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CAPÍTULO 3 –PROVA BRASIL – 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL II-

3.1 Apresentação da Prova Brasil 2011

3.1.3 Descrição analítica da Prova Brasil 2011

O nível de dificuldade de cada exercício da Prova Brasil é variável e não é condicionado pela imagem ou pelo texto nãoverbal, mas pelo que se explora tanto nas imagens como no texto verbal. Reitera-se que, no que tange ao tipo de pergunta apresentada no decorrer

103 dos exercícios, a incidência é maior para itens relacionados às questões objetivas, que não extrapolam o texto, ainda que em algumas situações haja necessidade de utilização de inferências nesse mesmo perfil objetivo. Essa perspectiva de Marcuschi (2008) acerca da tipologia das questões demonstra um perfil muito delimitado de atividades, marcado pela busca textual sem a necessidade contínua de utilização de processos inferenciais mais complexos. A incidência de questões objetivas, inferenciais e metalinguísticas é alta, e, além disso, deixa a sensação de que a capacidade leitora do estudante está ligada, na maioria das vezes, à sua capacidade de compreensão sinonímica de palavras e expressões, sem que seja essencial desdobrar os aspectos envolvidos na compreensão total e ampla.

Por outro lado, é importante lembrar que“linguagem e representação visual coevoluíram cultural e historicamente para complementar e suplementar uma à outra, para serem coordenadas e integradas” (LEMKE, 2002, p. 303).Somente na visão de uma linguística purista limitada é possível crer namonomodalidade e na separação das muitas instâncias comunicativas, pois a construção de significados se dá a partir das letras, dos sons e também das imagens, que são, certamente, inseparáveis (LEMKE, 2002).

Nessa perspectiva, vale ressaltar que a Prova Brasil analisada apresenta apenas 3 itens mais marcadamente multimodais, com a presença de tirinha, gráfico e tabela, a saber, os três últimos, que envolveram os descritores D16, D9 e D5, situados nos tópicos 5, 4 e 2, respectivamente. Retomando a divisão por tópicos, o tópico 1, de procedimentos de leitura, que envolve localização de informação, inferência de sentido de palavra ou expressão determinada, inferência de informação implícita, identificação de tema e distinção de alguma opinião sobre um fato, é o tópico mais abordado na prova analisada, contando com 9 dos 26 itens. Os descritores D4 e D14 aparecem 1 vez cada um, enquanto os descritores D3 e D6 aparecem 2 vezes cada, e o descritor D1 aparece 3 vezes na prova.

O segundo tópico mais abordado é o IV, que trata da coerência e coesão no processamento do textoconta com 8 itens. Todos os descritores são abarcados e o D11 (relação de causa e consequência) é repetido uma vez.

O terceiro tópico mais explorado é o V, que trata das relações entre os discursos e os efeitos de sentido. São 4 descritores e há na prova um item contemplando cada habilidade.

O tópico II, que aborda suporte, gênero e compreensão do texto; assim como o tópico III, que envolve a relação entre textos, possuem 2 descritores cada um, e tal como foi com o tópico V, que abrange a variação linguística, que conta com um descritor apenas, cada descritor desses tópicos foi representado na prova por um item.

104 enfatizando D1, D3, D6 e D11, que foram repetidos, sendo que apenas D1 foi repetido 2 vezes.

É válido retomar a questão da multimodalidade e apontar que o texto estabelece relação com o leitor por meio de múltiplas formas e modos, com a utilização de imagens, ou também através da diversificação tipográfica. A espessura das letras, por exemplo, marcada especialmente com o uso do negrito, pode indicar relevância de determinada palavra, ou, por outro lado, pode representar uma forma de agressividade, de autoritarismo, de consistência e substancialidade do que se quer declarar. O sublinhado denota também essa ênfase, enquanto as maiúsculas, além da ênfase, podem deixar bastante clara a agressividade, como se representasse foneticamente um grito. O espaçamento entre caracteres também pode apontar liberdade ou limitação, nesse último caso se estiverem mais próximos. O uso de itálico ou de fontes mais inclinadas, por sua parte, remetem à intimidade com o leitor, à fluidez e subjetividade; e quanto mais vertical for a letra, maior a distância, a impessoalidade e a objetividade. Além disso, a utilização de letras com serifas – marcação nas extremidades – também estabelece maior conectividade e integração. Letras mais retas transmitem a ideia de ruptura e fragmentação. Ou seja, muitos são os recursos semióticos e as estratégias de produção e concretização, na materialização da mensagem. A multimodalidade, no contexto de uma prova, expressa-se, portanto, na escrita, no layout, na tipografia e nas imagens (GUALBERTO, 2016).

Pelo que foi demonstrado da prova analisada, praticamente não são utilizados recursos que podem favorecer a interação do estudante com o texto. Os negritos aparecem apenas nos títulos dos textos, a fonte utilizada é absolutamente uniforme e a utilização de recursos tipográficos e do layout na perspectiva multimodal é inexistente. Apenas um item utilizou as maiúsculas com uma finalidade particular e, igualmente, o sublinhado foi usado não com intenção subjetiva. Embora a prova busque explorar a relação do estudante com o mundo, na medida em que traz textos sobre a Amazônia, ou sobre relações sociais, produção agrícola e educação, parece ainda incipiente quando tenta, por ela mesma, conectar-se com o estudante.

O ensino norteado mediante essas relações interdisciplinares emerge de uma necessidade de superação da visão fragmentada da produção de conhecimento e de produção de coerência segundo os diversos fragmentos que hoje se apresentam com maior facilidade para a humanidade. Isso promove a superação daquela antiga visão restrita do mundo e da compreensão complexa da realidade(LÜCK, 2003).Dessa forma, as relações intersemióticasque Kress (2010) aponta nosmultiletramentos, mantendo relação com escrita, imagem, cores, etc., são entendidas como parte da comunicação humana, consequência da reelaboração e da rearticulação das representações dadas pelos sujeitos à sociedade.Por outro lado, é necessário

105 que se entenda a avaliação como uma etapa do processo de aprendizagem, como demonstração para aluno, escola e Estado do andamento dos procedimentos cognitivos. Daí a importância de incentivar a avaliação, não na perspectiva meritocrática, mas coadunando com a afirmação de Prazeres (2014, p. 40), para que “por meio das avaliações constantes, o estudante pode se perceber como agente de seu processo de construção de conhecimento e, ao refletir sobre seus sucessos e possíveis fracassos, corrija os rumos a favor de seu desenvolvimento cognitivo”. Acrescente-se que essa mesma percepção precisa acontecer entre os atores da educação, agentes transformadores e intermediadores dessa construção contínua.

A interdisciplinaridade proposta nas provas parte do pressuposto de que não há forma de conhecimento exaustiva. O desenvolvimento da interdisciplinaridade implica a admissão da ótica pluralista de concepções de ensino, estabelecendo diálogo entre realidade escolar e os confrontos sociais, posto que o reconhecimento da concatenação de uma ação parte do princípio de que não há um único caminho, um único critério, e, assim, são admissíveis outros pontos de vista, baseados no diálogo permanente, na presença de valores diferentes (FAZENDA, 2002).

O único descritor que foi repetido 3 vezes na prova foi o D1, “localizar informações explícitas em um texto” (INEP, 2018, p. 27). Trata-se da habilidade mais elementar no que tange ao letramento dos sujeitos que propõe esse novo molde de educação. Explora-se mais a habilidade de localizar o que está explícito, quando, reitera-se, a prova de Língua Portuguesa tem“como foco a leitura e seu objetivo é verificar se os alunos são capazes de apreender o texto como construção de conhecimento em diferentes níveis de compreensão, análise e interpretação” (INEP, 2018, p. 26).

É importante ressaltar que a escala de nível de proficiência de língua portuguesa, mesmo apresentando delimitações para cada nível, marca certa dificuldade de estabelecer o índice de proficiência de cada item, uma vez que uma mesma habilidade está presente em vários níveis, sem maior detalhamento da diferenciação entre eles. Por exemplo, a habilidade de inferência de efeito de sentido de linguagem verbal e não verbal em tirinhas está presente nos níveis 4, 5 e 6 de proficiência, e no nível 3, tem-se a mesma capacidade com quadrinhos ao invés de tirinha. Dessa forma, a medida do grau de dificuldade de cada atividade não é extraída de forma prévia, mas a partir do “percentual de respostas corretas do item” (INEP, 2018, p. 65).

Além disso, como os descritores também são comuns às etapas de avaliação (5º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio), tanto texto, quanto as tarefas assumem diferentes complexidades. Nesse ínterim,

106 O grau de complexidade do texto resulta, entre outros, da temática desenvolvida, das estratégias textuais utilizadas em sua composição, da escolha de um vocabulário mais ou menos incomum, dos recursos sintático-semânticos empregados, bem como das determinações específicas do gênero e da época em que foi produzido. O grau de complexidade da tarefa resulta de aspectos relativos aos diversos saberes que o sujeito terá que mobilizar para resolver o problema proposto (INEP, 2018, p. 26).

Pensando nesses diferentes níveis de complexidade e compreensão, a abordagem dos gêneros textuais também soa bastante superficial. Há muito texto na prova, muita leitura, mas o que mais se explora são os elementos mais aparentes, mais visíveis no texto, sem aprofundamento na subjetividade da poesia, por exemplo, e, mais que isso, sem envolver mais amplamente as múltiplas formas de comunicação.

Nesse sentido, “os gêneros se configuram de maneira plástica e não formal; são dinâmicos, fluindo um do outro e se realizando de maneira multimodal; circulam na sociedade das mais variadas maneiras e nos mais variados suportes” (MARCUSCHI, 2005, p. 23; apud ALMEIDA, 2013, p. 474). Pode-se entender que os textos multimodais são aqueles que abarcam mais de um modo de representação, e deve-se ter em conta que

[...] o advento tecnológico e as necessidades humanas sócio-comunicativas favorecem o desmembramento, a transmutação e o surgimento de novos gêneros chamados multimodais, a saber: chats, blogs, diários de bordo, emails, msn, histórias em quadrinhos, tiras, charges, propagandas, painéis, entre outros (ALMEIDA, 2013, p. 474).

O que se pode perceber e chama a atenção na análise de exercícios da Prova Brasil de 9º ano do Ensino Fundamental é que a utilização de gráficos e a leitura de gráficos é pouco explorada. Talvez por se tratar de uma leitura mais complexa, há pouca utilização de textos multimodais e menor quantidade de imagens sendo exploradas nas leituras. Essa redução da utilização, ao invés da exploração de leituras mais elaboradas das imagens, especialmente das imagens de gráficos, e outras imagens que complementam informação, e não apenas servem para ilustrar, seriam importantes para o melhor preparo do estudante na leitura multimodal e, consequentemente, para a vida profissional. Nesse sentido, conforme afirmam Bueno e Mascia (2016, p. 110), “no cotidiano escolar e no espaço fora da escola, o aluno se defronta com diferentes gêneros, cujas finalidades e efeitos de sentidos provocados exigem uma atenção diferenciada dele”.

É importante ressaltar que “um bom trabalho para o letramento poderá ser feito por meio do ensino de uma diversidade de gêneros textuais, com a exploração dos diferentes níveis de um texto e dos efeitos de sentido produzidos” (BUENO; MASCIA, 2016, p. 109). Conforme Bueno e Mascia (2016, p. 109), “segundo os PCN e a Matriz de Referência, recomenda-se que

107 se trabalhem com gêneros literários, de imprensa, publicitários e científicos”.

Nesse contexto, o nível de desempenho 3, por exemplo, exige que o estudante seja capaz de “comparar textos de gêneros diferentes que abordem o mesmo tema” (INEP, 2016, p. 50), mas, em contrapartida, o item 13 do bloco 1e o item 1 do bloco 2, que esperam respostas a partir da contraposição de dois textos, apresentam textos do mesmo gênero, literário e imprensa, respectivamente. Igualmente, no nível 5 de desempenho, pede-se que se diferencie a abordagem dada ao mesmo tema em textos de gêneros diferentes. Situação que não se apresenta na prova, e, portanto, não dá a oportunidade de se mensurar essa habilidade do estudante. A variação dos textos quanto ao gênero e quanto aos tipos textuais dá preferência para textos literários, sendo que nesse modelo de prova analisado, não há nenhum texto publicitário. A tipologia textual narrativa prevalece e não há textos dissertativos ou argumentativos na prova.

No que toca aos itens e como eles se relacionam com os textos, é possível separar os que abordam a situação de produção do texto, ou sua finalidade. Considerando essa perspectiva, deve-se ter em conta que o únicoitem relacionado ao descritor D12 é o 9 do bloco 2, que busca a identificação da finalidade do texto. Há outras situações em que os itens abordam o tema, partindo da exploração do assunto, envolvendo alguns procedimentos de inferência, que levam o aluno a relacionar seu conhecimento de mundo e sua percepção; há itens de estrutura textual; e de linguagem, que avaliam coesão, sinonímia, inferência de significados de palavras entre outras. Essa intenção dos itens pode ser percebida por meio dos descritores, mas não necessariamente, pois há descritores que envolvem mais de um desses fatores. A grande maioria dos itens exploram o tema e as inferências lógico-dedutivas, e a questão da estrutura textual não é representada em nenhum dositens analisados.

108 Figura 26: Gênero, tipo textual e abordagem dos itens

Fonte: Elaborado pelo autor de acordo com os resultados da pesquisa.

O grau de complexidade dos exercícios é o fator mais significativo observado na análise da prova. Segundo o INEP (2016, p. 26),

O grau de complexidade do texto resulta, entre outros, da temática desenvolvida, das estratégias textuais utilizadas em sua composição, da escolha de um vocabulário mais ou menos incomum, dos recursos sintático-semânticos empregados, bem como das determinações específicas do gênero e da época em que foi produzido. O grau de complexidade da tarefa resulta de aspectos relativos aos diversos saberes que o sujeito terá que mobilizar para resolver o problema proposto.

Nesse contexto, o perfil e tipologia das perguntas se mostra como elemento significativo, e, assim como declarou Marcuschi (2008), o habitual é que as atividades dos estudantes estejam fundamentadas em perguntas que se pautam em informações superficiais e objetivas, ou que abordam aspectos puramente formais, o que reduz a necessidade de análises mais profundas por parte do aluno. O autor separa as perguntas em tipos diferentes, dentre os quais alguns deles foram apontados no decorrer da análise. Essa tipologia tem início com a pergunta “A cor do cavalo branco de Napoleão”, que exigem perspicácia mínima e cuja resposta se encontra na própria pergunta. Em seguida estão as cópias, fundamentadas em extração ou transcrição mecânica de palavras e frases apresentadas nos textos. O terceiro tipo são as perguntas objetivas, que pretende a análise de conteúdos escritos objetivamente no texto, requerendo decodificação, e para a qual a resposta se encontrará puramente no texto. As

109 questões inferenciais, por sua parte, exigem outros conhecimentos, para além da pura decodificação, como conhecimentos enciclopédicos, contextuais, inferenciais e críticos. As perguntas globais levam em consideração o texto e as questões extratextuais, exigindo uma inferência mais complexa; enquanto perguntas subjetivas estão ligadas apenas superficialmente ao texto, na medida em que, a partir dele, explora-se o pensamento do aluno. Nesses casos, não existe uma resposta devidamente considerada correta, embora haja resposta errada, se não estiverem conectadas à base da assertiva proposta no texto. As questões Vale-Tudo admitem múltiplos tipos de respostas e não existe possibilidade de erro, além de não estabelecerem relação com o texto. O oitavo tipo de questões envolve as perguntas impossíveis, consideradas antípodas às perguntas cópia e objetivas, que apenas se centram no texto. Para tais perguntas, é necessário conhecimento externo, sem o qual não há possibilidade de acertos. Finalmente, encontram-se as perguntas metalinguísticas, que abordam, ademais de questões linguísticas, a estrutura, o léxico e a forma do texto, abarcando significado e cópia de palavras. Na Prova Brasil analisada, a estrutura das perguntas privilegia as questões objetivas, e tal estrutura poderia ser entendida conforme a tabela a seguir:

Quadro 8: Tipo de perguntas da Prova Brasil

Tipo de Pergunta Bloco I Bloco II

A cor do cavalo branco de Napoleão

(Obvias) – – Cópias – – Objetivas 3, 7, 11, 13 1, 3, 4, 5, 8, 13 Inferenciais 6 11 Globais 2, 5, 8 6, 9, 12 Subjetivas – – Vale-tudo – – Impossíveis – – Metalinguísticas 1, 4, 9, 10, 12 2, 7, 10

Fonte: Elaborado pelo próprio autor de acordo com os resultados da pesquisa.

Pela análise apresentada por Bueno e Mascia (2016), e pela própria análise realizada nesta pesquisa, é possível perceber que não há uma distinção proporcional entre as provas do 5º e do 9º ano do Ensino Fundamental. A prova de Língua Portuguesa do 5º ano, apresentada pelo INEP (2015a, p. 7), por exemplo, apresenta um item multimodal extremamente semelhante ao do 9º ano (INEP, 2015a, p. 8). Em ambos os exercícios se pede que, por meio do reconhecimento da expressão facial de uma das personagens, se identifique o que foi sentido. O exercício anterior nas duas provas também é equiparável e exige que o aluno faça distinção

110 entre fato e opinião. O nível de interpretação exigido é baixo, embora haja itens um pouco mais elaborados.

Quando se afirma que é importante mobilizar saberes para a resolução de um problema proposto na prova, é inevitável pensar, por exemplo, em que tipo de saberes tão elevados um estudante de 9º ano precisa mobilizar para, no item 1 do bloco 2 da prova aqui analisada, ler dois textos de 5 linhas cada um, compará-los e identificar qual informação é tratada somente no texto I. Se a Prova Brasil fosse aplicada tanto para escolas públicas quanto, obrigatoriamente, para escolas privadas, a diferença no desempenho ficaria tão marcadamente exposta quanto são os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

3.2 ANÁLISE DOS ITENS MAIS MARCADAMENTE MULTIMODAIS DA PROVA

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