das pulsões dos signos ao invés do reconhecimento das essências. Acerca da teoria dos signos adverte Roberto Machado:

Por que essa importância dada aos signos (...)? A razão é a mesma de todos os estudos de Deleuze: o signo – ou, a partir de Diferença e repetição, a intensidade – é o que força o pensamento em seu exercício involuntário e inconsciente, isto é, transversal. Só se pensa sob pressão. Na gênese do ato de pensar está a violência dos signos sobre o pensamento. A tese central do livro a respeito da relação entre signo e pensamento é enunciada claramente na “conclusão” da primeira parte: é o encontro contingente com o que força a pensar que produz a necessidade de um ato de pensamento; fazendo violência ao pensamento, os signos forçam a pensar ou a buscar o sentido ou a essência (...) (MACHADO, 2009, p. 197).

A ideia de transversalidade caracteriza o pensamento deleuziano por propor um funcionamento específico para o ato reflexivo, em que o saber filosófico só se realiza através da comunicação e da interferência das outras áreas. É importante notar

87 que “a exterioridade das relações é um tema constante em Deleuze desde o seu primeiro livro (ES, 109), quer se trate de pensar ou de viver, o que sempre está em jogo é o encontro, o acontecimento, portanto a relação enquanto exterior aos seus termos” (ZOURABICHVILI, 2016, p. 52). A teoria filosófica deleuziana é de uma filosofia pluralista, sem hierarquia, diferencial, não-disciplinar e com diversificados referenciais; que entende filosofia como uma prática e essa mesma prática de se fazer filosofia como uma ação e não como uma reflexão passiva sobre algo distante. Deleuze defende o entendimento da filosofia como “a prática dos conceitos, e é preciso julgá-la em função das outras práticas com as quais ele interfere (...). É no nível da interferência de muitas práticas que as coisas se fazem, os seres, as imagens, os conceitos, todos os tipos de acontecimentos” (DELEUZE, 1985, p. 365). Ao citar a palavra interferência Deleuze traz à tona a discussão sobre os signos produzidos nos encontros com o de-fora; encontros com a arte, com a literatura. Os signos literários presentes no romance de Proust serviram para Deleuze enquanto apropriações possíveis para as suas teorizações. Ali o filósofo afirma o encontro com o signo como a condição aberta para o pensamento, mesmo não sendo possível prever o que resultará dessa experiência e nem qual tipo de sentido resultará do encontro.

Proust e os Signos é a primeira obra em que Deleuze apresenta uma teorização

sobre o conceito de signo. Publicada em 1964 com o título Marcel Proust e os Signos ganhou novo formato em sua segunda edição, em 1970, na qual foi acrescentada uma segunda parte designada “A máquina literária”. Proust e os Signos compõem os seus escritos de sua juventude juntamente com Nietzsche e a Filosofia, de 1962, e A filosofia

crítica de Kant, de 1963. Longe de ser um escrito puramente racionalista o autor

desenvolve seu pensamento filosófico a partir da análise dos romances proustianos, em especial Em busca do tempo Perdido; enfatizando logo nas primeiras linhas a aliança com as artes e com a literatura. Vejamos o comentário de Machado sobre o livro:

Proust e os Signos, um dos primeiros livros de Deleuze e o primeiro a tratar de literatura ou de arte, é um dos exemplos mais brilhantes do projeto de incorporar o não-filosófico ao pensamento filosófico. Ao interpretar a Recherche de Proust como uma busca inconsciente e involuntária da verdade, e ver nesse procedimento uma “dimensão filosófica” ou uma crítica “eminentemente filosófica” da filosofia. Deleuze ainda não havia formulado com clareza sua teoria diferencial das formas de pensamento, que distingue a filosofia da literatura pela diferença entre conceito e sensação. No entanto, é interessante encontrar em um livro sobre um escritor, no momento em que sua filosofia se formava, a presença já tão clara dos princípios que norteiam sua crítica da imagem do pensamento em nome de um pensamento sem imagem (...). Isso significa que ele considera a grande obra de Proust não só um sistema de pensamento, mas principalmente uma criação literária que se

88 opõe à filosofia da identidade e da representação. Assim, se ele torna a Recherche um instrumento da formulação de sua própria filosofia da diferença, é por encontrar nela um tipo de pensamento em que as faculdades entram num exercício transcendente, cada uma atingindo seu limite (MACHADO, 2009 p. 194).

Com essa publicação Deleuze dá um passo além do consenso filosófico e encontra no romance um rico embasamento que lhe serve para a criação de conceitos. Ele efetiva concretamente uma das suas principais propostas teóricas: a transformação transcendental do pensamento quando o mesmo é elaborado a partir das alianças formadas com o de fora, com um material, em princípio, não filosófico stricto senso. O princípio interpretativo original de Deleuze com essa obra consiste em criar um livro filosófico que utilizasse a arte para pensar a filosofia, e não ao contrário: a filosofia para pensar a arte - procedimento corriqueiro nas obras críticas e estéticas. Mas sem desmerecer a importância de nenhuma área, o que é percebido nessa obra e ao longo de seus escritos. Comenta a pensadora Anne Sauvagnargues:

De Marcel Proust et les signes, em 1964, a Kafka, pour une littérature

mineure, que escreve em colaboração com Guattari em 1975, Deleuze

inventa razões para teorizar a literatura e propõe métodos surpreendentes para ajustar filosofia e literatura sem confundi-las nem subordiná-las. As modificações do seu trabalho sobre Proust oferecem um bom modelo desse uso bastante particular da retomada do texto perpétuo que caracteriza a elaboração do seu pensamento (SAUVAGNARGUES, 2005, p. 15, tradução nossa).17

Em Proust e os Signos Deleuze rompe com o curso de suas obras anteriores em que se dedicou a trabalhos monográficos sobre autores cânones da tradição. Segundo a comentadora Anne Sauvagnargues “há uma trajetória realmente determinante, que se refere ao status do signo e à sua passagem do registro da interpretação ao da força. Os estudos dos anos mil novecentos e sessenta expõem uma filosofia do signo naturalmente atenta à sua expressão literária” (SAUVAGNARGUES, 2005, p. 14, tradução nossa)18,

onde afirmou o filósofo que “Proust, Nietzsche, Sacher-Masoch, Zola e Tournier são para a filosofia a oportunidade de uma reforma da imagem do pensamento”

17

De Marcel Proust et les Signes, em 1964, (..) à Kafka, Pour une littérature mineure, qu‟il‟ écrit em collaboration avec Guattari em !975, Deleuze invente des raisons de théoriser la littérature, et propose des méthodes saisissante pour ajuster philosophie et littérature sans les confondre, ni les subordonner. Les remaniments de son travail sur Proust offrent un bom modèle de cet usage très particulier de la reprise, du texte perpétuel qui caractérise l‟élaboration de as pensée (SAUVAGNARGUES, 2005, p. 15).

18 “Il y a là une trajectorie vraiment déterminante, qui concerne le statut du signe et son passage du

resgistre de l‟interpretárion à celui de la force. Les études des années mille neuf cent soixante exposent une philosophie du signe naturrellment attentive à son expression littéraire” (SAUVAGNARGUES, 2005, p. 14).

89 (SAUVAGNARGUES, 2005, p. 14, tradução nossa)19. Na sequência de seus trabalhos e “a partir do Anti-Édipo, Artaud e Kafka tornam-se os heróis de uma luta contra a interpretação que transforma o status da literatura: „experimentem, nunca interpretem!‟” (SAUVAGNARGUES, 2005, p. 14, tradução nossa).20 Ora, em Proust e os Signos Deleuze desvia-se pela primeira vez da “filosofia bruta” ao voltar-se para a literatura, mas sem perder a filosofia do seu horizonte. A apropriação que Deleuze faz do romance

Em Buscado do Tempo Perdido de Marcel Proust destaca uma das principais

características da produção teórica do filosofo: apropriar-se da filosofia ou da não filosofia, fazer torsões no pensamento de outrem de modo que se ajuste ao seu próprio. Deleuze desloca os conceitos e os modificam até assumirem características outras em comparação a sua versão primeira, melhor dizendo, versão originária.

O pensador-filósofo encontrou no romance do pensador-literato fissuras capazes de destituir, deslocar, os pressupostos da imagem representacional através da inversão dos conceitos de signo, essência e verdade, que compõem a estrutura representacional. Há principalmente uma torsão realizada com o conceito de signo, que reverberou para os demais conceitos estruturais da representação. Apronta-nos François Zourabichvili que “o que escapa à representação é o signo. O mundo exterior devém interessante quando ele faz signo e perde, assim, sua unidade tranquilizadora (...) com a condição de ser sensível a isso, o mundo não para de fazer signos e se compõe de signos” (ZOURABICHVILI, 2016, p. 65). Em Diferença e Repetição encontramos um trecho que trata a violência que movimenta e impulsiona o pensamento à criação; violência decorrente sempre de um encontro que provoca o pensamento. Encontro: categoria de fundamental importância para a ruptura do modelo representativo, pois “encontrar não é reconhecer: é a própria prova do não-reconhecível, o que expõe em xeque o mecanismo da recognição (não mais um simples fracasso como no caso do erro)” (ZOURABICHVILI, 2016, p. 65). Realizando uma intercessão entre as duas obras arriscamos pensar a ideia de signo presente em Proust e os Signos através do trecho de Diferença e Repetição. Dessa forma, o movimento do signo poderia ser entendido nas palavras que se seguem:

19 “Proust et Nietzsche, Sacher-Masoch, Zola, Tournier sont l‟occasion pour le philosophie d‟une réforme

de l‟image de la pensée” (SAUVAGNARGUES, 2005, p. 14).

20 “À partir de L‟Anti-Edipe, Artaud et Kafka devinnent les héros d‟une lutte contre l‟interprétation qui

transforme le statut de la littérature: „expérimentez, n‟interprétez jamais!‟” (SAUVAGNARGUES, 2005, p. 14).

90 O que é primeiro no pensamento é o arrombamento, a violência, é o inimigo, e nada supõe a Filosofia; tudo parte de uma misosofia. Não contemos com o pensamento para fundar a necessidade relativa do que ele pensa; contemos, ao contrário, com a contingência de um encontro com aquilo que força a pensar, a fim de erguer e estabelecer a necessidade absoluta de um ato de pensar, de uma paixão de pensar. As condições de uma verdadeira crítica e de uma verdadeira criação são as mesmas: destruição da imagem de um pensamento que pressupõe a si próprio, gêneses do ato de pensar no próprio pensamento (DELEUZE, 2006, p. 203).

O romance de Marcel Proust lhe serviu de aliado para revestir esses conceitos a fim de inseri-los em seu projeto teórico, o que Deleuze realizou com esmero na obra supracitada. Uma escolha não ingênua do filósofo uma vez que a literatura fortaleceu seu projeto diferencial para os rumos da filosofia, em que “a ressonância produzida por [ele] entre a filosofia e a não filosofia consistiu em transformar em conceitos o exercício não conceitual de pensamento existente nesses outros domínios” (MACHADO, 2009, p. 194). Não como uma obra experimental, mas como uma obra crítica, Proust e os Signos se coloca para além dos limites do que é filosofia, sobre como se faz filosofia e sobre como se pensa filosofia. Ele nos evidencia o propósito deleuziano que considerou a experimentação uma fonte criativa e criadora capaz de renovar o fazer filosófico através de uma obra artística literária. O deslocamento “dos meios” para o exercício do pensamento filosófico frutifica a reversão do pensamento crítico e do seu percurso, realçando a revisão da imagem clássica do pensamento pelas ferramentas literárias; culminando na inversão dos papeis: não mais a arte dependeria da crítica, mas a crítica dependeria da arte. Impõe à crítica um novo lugar e impõe à arte um novo princípio, um princípio fomentador de pensamento. Isso porque, comenta Lapoujade, seu interesse não estava voltado em realizar uma análise filosófica de uma obra literária, mas em se apropriar dela. Vejamos o comentário:

Seu livro sobre Proust poderia se chamar se chamar “Lógica dos signos”. Ele não busca estabelecer nem a estrutura narrativa da Recherche, nem uma profundidade qualquer de análise psicológica, mas quer produzir a lógica que ela envolve como numa crisálida. E quanto mais ele a estuda, mais essa lógica acaba se confundindo justamente com os movimentos aberrantes da loucura, não de Proust, mas de seu narrador (LAPOUJADE, 2015, p. 12). Aponta a perspectiva deleuziana que a filosofia estaria viciada em uma única maneira de fazer filosofia, sempre se voltando a problemas que foram de antemão colocados e que sua consistência se daria no diálogo que autor travou com obras de outros autores filosóficos. A não-filosofia serviria apenas como referências de cunho lírico para abrilhantar o texto, e mesmo assim pouco utilizadas. Sem um diálogo justo

91 entre a filosofia e a não-filosofia o discurso que reverbera mais alto teria de ser o filosófico e a não-filosofia teria voz quando o seu conteúdo se assemelhasse ao que estava sendo exposto pela filosofia. Deleuze modifica tais rumos em Proust e os Signos ao eleger um literato como foco de crítica do exercício do pensamento filosófico, instaurando uma reversão abrupta da orientação habitual da filosofia ao entender o romance como uma categoria de inteligência do pensamento e produtor de verdades possíveis. Ressalta que “sob todas as formas, a inteligência só alcança por si própria, e nos faz atingir, as verdades abstratas e convencionais, que não têm outro valor além do possível” (DELEUZE, 2010, p. 29). Seu interesse no romance não está somente em reconfigurar a relação de posicionamento entre literatura e filosofia, Deleuze utiliza a literatura proustiana para denunciar os limites, as lacunas, aquilo que falha no pensamento filosófico e que a filosofia não consegue enxergar como seu próprio limite. Às avessas entra em questão a inferioridade da filosofia com relação à arte quando a arte desmistifica a superioridade da filosofia ao evidenciar os limites e incapacidades desse saber. Encontrando na obra artística uma quantidade de emissão de signos que não havia encontrado nas outras esferas do pensamento humano Deleuze efetiva sua defesa da arte ao supervalorizá-la21.

Deleuze exalta seu encontro com Proust. Segundo Gilles Deleuze “Proust constrói uma imagem do pensamento que se opõe à da filosofia, combatendo o que há de mais essencial numa filosofia clássica de tipo racionalista: seus pressupostos” (DELEUZE, 2010, p. 88). Contudo, é um equívoco considerar que Deleuze afirma uma superioridade da arte com relação à filosofia ao longo de suas obras. No meio da disputa dessas duas áreas o seu intuito é demonstrar para a filosofia quais são os aspectos da arte que a auxiliam na produção do pensamento, assim como a valorização da arte como categoria do saber. Melhor dizendo, seu interesse é de demonstrar que na arte há elementos que passam por cima da assimilação da filosofia, mas que ao mesmo tempo podem contribuir para que a filosofia afine seus conceitos e teorias. Quer dizer, a arte contribui para o aprimoramento do pensamento filosófico, mas de outra forma: de uma

21

Na primeira parte de seus trabalhos um de seus interesses era a produção de pensamento que consistia na emissão dos signos. Pensou o filósofo que “o que nos violenta é mais rico do que todos os frutos de nossa boa vontade ou de nosso trabalho aplicado; e mais importante do que o pensamento é „aquilo que faz pensar‟” (DELEUZE, 2010, p.29). Encontrou na arte o deleite fluido da criação e a afetação dos signos, e reconheceu na filosofia um enrijecimento teórico. Contudo, esse posicionamento é ressignificado após seu encontro com Félix Guattari. Juntos os autores trabalham no livro O que é

Filosofia? (1991) uma relação horizontal entre filosofia, arte e ciência e suas contribuições para a

92 forma que o pensamento sistemático não está habituado. Enquanto a filosofia tem sua estrutura enraizada e suas teorias instauradas através de conteúdos maciços e contundentes, a voluptuosidade das matérias livres da arte lida melhor com os atravessamentos dos signos, além de emiti-los em maior quantidade. Os signos: frutos do inesperado e do fluído. Por trabalhar com a produção de sensação em sua relação singular com o espectador, não é possível dimensionar quantos signos uma obra de arte é capaz de emitir para certo sujeito. Mas uma vez sensibilizado pelos signos o sujeito afetado passa a interpretá-los. Deleuze demonstra seu posicionamento acerca da afetação e interpretação dos signos não com suas palavras, mas em um longo e belo trecho de Marcel Proust, e que vale citação:

Porque as verdades diretas e claramente apreendidas pela inteligência no mundo da plena luz são de qualquer modo mais superficiais do que as que a vida nos comunica à nossa revelia, numa impressão física, já que entrou pelos sentidos, mas da qual podemos extrair o espírito. (...) Era mister tentar interpretar as sensações como signos de outras tantas leis e idéias, procurando pensar, isto é, fazendo sair da penumbra o que sentira, convertê-lo em seu equivalente espiritual. (...) Pois reminiscências como o ruído do garfo e o sabor da madeleine, ou verdades escritas por figuras cujo sentido eu buscava em minha cabeça, onde campanários, plantas sem nome, compunham um alfarrábio complicado e florido, todas, logo de início, privavam-me da li-

berdade de escolher entre elas, obrigavam-me a aceitá-las tais como me

vinham. E via nisso a marca de sua autenticidade. Não procurara as duas pedras do calçamento em que tropeçara no pátio. Mas o modo fortuito,

inevitável, porque surgira a sensação, constituía justamente uma prova da

verdade do passado que ressuscitava das imagens que desencadeava, pois percebemos seu esforço para aflorar à luz, sentimos a alegria do real re- capturado. (...) Do livro subjetivo composto por esses sinais desconhecidos (sinais em relevo, dir-se-ia, que minha atenção procurava, roçava, contornava como um mergulhador em suas sondagens) ninguém me poderia, com regra alguma, facilitar a leitura, consistindo esta num ato criador que não admite suplentes nem colaboradores... Por possuírem apenas uma verda- de lógica, uma verdade possível, as idéias selecionadas pela inteligência pura são selecionadas arbitrariamente. O livro de caracteres figurados, não

traçados por nós, é o nosso único livro. Não que as idéias por nós elaboradas

não possam ser logicamente certas, mas não sabemos se são verdadeiras. Só a impressão, por mofina que lhe pareça a matéria e inverossímeis as pegadas, é um critério de verdade e como tal deve ser exclusivamente apreendida pelo espírito, sendo, se ele lhe souber extrair a verdade, a única apta a conduzi-lo à perfeição e enchê-lo da mais pura alegria (Proust, M. O tempo redescoberto, apud DELEUZE, 2010, p. 90).

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