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Os três modos de organização do discurso no evangelho como

CAPÍTULO III – APLICAÇÃO DO MÉTODO DA TEORIA SEMIÓTICA NO

3.6 Os três modos de organização do discurso no evangelho como

No capítulo 1 de João o modo predominante é o poético. Neste capítulo é possível inferir que se trata de capítulo tese no qual o autor apresenta o resultado final daquilo que ele defende, isto é, Jesus o Filho de Deus. Ali é a síntese do que vai ser narrado e os demais capítulos, portanto, constituindo as provas, os argumentos, ilustrações que convalidam o que ele apresentou e expôs no primeiro capítulo. Ainda, é possível dizer que o primeiro capítulo prepara o leitor para a leitura de todo o evangelho. Seja na apresentação dos milagres (“e vimos a sua glória”{...} 1:14), seja nos discursos de Jesus.

Tudo havia sido mencionado no primeiro capítulo. O capítulo 1 de João é altamente literário, demonstrando um trabalho cuidadoso com a linguagem; seja na disposição das frases, nas escolhas dos léxicos, no simbolismo, nas ilustrações, e, principalmente no uso específico do termo Logos. De acordo com Brodie apesar das dificuldades aparente na estrutura do Evangelho, como um todo contribui para levar o leitor para um nível mais elevado, a santidade. Como se vê no seguinte trecho:

The proposal made here is that the gospel as a whole is doing essentially thesame thing to the reader. Through its many forms of contradiction (including shocks, style changes, obscurities, riddles, and breaks) it is issuing a constant challenge, an

invitation to move beyond superficiality and to enter into a newlevel of awareness, ultimately into the level of the holy. (BRODIE, 1997, p.19)11

O autor prossegue dizendo que o evangelho ainda pode ser considerado uma unidade. As contradições não são estranhas ao texto, elas fazem parte de sua maior estratégia de abertura ao mundo do invisível. E para o leitor essas contradições geralmente não é um problema. Como já foi mencionado, na citação acima, essas aparente contradições tem o propósito de convidar seus leitores para ir para um novo nível de entendimento. A proposta aqui é que o evangelho como um todo está fazendo essencialmente a mesma coisa para o leitor que aceite Jesus como o Filho de Deus, o Logos Eterno que se fez carne e se manifestou poderosamente através de seus feitos na terra.

João apresenta Jesus como sujeito em conjunção com seu objeto de valor: fé, poder, divindade e humanidade. As figuras são os milagres (sinais) e o tema o poder de Deus. Oposições principais aceitação versus não-aceitação de Jesus como Filho de Deus, o próprio Deus. Dois percursos ocorrem no texto, os que creem em Jesus e os que não creem em Jesus. Recompensa para os que aceitaram Jesus aparece em João 1 ‘’viram a luz do mundo”; sanção a permanência nas trevas. O autor apresenta Jesus como sujeito imbuído de competência necessária à realização da ação. O caracteriza de aquilo que a semiótica chama de destinador-manipulador. Segundo Barros (2007, p. 28), o destinador-manipulador é o actante funcional que engloba vários papéis actanciais, (...) É ele na narrativa, a fonte de valores do sujeito, seu destinatário: tanto determina que valores serão visados pelo sujeito quanto dota o sujeito dos valores modais necessário à execução da ação.

Chama atenção no capítulo 1 do Evangelho de João o modo como o autor utiliza do recurso descritivo para apresentar a pré-existência de Jesus – o Logos- No capítulo 1 versículo 1 os verbos aparecem no imperfeito um dos tempos verbais juntamente com o presente mais utilizado na descrição (era o verbo, estava com Deus, era Deus). Ao fazer o autor prepara o leitor para

11A proposta aqui é que o evangelho como um todo está fazendo essencialmente a mesma

coisa para o leitor. Através de suas muitas formas de contradição (incluindo choques, mudanças de estilo, obscuridades, enigmas e quebra) é a emissão de uma constante desafio, um convite para ir além da superficialidade e entrar em um novo nível de consciência, em última análise, para o nível da santidade.

aquilo que logo mais irar falar que a encarnação do logos. Além dos verbos percebe-se neste mesmo versículo outro aspecto da descrição, a caracterização do ser, a nomeação e atribuição de qualidade.

O autor apresenta a pré-existência de Jesus (no princípio) uma expressão temporal que dá muita expressividade ao texto, pois além de situar o logos dentro de uma atemporalidade faz também uma intertextualidade com Gênesis 1:1 chamando atenção aqui para o ser aquele que é e não para os atos como aparece em Gênesis, entretanto, estabelece uma espécie de um novo recomeço marcado pela encarnação do logos. Essa descrição nada mais é que um forte argumento para a tese da pré-existência de Jesus. Ao fazer isso o autor prepara o leitor para aquilo que ele vai mostrar que os escritos desse evangelho foram para os leitores cressem que Jesus é Filho de Deus e crendo tenha a vida eterna.

Outro fato interessante quanto ao discurso descritivo, é que geralmente o discurso descritivo é figurativo, entretanto, o que se nota em João 1:1 um discurso altamente temático com a utilização de termos abstrato. Primeiramente o uso específico da palavra “logos” dando uma reinterpretação da palavra da filosofia grega para explicar quem é Jesus aos seus leitores. Assim num primeiro momento ele chama a atenção a atenção do leitor para a identificação de Jesus, preparando-os para o espetáculo que irão contemplar. Na linguagem da semiótica tem-se aquilo que se chama modalidade do ser, o estado do ser aquele que está em conjunção com seu objeto de valor. É dessa maneira que João apresenta Jesus inicialmente um sujeito em conjunção com seu objeto de valor. Objeto de valor pode-se dizer que é a divindade.

O autor usa do expediente narrativo para apresentar as informações de acordo com aquilo que quer dar destaque na sua exposição. Cada ação linear decorre de uma outra ação. Cada uma constitui o motivo da próxima ação. Ganha-se relevo a noção de anterioridade e posterioridade. Respeita-se a sequência dos acontecimentos, há uma progressão dos acontecimentos. Causa e consequência são características da narração. Um acontecimento anterior não pode se transformar no posterior. Deve-se respeitar as sequências dos acontecimentos. As principais características da narração são focalização das transformações; o discurso é predominantemente figurativo; os tempos verbais são os perfectivos.

Pode-se dizer que é um texto altamente temático, pretende explicar o mundo. É construído por palavras abstratas. Verbos na maioria estão no presente atemporal; as afirmativas mantém entre si relação lógica.

Os três modos de organizar o discurso dizem respeito às três maneiras de apreensão da realidade. A descrição identifica e analisa as qualificações. Enquanto que a narração testemunha a ação do homem no mundo, dando um sentido a essa ação. Já a dissertação explica laços existentes, as relações lógicas. Descrever, narrar e dissertar são modos de argumentação discursiva de categorização, transformações e demonstração de relação. Tudo isso foi utilizado pelo o autor do Evangelho de modo consciente a serviço do objetivo do autor: fortalecer a fé dos fiéis, seus leitores.

CAPÍTULO IV

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Trabalho empreendido teve como foco metodológico a apresentação da teoria semiótica para análise de texto religioso do gênero narrativa bíblica do Novo Testamento, o Evangelho de João. A análise crítico-interpretativa do processo gerativo do sentido no capítulo 1 possibilitou a compreensão das etapas que recebem os nomes de nível fundamental, ou das estruturas fundamentais, nível narrativo e nível discursivo.

A abordagem semiótica permitiu uma visão mais ampla das estruturas do texto, seja pela análise interna, entendida como o campo da significação, verificando a sintaxe e o sentido do texto através do seu léxico, estruturas gramaticais, foco enunciativo e etc., seja pela a análise externa do texto entendida como o campo da comunicação do discurso, tentando entender as ideologias presentes no contexto o qual o texto está inserido.

Segundo o exame feito no corpus, orientados pela teoria semiótica dos períodos gerativo do sentido constatou-se que a sintaxe e semântica fundamental, a sintaxe e semântica narrativa e sintaxe e semântica discursiva sempre são subjacentes aos modos de operação dos discursos e estes revelam as formas pelas quais as sociedades vêm a significar no conjunto de seus diálogos, os quais compõem a macrosemiótica de seus sistemas de significações.

O Discurso religioso do capítulo 1 de João é altamente literário, não só cria e, como também recria a realidade a partir de simulacro no qual apresentando respostas às novas formas de comunicação, adequando seu dizer às ideologias subjacentes a esse discurso cultural, no sentido das apresentações e representações sígnicas que ele se propõe a realizar.

Quanto às análises apresentadas sobre a questão de identidade de Jesus e seu papel ideológico, vale lembrar de que se trata de uma leitura e não, necessariamente, de uma conclusão e que novas interpretações e estudos sobre a Semiótica e sobre o Discurso religioso abrilhantarão este trabalho ainda mais.

Vale a pena ressaltar que o interesse pela teoria semiótica se deu por compreender que essa teoria tem se mostrado coerente e eficaz na análise dos mais diferentes tipos de textos; sejam eles publicitário, literário e também para as narrativas bíblicas. Foi o que procuramos demonstrar pelo trabalho exposto, a aplicabilidade da teoria semiótica no capítulo 1 do Evangelho de João.

Também a escolha pela semiótica greimasiana deveu-se a razões diversas principalmente de ordem profissional. Também vale a pena salientar que o caráter de teoria do texto que se volta para a análise interna do texto ou

estrutural do texto e externa do texto como toma para si a semiótica teve

influência na hora de optar por uma teoria para dar base à análise capítulo escolhido.

Pensando na função social da leitura, cumpre-se dizer que pela pesquisa empreendida verificou-se que a semiótica é um instrumento de aplicação da competência leitor. Uma vez que ela toma para si a teoria da significação e ler é atribuir sentidos num jogo dialético entre autor e leitor. Ela está entre as teorias que se voltam com as questões relacionadas com o que vem a ser o processo de leitura .

Considerando a leitura como um modelo interativo entre o texto e o leitor, em que este se baseia em seus conhecimentos para interpretar o texto, para extrair um significado, e esse novo significado permite-lhe criar, recriar, modificar, elaborar e incorporar novos conhecimentos em seus esquemas mentais e cognitivos.

Pela análise verificou-se que o Percurso Gerativo do Sentido da semiótica greimasiana propõe uma análise que vai do mais simples ao abstrato, buscando uma construção do sentido, um caminho a ser percorrido. Este caminho leva em conta que a leitura eficiente é uma tarefa complexa que depende de processos perceptivos, cognitivos, e linguísticos. O que exige do leitor por em ação vários níveis distintos, integrando, ao mesmo tempo, informação grafofônica, morfônica, semântica, pragmática, esquemática e

interpretativa. Desse modo, a semiótica se insere entre as teorias do texto preocupadas como processo do ato de ler, justificando sua aplicabilidade nas análises de texto religioso e outros.

Julgou-se que a práxis interpretativa deve ser considerada como “rearranjo”, uma vez em que o sujeito no ato de recepção reorganiza as estruturas textuais e lhe atribui sentido. Para a semiótica greimasiana, o leitor-produtor de sentido deve apresentar um domínio das organizações sêmio-narrativas e discursivas, exige também desse leitor competência para realizar a performance da leitura, pois qualquer ato de leitura opera uma semiose (terminologia da semiótica) que implica numa pressuposição recíproca entre a forma da expressão e a do conteúdo (na terminologia de L. Hjelmslev) – ou entre o significante e o significado (F. Saussure).

Capítulo 1 de João é o que se pode dizer daquelas leituras que envolvem o leitor não apenas pelo engenho ali presente, mas também pelas possibilidades de interpretações (de leituras) que este capítulo permite.

A análise permitiu-nos, de acordo com os objetivos propostos, demonstrar a aplicabilidade dessa teoria no evangelho, levando em conta o percurso gerativo do sentido; permitiu dizer que o narrador-enunciador prende a atenção do enunciatário- leitor e o estimula a se posicionar frente ao enunciado, isto é, o sujeito-leitor compartilha da mesma fé do enunciador. Por conseguinte, inferiu-se que o narrador quis mostrar que Jesus fez o fez por ser Deus e varão perfeito, o que o leitor lê ali no capítulo 1 pode perfeitamente imaginar tamanha a riqueza de detalhe com que o narrador descreve Jesus.

Conclui-se que os recursos estilísticos no texto de João estão a serviço do que ele pretendeu mostrar ao leitor atento. Portanto, o caminho traçado pelo autor e as escolhas feitas revelam que a forma está a serviço do conteúdo. O que para a semiótica greimasiana significa dizer que os valores humanos virtuais manifestaram-se na narrativa por ação do sujeito em busca de seu objeto de valor, revelando sua “visão de mundo” em cada uma de suas buscas. É nesse sentido que a análise de cada etapa do percurso se fez importante e relevante. Serviu também para a divulgação da proposta greimasiana de esquematização da forma e do conteúdo. Há também de se dizer que o evangelho tornou-se objeto de interesse para o estudo

metodológico sob a teoria semiótica do texto pelas possibilidades de interpretações e leituras que propõe em sua estrutura.

O evangelho de João tem sido estudado por muitos estudiosos da literatura bíblica e da religião como valioso instrumento de análise crítica. A Semiótica só faz, assim, comprovar a sua validade científica, logo um modelo de análise que colabora com a interpretação textual, no caso, especificamente, vem tratar da análise de um fato religioso da maior valia: Filho de Deus, do Poder de Deus.

Por fim, pôde-se compreender, com a análise do percurso gerativo do sentido, o porquê ser o texto um ir e vir, pois, a partir do discurso manifestado, lê-se o fazer humano e a valoração dos objetos de fazer e, a partir deste chega-se à leitura das ideologias que construiu e, ainda, sabendo-se quais são as ideologias, tem-se as justificativas do porquê as seleções foram desta ou daquela forma no momento da construção discursiva.

Espera-se poder desenvolver e aprofundar em trabalhos futuros questões vistas rapidamente nesta análise. Contudo, fica o desejo de prosseguir numa investigação mais acurada da teoria semiótica, bem como o seu uso nas análises de textos religiosos verbais e não- verbais. Ainda, o presente trabalho pode evidentemente apresentar falhas, pois não se trata de algo acabado. Entretanto, acreditamos que pode servir de estímulo para possíveis investigações posteriores.

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S237p Santos, Meire Dalva Figueredo dos

O percurso gerativo de sentido e a interpretação do texto bíblico / Meire Dalva Figueredo dos Santos – 2013.

90 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Sousa Bibliografia: f. 89-90

1. Semiótica 2. Narrativa bíblica 3. Percurso gerativo de sentido 4. Fé 5. Ethos 6. Evangelho de João I. Título

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