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imagem contínua e libertação do ponto de fuga único imagem total por oposição a uma realidade descontínua

O resultadO da reutilizaçãO da tecnOlOgia visual dO desktop scanner

4.3 imagem contínua e libertação do ponto de fuga único imagem total por oposição a uma realidade descontínua

O processo de captação das presentes imagens, sobre a base do movimento de panorâmica ou travelling, juntamente com a portabilidade do dispositivo e o facto de este ser manuseado, pode ser facilmente explorado ao ponto de se conseguir uma imagem total. Por imagem total entende-se um registo de 360º de um espaço, sem qualquer tipo de montagem ou manipulação, um único registo do lugar numa só imagem fixa. trata-se somente de uma questão de escolha do campo que se pretende captar. Os 360º não são mais do que um valor referencial para ilustrar a possibilidade da imagem total, pois, de facto, o dispositivo pode ir para lá desse valor e continuar a captar, continuamente, em ciclos de 360º, tudo isto sempre numa só imagem fixa, sem sobreexposição. esta visão, num único registo integral do espaço, irá contrapor-se à ideia de realidade descontínua da imagem fotográfica como uma representação que, abarcando a realidade, o faz de forma descontínua, não num registo único. essa descontinuidade reside na necessidade da escolha do campo, não podendo abranger os 360º de todo o espaço em redor da máquina fotográfica. a

necessidade de ser feito um enquadramento na escolha do campo que queremos captar na imagem, dita essa característica de descontinuidade, por oposição à

definição da possibilidade de criação da imagem total, onde a escolha do campo e enquadramento não se cinge a um só instante estático, mas é o resultado do movimento num processo que apelidamos de enquadramento dinâmico. esta classificação está opõe-se ao enquadramento fixo do processo da imagem fotográfica. O enquadramento, como é entendido na técnica da imagem fotográfica, implica a escolha do que será captado na imagem final, enquanto neste processo de registo de um percurso através do espaço, o dispositivo encontra-se em circulação, considerando-se assim o enquadramento dinâmico, tornando o enquadramento da imagem fotográfica em apenas numa pequena cena da imagem total captada por este processo.

de certa forma, podemos dizer que, ao nível estrutural e da lógica

composicional dos elementos espácio-temporais que integram a imagem fixa, as construções imagéticas que avançamos neste estudo parecem estar mais próximas dos panoramas da dinastia Ming do século Xv, no final da china imperial (fig.21), ou da tapeçaria de Bayeux, do século Xi (fig.22), do que das imagens fotográficas contemporâneas construídas segundo as bases da perspectiva linear, de origem renascentista.

O panorama da china imperial, com 26 metros de comprimento, pintado durante o reinado do imperador Xuande (1425-1435 dc), mostra a viagem deste imperador e dos seus guardas pelo campo, desde a cidade imperial, Pequim, até aos túmulos da dinastia Ming. a imagem representa toda a viagem no espaço e no tempo, desde a saída até à chegada, tudo numa imagem fixa. a perspectiva axonométrica utilizada permite a representação contínua de uma cena ao longo do espaço, sem estar subjugada a um ponto de fuga único. a imagem evoca sobre si diferentes tempos: o tempo do relato da viagem, que

Fig. 22 tapeçaria de Bayeux, anônimo, c. 1070.

imagem total (6800x50cm) mais detalhe

Fig. 21 partida do Imperador Ming Xuande, anônimo, dinastia Ming, c. 1430.

a imagem encerra em si, e que é o tempo da história que narra e no qual as suas personagens se organizam, mas também o tempo do olhar do espectador quando este percorre a imagem ao longo dos seus 26 metros.

a tapeçaria de Bayeux, do século Xi, é um outro exemplo que combina a representação numa imagem fixa de diferentes momentos no espaço e no tempo, não constrangidos pelo encerramento a um espaço perspéctico linear. ao longo dos 68 metros da imagem são representadas 58 cenas de diferentes momentos no tempo, que ilustram não só os momentos chave da conquista normanda da inglaterra em 1066, mas também o antes e o depois da derrota anglo-saxã das forças de Haroldo ii, rei da inglaterra, na batalha de Hastings, bem como várias cenas da vida quotidiana do final do século Xi.

as nossas imagens parecem aproximar-se mais da forma de conceber uma imagem total que possa conter diferentes tempos e espaços - tal como observamos neste dois exemplos - do que da imagem fotográfica subjugada à perspectiva linear, segundo uma estruturação em torno da utilização de um ponto de fuga único, que não permite esta representação contínua no tempo e no espaço.

nos exemplos da imagem da china imperial e na tapeçaria de Bayeux, espaço e tempo são tratados de forma estruturante, assim como nas construções imagéticas que aqui produzimos. É comum entre elas a organização dos elementos segundo um vector de ordem espacial e temporal, com os elementos a serem dispostos ao longo da imagem no espaço e no tempo. Pelo contrário, na imagem fotográfica, a perspectiva linear poderia ser definida como a grelha que contém um espaço finito onde os elementos são representados. isto difere do espaço mais amplo registado pelo desktop scanner, onde se acrescenta uma diferente noção de

tempo, sem que haja sobreposição no registo dentro da imagem, resultado da captação sequencial do espaço que as nossas imagens apresentam. Os elementos organizam-se não de acordo com um ponto perspéctico, mas segundo uma matriz espácio-temporal. É a libertação do ponto de fuga único que dá às imagens destes dois exemplos, e às nossas construções imagéticas, o seu carácter horizontal, na possibilidade de se estruturarem sem a necessidade de terem um ponto único agregador que contenha todo o espaço da composição e os elementos que o compõe. com isto permite-se uma construção, e consequente leitura da imagem, que não fica subjugada a um único ponto de vista, dispensando a visão monocular, o que abre literalmente o espaço representado, aproximando-o do conceito de

timeline que avançámos anteriormente.

a noção de realidade descontínua (como resultado da convenção do enquadra- mento fixo) é explorada no trabalho fotográfico dos anos 80 de david Hockney (fig. 23), onde a imagem é composta por diferentes fotografias do mesmo espaço, tiradas de diferentes ângulos, na procura da criação de um novo todo. Hockney questiona, pela imagem fotográfica, a relação espaço-tempo. Qual é, e onde está a verdadeira imagem? em que momento foi a imagem tirada? Poderá dizer-se que, através da junção de vários registos de imagem fotográfica, Hockney expõe as limitações desta na tentativa de criação de um espaço maior, de uma visão global do todo. a sua construção é feita por fragmentos parciais dispersos no tempo e agregados posteriormente no acto de composição. esta abordagem, distancia-se contudo das imagens produzidas através do desktop scanner onde a relação espaço-tempo é uma construção contínua, não é manipulada nem é o resultado de uma escolha de composição posterior à captação, mas respeita antes a ordem de captação sequencial numa só imagem, produzida de uma só vez.

4.4 Desconstrução perspéctica na abordagem à representação