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Desconstrução perspéctica na abordagem à representação espacial

O resultadO da reutilizaçãO da tecnOlOgia visual dO desktop scanner

4.4 Desconstrução perspéctica na abordagem à representação espacial

“a perspectiva é, essencialmente, uma forma de abstracção. ela simplifica a relação entre o olho, o cérebro e o objecto. É uma visão ideal, imaginada como sendo vista por uma pessoa com visão monocular e imóvel, que está claramente distanciada daquilo que vê. ela faz do espectador um deus, que se torna na pessoa para a qual o mundo inteiro converge, o espectador impassível. a perspectiva reúne os factos visuais e estabiliza-os, tornando-os num campo unificado. O olho é claramente distinto desse campo, como o cérebro é separado do mundo que contempla.”

[Huges, 1980: 57 in Jenks, 1995: 8]

a abordagem da imagem fotográfica partilha esta noção de perspectiva avançada por Huges. Por outro lado, as construções imagéticas criadas neste projecto não seguem esta definição, apresentando uma desconstrução perspéctica sobre os moldes em que Huges a define, colocando o olhar perante uma nova realidade construtiva que obriga a repensar a forma como lemos uma imagem. “as imagens são mediações entre o homem e o mundo.”115 de certa forma o nosso

olhar é educado a mediar a realidade por canais amplamente difundidos, que apresentam a imagem segundo a noção perspéctica defendida por Huges, quer sejam a imagem fotográfica, cinematográfica, televisiva ou outros meios que partilham esta forma de representação. “a fotografia é, em muitos aspectos, a realização mecânica da perspectiva.”116

“no entanto, embora possa parecer uma representação realista do mundo, a perspectiva é uma forma altamente redutora e abstracta de representação. É

115 Flusser, 1998 [1983]: 29 116 sturken & cartwright, 2001 : 118

uma convenção que faz com que as imagens que usem perspectiva pareçam realidade. entre outras coisas, a perspectiva reduz a relação entre o olho e objecto a uma única troca no espaço. O espectador, situa-se na perspectiva, como tendo uma vista de um sítio específico. Muitos historiadores de arte defendem que a visão humana é infinitamente mais complexa do que esta noção de espectador parado. Quando olhamos, os nossos olhos estão em constante movimento, e qualquer visão que tenhamos é composta por vários pontos de vista e olhares diferentes.”117

O mundo da perspectiva, definido pelo princípio óptico renascentista de representação clássica da imagem, abordado no capítulo 2, exprime a vontade de estabilização na forma de interpretar a realidade. contudo, o acto de ver é altamente mutável e contextual, não se limita a um só instante no espaço e no tempo. as presentes imagens não se regem por essa convenção de perspectiva, sendo que o olhar não encontra os códigos habituais para a construção de sentido na leitura de imagens. Mas, mesmo sem uma relação directa com esse códigos atribuidores de sentido, estas não deixam de ser inteligíveis. O olhar consegue ler a imagem, mas sem deixar de questionar a sua natureza, precisamente pelo facto de conseguirmos encontrar sentido numa diferente abordagem espacial em relação aos tipos de imagens e representações do espaço a que estamos habituados. isto corresponde, de certa forma, a uma expectativa pré-definida de como deve parecer uma imagem que represente o mundo. resulta daí a atribuição da característica de fidelidade a uma imagem fotográfica, fruto de um processo de educação visual onde é acordada a forma tida como correcta de representar a realidade através de imagens, como iremos

explorar mais à frente no subcapítulo 6.3, sobre o conceito de representação fiel do real.

a afirmação de Huges, citada no início deste subcapítulo, onde este sustenta que a perspectiva reúne e estabiliza os factos visuais, tornando-os num campo unificado - onde o olho é claramente distinto desse campo, como o cérebro é separado do mundo que contempla - poderá levantar a seguinte dúvida: até que ponto as representações da realidade serão diferentes do que realmente vemos? abre-se aqui espaço para questionar se as presentes construções imagéticas poderão estar mais próximas da forma como vemos o mundo e nos relacionamos visualmente com o espaço, do que está a imagem fotográfica com o seu rigor perspéctico de ângulo único de visão.

a própria forma como o desktop scanner se relaciona com o campo visual aproxima-se da forma como vemos o mundo, movimentando-se, como o nosso olhar o faz (embora o olhar não siga necessariamente percursos lineares), à medida que o vai registando num espaço aberto, como um todo, de forma construtiva e sequencial, percorrendo o espaço ou objectos à medida que os capta. nas presentes construções imagéticas estamos perante outra forma de

representar o que nos rodeia, captando a realidade segundo um outro paradigma construtivo, com uma articulação espacio-temporal diferente de outros tipos de produção imagética. assim, estas imagens, mais do que desconstruir, captam a realidade segundo uma outra ordem de relação espacial da imagem fotográfica e em toda a imagética baseada na perspectiva renascentista, ensaiando novos modelos de interpretação da percepção.

Perante os diferentes conteúdos retratados e os resultados obtidos defendemos que as características deste processo traduzem-se em diferentes particularidades de acordo com o que se pretende captar. como exemplo, uma paisagem onde a captação é feita com o dispositivo a movimentar-se pelo espaço resulta num tipo de imagem diferente do resultado obtido quando o dispositivo gira em torno de um rosto, registando-o na totalidade. são ambas imagens totais que nos dão um novo modo de percepção de um lugar, pessoa ou objecto. como tal, mais do que realçar uma temática que seja particularmente beneficiada por este processo, importa antes referir aqui, a forma como a condução do dispositivo, por aquilo que se pretende retratar, contribui para as especificidades próprias da imagem. uma vez descritas e analisadas as características das imagens obtidas com o

desktop scanner ficou claro o potencial contido neste dispositivo visual para a

captação da realidade exterior. todavia, como o fizemos sem qualquer alteração à sua morfologia e lógica de funcionamento interno, por conter em si a

capacidade para o fazer sem qualquer tipo de alteração técnica, deparamo-nos com a limitação do tempo máximo para um registo (nos desktop scanners usados corresponde ao tempo que o sensor demora a percorrer a área da superfície de digitalização pré-definida, equivalente a uma folha a4).

com o interesse da investigação focado nas particularidades diferenciadoras das imagens obtidas, mais do que no dispositivo visual em si, procurámos um dispositivo ou sistemas que conseguissem replicar a mesma relação

espácio-temporal evidenciada no uso do desktop scanner, e ultrapassar as suas limitações, o que nos levou à técnica slit scan, que iremos abordar mais à frente no capítulo 5. em seguida, no subcapítulo 4.5, apresentaremos as construções imagéticas produzidas com o desktop scanner.

4.5 Construções imagéticas produzidas com o desktop scanner