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Quanto à estrutura, podemos dizer que neste Evangelho existe um fio condutor que é a revelação e a fé. O relato de João é conduzido de modo a deixar aparecer a progressiva auto-revelação de Jesus e daí a progressiva manifestação da fé e da incredulidade. Cada episódio contém uma revelação de Jesus que obriga seus leitores a tomar uma decisão: ou a fé ou a incredulidade.

Em cada seção está presente de algum modo, o tema da Luz e da Vida oferecida aos homens. A Paixão é o vértice para o qual tudo converge e está presente implícita ou explicitamente, em todas as partes.

Cada seção é relacionada mais ou menos claramente com alguma festa do ano litúrgico judaico, apresentando um tema correspondente: três Páscoas e o Pão da Vida: 2:13; 6:4; 11:55; uma festa não específica e o sábado e trabalho: 5:1.9; uma festa das Tendas e a Água e a Luz: 7:2.11 e uma festa da Dedicação e o Templo: 10,22.

A unidade do Evangelho não é apenas unidade de estrutura, é também uma unidade temática. Os grandes temas da Luz e da Vida, do Testemunho, do Juízo, da Glória atravessam o livro todo. Mas dois temas (ou perspectivas) constituem, mais que os outros, esta unidade e encontram-se indicados em 20,30s: o Sinal e a Fé.

No tocante as características do Quarto Evangelho, podemos mencionar algumas: o livro é composto de grandes episódios, em que se misturam narrativa, diálogo e discurso.

Segue um esquema geográfico e cronológico peculiar. Sob certo aspecto, trata-se verdadeiramente de um Evangelho menos atento aos detalhes históricos e mais positivamente voltados para os dados “simbólicos” da vida de Cristo. Ele menciona diversas subidas de Jesus a Jerusalém, respeitando assim muito mais de perto o que provavelmente constitui o dado

histórico efetivo, do que os Sinóticos, que tendem a concentrar toda a ação e a pregação de Jesus numa só viagem para a capital.

Embora se concentre na pessoa de Jesus seu conteúdo biográfico e muito mais reduzido que os outros Evangelhos. Seleciona alguns fatos importantes que apresenta e desenvolve com singular talento literário. Mais que doutrina, oferece matéria de contemplação. Sua realidade é simbólica, carregada de um excesso de sentido, que a fé descobre e a contemplação assimila.

João tem características literárias e doutrinais muito peculiares. Emprega um vocabulário muito típico e reduzido, o menos rico de todo o Novo Testamento, apenas umas 920 palavras diferentes. Seu grego é simples e cheio de influências aramaicas, escreve em grego com a sensibilidade de um semita. Este número surpreendentemente reduzido de vocábulos pode ser atribuído em parte à predileção, tipicamente hebraica, pelo paralelismo (o desenvolvimento das ideias por expressões paralelas, tanto do mesmo sentido como de sentido oposto) e se concretiza na repetição quase literal de partes da frase:" Quem nele crê não é condenado; quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho único de Deus "(Jo 3:18); "em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia"( Jo 6:53-54); " um pouco e não me vereis e novamente um pouco e me vereis" (Jo 16:17-19)

A simplicidade da narrativa de João contrasta com a sua riqueza e profundidade doutrinal. Assim, ao anotar as coisas mais pequenas, o faz com uma característica profundidade de visão: quando Judas sai do Cenáculo, diz que era noite, (13:30) mas não se trata de uma simples referência temporal, pois parece aludir ao poder das trevas que avançava ao chegar a hora de Jesus; ao apresentar Jesus tratando a sua Mãe por mulher, ( 2:4; 19:26) quer aludir à "nova Eva", a mulher da profecia de Gn 3:15; ao dizer que as enormes talhas de água das bodas de Caná eram seis e de pedra, (2:6) parece aludir à Lei de Moisés que se tornou inútil.

O simbolismo tão típico do Quarto Evangelho insere-se nesta visão profunda de fé; mas não é esta subjetividade que cria os relatos; ela ilumina-os

e enche-os de sentido: o sentido da cura do cego de nascença (9:1-41) é apresentar Jesus como a Luz do mundo, e a água da piscina com que ele se lava simboliza a água do Batismo; a ressurreição de Lázaro mostra Jesus como a Ressurreição e a Vida (11:25-26); e o sangue e a água que brotam do lado aberto do Senhor simbolizam a Eucaristia e o Batismo (19:34-37). Dodd ( 1953, p.134) “the explicit use of symbolism is an obvious characteristic of this gospel—living water, bread of life, the true vine, the good shepherd, etc”.

O Quarto Evangelho parece estruturado à volta das festas judaicas, mostrando como Jesus põe fim às instituições antigas, e também à volta dos grandes temas joaninos, alguns logo apontados no prólogo, dando-se uma progressiva revelação de Jesus como Messias e Filho de Deus o objetivo da obra -, suscitando a cada passo atitudes opostas de fiel adesão e de dramática hostilidade, que levam o evangelista a exclamar num doloroso desabafo ao terminar a primeira parte da sua obra: "Embora tivesse feito tantos milagres diante deles, não acreditavam nEle!" (12:37).

João segue um plano próprio diferente do dos Sinóticos, apoiando-se em algumas ideias fundamentais, que vai desenvolvendo ao longo do seu Evangelho: a sucessão das festas judaicas que balizam o relato; o desenvolvimento de certos conceitos, como a substituição do Antigo Testamento pelo Novo, os temas da Vida, do Pão da Vida, da Luz, da Verdade, do Amor, etc; e, finalmente, a manifestação progressiva e dramática de Jesus como o Messias e Filho de Deus, perante a perseguição crescente dos judeus que O rejeitam, até chegar ao ponto culminante da "hora" de Jesus e do poder das trevas. Estas linhas entretecem o Evangelho e dão-lhe certa estrutura e coesão temática.

É certo que João, mais do que os Sinóticos, apresenta afinidade com o pensamento helenístico. O interesse marcante por tudo o que concerne ao conhecimento e à verdade, o uso do título Logos, em particular o emprego da alegoria demonstram isso. Embora utilize os mesmos vocábulos helenísticos, as significações variam: assim, o Logos joanino não aparece como uma criatura intermediária entre Deus e o universo, mas como o Filho preexistente, perfeitamente associado à ação do Pai.

A influência judaica também se faz notar no estilo através da presença de numerosas expressões semíticas. Se João cita raramente o Antigo

Testamento de maneira explícita e tem suas preocupações voltadas a separar nitidamente a antiga economia da nova, ele não deixa de usar numerosas fórmulas do Antigo Testamento e, em particular, temas da literatura sapiencial: a água, o alimento celeste e o maná, o pastor, a vinha, o Templo. Tudo se passa como se João tivesse um conhecimento dos temas e de suas diversas variações, mas quisesse empregá-los de modo pessoal e original.

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