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Descrições definidas são expressões introduzidas pelo artigo definido (o, a, os, as) seguido de um sintagma nominal, como em o livro, a capital de Alagoas, os joga- dores do Palmeiras ou as praias de Santa Catarina. Do ponto de vista sintático, vamos categorizar o artigo definido como sendo um determinante (D), que toma como complemento um sintagma nominal (NP), sendo a projeção resultante um sintagma determinante (DP):

DP D NP

NPs, a partir de agora, são estruturas nucleadas por um substantivo (nome), sem a presença do artigo. Nos exemplos do parágrafo anterior, são NPs as sequên- cias livro, capital de Alagoas, jogadores do Palmeiras e praias de Santa Catarina. Voltaremos aos nomes próprios mais adiante.

Passemos, então, ao significado de uma descrição definida. Limitaremos nossa atenção às descrições definidas singulares, comparando-as com o que já vimos sobre os nomes próprios (também singulares). Assim como no caso dos nomes próprios, valemo-nos a todo instante de descrições definidas para falarmos de ob- jetos, pessoas, lugares e eventos. Por exemplo, empregamos a descrição definida o prefeito de Campinas na sentença abaixo para falarmos da pessoa que ocupa atualmente este cargo político.

Se o atual prefeito de Campinas é João da Silva (JS), então (1) é verdadeira se JS é paulista e falsa se JS não é paulista. Iremos captar este fato, assumindo que a extensão de um DP definido é o indivíduo que satisfaz a descrição apresentada pelo NP que segue o artigo definido.

J[DPo prefeito de Campinas ]K = o indivíduo a, tal que a é prefeito de Campinas

Qual a extensão do artigo definido o? Olhemos para a estrutura (simplificada) de (1) dada abaixo: S DP D o NP prefeito de Campinas VP é paulista

A extensão do NP prefeito de Campinas é uma função que leva um indivíduo x no valor de verdade 1, se x é prefeito de Campinas, e no valor de verdade 0, se x não é prefeito de Campinas. No cenário que estamos considerando, esta função leva JS no valor 1 e todos os demais indivíduos no valor 0. O que o artigo definido parece fazer, então, é olhar para a extensão de NP e selecionar o indivíduo ao qual esta função atribui valor 1. Isso é o que está formalizado na entrada lexical abaixo (que ainda sofrerá modificações):

JoK = λF⟨e,t⟩.o indivíduo a, tal que F (a) = 1

Há uma notação compacta para representar o único indivíduo que satisfaz uma certa condição ϕ, que é ιx[ϕ]. Valendo-nos dela, e da notação de predicados, po- demos representar a extensão de o da seguinte forma:

JoK = λF⟨e,t⟩. ιx[F′(x)]

A extensão do artigo definido é, portanto, uma função de tipo⟨⟨e, t⟩, e⟩. Como a extensão de NP é de tipo⟨e, t⟩, utilizamos aplicação funcional para obter a ex-

4.1 Descrições definidas tensão do DP sujeito em (1), que será de tipo e.

J[DPo prefeito de Campinas ]K = JoK(J[NPprefeito de Campinas ]K)

= ιx[JNPK(x) = 1]

= ιx[ prefeito(x, Campinas)]

= o indivíduo x, tal que x é prefeito de Campinas

Como a extensão de VP é de tipo⟨e, t⟩, utilizando aplicação funcional mais uma vez, chegamos às condições de verdade de (1).

J(1)K = 1 sse paulista(ιx[prefeito(x, Campinas)])

J(1)K = 1 sse o indivíduo x, tal que x é prefeito de Campinas, é paulista

4.1.1 Unicidade

As condições de verdade acima parecem adequadas. A sentença (1) será, de fato, verdadeira, se o indivíduo que ocupa atualmente o cargo de prefeito de Campinas, seja ele quem for, for paulista, e falsa se este indivíduo não for paulista. Nossa entrada lexical para o artigo definido singular parece correta.

Consideremos agora as sentenças abaixo, e perguntemo-nos se elas são verda- deiras ou falsas:

(2) O presidente de Campinas é paulista. (3) O vereador de Campinas é paulista.

Certamente, não queremos dizer que (2) e (3) são verdadeiras. Seriam elas falsas? Mas, se esse fosse o caso, preveríamos que as negações dessas sentenças fosses verdadeiras:

(4) O presidente de Campinas não é paulista. (5) O vereador de Campinas não é paulista.

Entretanto, compare essas sentenças com a contraparte negativa da sentença (1):

(6) O prefeito de Campinas não é paulista.

Enquanto (6) é a coisa certa a se dizer se acreditamos que (1) seja falsa, o uso de (4) e (5) é no mínimo estranho. Na verdade, o uso destas contrapartes negativas parece tão inadequado quanto o uso de (2) e (3).

O que parece problemático com o uso das descrições definidas em (2)-(5) é que as descrições introduzidas pelos NPs presidente de Campinas e vereador de Cam- pinas não se aplicam a um único indivíduo. Por um lado, não existe presidente de Campinas, e por outro existem vários vereadores na cidade. E de fato, uma pessoa que use (2) e (4) parece pressupor, tomar como certo, que exista um pre- sidente de Campinas. Já uma pessoa que use (3) ou (5) parece tomar como certo que Campinas possua apenas um vereador.

Em termos mais formais, as extensões dos NPs presidente de Campinas e vere- ador de Campinas não retornam o valor de verdade 1 para um único indivíduo. No caso de presidente de Campinas todo indivíduo é levado ao valor de verdade 0, e no caso de vereador de Campinas mais de um indivíduo é levado ao valor de verdade 1. O exemplo que havíamos discutido mais acima envolvendo o NP prefeito de Campinas não era problemático, justamente porque a extensão deste NP retorna o valor 1 para um, e somente um, indivíduo.

Para captar esses fatos, vamos reformular a entrada lexical do artigo definido. Nossa entrada atual diz que o artigo definido é uma função que toma como argu- mento funções de tipo⟨e, t⟩. Até aqui não impusemos nenhuma condição sobre essas funções. É o que faremos agora. Vamos assumir que o domínio da extensão do artigo definido contém apenas funções de tipo⟨e, t⟩ que retornam o valor 1 para um único indivíduo e 0 para todos os demais. Para representar esse tipo de função, vamos nos valer na metalinguagem da expressão∃!x, que deve ser lida como ‘existe um único x’. Vejamos:

JoK = λF⟨e,t⟩:∃!x ∈ De[F′(x)]. ιx[F′(x)]

A fórmula∃!x ∈ De[F′(x)] que aparece na entrada acima indica uma condição

sobre o domínio da extensão do artigo definido. Dizemos que essa extensão é uma função parcial de tipo⟨⟨e, t⟩, e⟩, já que seu domínio é um subconjunto de D⟨e,t⟩. Para pertencer ao domínio dessa função, não basta ser uma função de tipo ⟨e, t⟩. É preciso ser uma função que retorne o valor 1 para um único indivíduo.

Vejamos as consequências disso para o nosso sistema. Se voltarmos a (2)-(5), e tentarmos derivar a extensão de DP utilizando aplicação funcional, encontrare- mos um problema, já que a extensão de NP não pertence ao domínio da extensão do artigo definido. Não havendo como continuar a derivação, o sistema não atri- bui condições de verdade às sentenças. Podemos dizer para esses casos que a existência de um único presidente ou vereador de Campinas é condição necessá- ria para que as respectivas sentenças recebam um valor de verdade. No caso da sentença (1), que contém o DP prefeito de Campinas, a condição de que exista um

4.1 Descrições definidas único indivíduo que é prefeito de Campinas é satisfeita e a sentença será verda- deira ou falsa, a depender se este indivíduo é ou não paulista. Já nos casos de (2)-(5), as respectivas condições não são satisfeitas e as sentenças não são verda- deiras nem falsas. Podemos dizer que seu uso é infeliz, dada a inexistência de um único presidente ou vereador de Campinas.

Condições como a condição de unicidade imposta pelo artigo definido nos ca- sos acima são chamadas de pressuposições. Analisada do ponto de vista semân- tico, dizemos que uma sentença S pressupõe p se a verdade de p é condição ne- cessária para que S seja verdadeira ou falsa. Do ponto de vista pragmático, ou seja, do uso da linguagem, dizemos que S pressupõe p se S só pode ser usada adequadamente em contextos em que a verdade de p é tomada como certa, ou seja, como conhecimento compartilhado pelo falante e por sua audiência. Em uma visão ainda mais estritamente pragmática, diz-se que um falante pressupõe p quando ele age tomando como certa a verdade de p.

Tendo isso em mente, não é difícil notar que a condição de unicidade que in- troduzimos na entrada lexical do artigo definido é, na maioria das vezes, exces- sivamente restritiva. Por exemplo, imagine que estejamos envolvidos em uma conversa sobre a atual conjuntura política da cidade de Campinas, e que no meio desta conversa alguém diga o seguinte:

(7) O prefeito precisa melhorar o transporte municipal.

De acordo com o que dissemos acima, deveríamos esperar que o uso de (7) nesse contexto fosse infeliz, já que a mesma pressupõe a existência de um único pre- feito no mundo, e esse, obviamente, não é o caso. Entretanto, o uso de (7) na situação acima é perfeitamente natural. A razão é que o contexto deixa claro que estamos falando do prefeito de Campinas. Vamos dizer que o único indivíduo saliente no contexto que ocupa o cargo de prefeito é o prefeito de Campinas. Se, ao contrário, nossa conversa estivesse girando em torno de uma reunião entre o prefeito de Campinas e o prefeito do Rio de Janeiro, nossa sentença já não seria mais adequada, pois o contexto, neste caso, torna salientes dois indivíduos que são prefeitos. Precisamos então adicionar o conceito de saliência à nossa entrada lexical do artigo definido:

JoK = λF⟨e,t⟩:∃!xesaliente no contexto, tal que [F′(x)]. ιx[F′(x) & x está saliente

no contexto ]

Especificar exatamente como um indivíduo se torna saliente em um contexto é um dos tópicos mais controversos nos estudos da interface Semântica-Prag-

mática. Contentaremo-nos aqui em notar que o uso de descrições definidas é, como acabamos de ver, sensível a esse conceito, e que a entrada lexical acima busca representar, ainda que de maneira rudimentar, essa sensibilidade. Salvo indicações em contrário, omitiremos essa importante ressalva no restante desse livro.