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Comparemos o significado dos pares de sentenças abaixo: (11) a. Ninguém dormiu.

b. Nenhum menino dormiu. (12) a. Alguém dormiu.

b. Algum menino dormiu. (13) a. Todo mundo dormiu.

6.3 Determinantes quantificadores b. Todo menino dormiu.

Vamos começar com as sentenças em (11). Para que (11a) seja verdadeira, é necessário que não haja nenhum indivíduo que tenha dormido, caso contrário a sentença será falsa. Já (11b) é menos exigente. Para que ela seja verdadeira, basta que nenhum menino tenha dormido, ou seja, não deve haver nenhum indivíduo que seja ao mesmo tempo um menino e que tenha dormido. O fato de haver ou não meninas ou adultos que tenham dormido é irrelevante neste caso. As condi- ções de verdade de (11b) podem ser representadas da seguinte forma:

J(11b)K = 1 sse ¬∃x[menino(x) & dormiu(x)]

Para que obtenhamos esse resultado composicionalmente a partir das extensões do DP nenhum menino e do VP dormiu, basta que modifiquemos minimamente a extensão proposta mais acima para ninguém:

Jnenhum meninoK = λF. ¬∃x[menino(x) & F′(x)]

Assim como no caso de ninguém, a extensão de nenhum menino é também um quantificador generalizado, ou seja, uma função de tipo⟨⟨e, t⟩, t⟩. Para VP, não há nada de novo a ser dito. Sua extensão é de tipo⟨e, t⟩:

J[VPdormiu]K = λx. dormiu(x)

Utilizando aplicação funcional, chegamos ao resultado desejado:

J[SNenhum menino dormiu]K = J[DPNenhum menino]K(J[VPdormiu]K)

= (λF.¬∃x[x menino(x) & F′(x)])(λx. dormiu(x))

= 1 sse¬∃x[menino(x) & dormiu(x)]

Vejamos agora como obter a extensão de nenhum menino a partir de seus cons- tituintes imediatos: o NP menino e o determinante nenhum. Já sabemos que a extensão do NP é de tipo⟨e, t⟩. Acabamos de propor que a extensão do DP é de tipo⟨⟨e, t⟩, t⟩. Se quisermos utilizar aplicação funcional para obter a extensão de DP, só nos resta uma alternativa para o tipo semântico de D:⟨⟨e, t⟩, ⟨⟨e, t⟩, t⟩⟩, ou, de maneira simplificada,⟨et, ⟨et, t⟩⟩:

St DP⟨et,t⟩ D⟨et,⟨et,t⟩⟩ Nenhum NP⟨et⟩ menino VP⟨et⟩ dormiu

Em termos informais, o que a extensão de nenhum faz é o seguinte: ela olha para a extensão de NP e, em seguida, para a extensão de VP, verificando se existe algum indivíduo que é levado ao valor de verdade 1 tanto pela extensão de NP quanto pela extensão de VP. Se não houver, a sentença será verdadeira. Se houver, ela será falsa. Em termos formais, temos o seguinte:

JnenhumK = λF. λG. ¬∃x[F′(x) & G(x)]

Observando o tipo semântico dessa extensão do determinante (⟨et, ⟨et, t⟩⟩), nota- se uma semelhança com o tipo das extensões dos verbos transitivos, como amar (⟨e, ⟨e, t⟩⟩). Enquanto a extensão de um verbo transitivo mapeia dois indivíduos (tipo e) em um valor de verdade, a de um determinante mapeia duas funções (tipo ⟨e, t⟩) em um valor de verdade. Assim como as extensões dos verbos transitivos podem ser vistas como relações entre indivíduos, as dos determinantes podem ser vistas como relações entre funções. Essas relações costumam ser chamadas de relações de segunda ordem, distinguindo-se das relações de primeira ordem associadas aos verbos transitivos.

Prosseguindo na interpretação composicional dos DPs, podemos utilizar apli- cação funcional:

J[DPNenhum menino]K = J[DNenhum]K(J[NPmenino]K)

= (λF. λG.¬∃x[F′(x) & G(x)])(JNPK)

= λG.¬∃x[menino(x) & G′(x)]

Para postularmos extensões para os determinantes algum e todo, procedemos de maneira análoga à que acabamos de ver para o caso de ninguém. Comparando o significado de (12a) com o de (12b), podemos observar que, enquanto a primeira é verdadeira sempre que houver algum indivíduo que esteja acordado, a segunda

6.3 Determinantes quantificadores é mais exigente, precisando haver algum menino acordado. Intuitivamente, o que a extensão de algum parece fazer é olhar para as extensões de NP e de VP e verificar se existe um indivíduo que é levado ao valor de verdade 1 tanto pela ex- tensão de NP quanto pela extensão de VP. Se houver, a sentença será verdadeira, caso contrário será falsa.

JalgumK = λF. λG. ∃x[F′(x) & G(x)]

Para o caso do determinante todo, se compararmos o significado de (13a) com o de (13b), notaremos que as condições de verdade da segunda são menos exigentes que as da primeira. Em termos informais, o que a extensão de todo faz é olhar para as extensões de NP e de VP e verificar se todo indivíduo levado ao valor de verdade 1 pela extensão de NP é também levado ao valor de verdade 1 pela extensão de VP. Somente em caso afirmativo a sentença será verdadeira: JtodoK = λF. λG. ∀x[F′(x)→ G(x)]

A expressão∀x[F′(x) → G(x)] deve ser lida como “para todo x, se F (x) for

igual a 1, então G(x) será igual a 1.” A derivação das condições de verdade de Todo menino dormiu está esquematizada abaixo:

J[DPTodo menino]K = J[D Todo]K(J[NPmenino]K)

= (λF. λG.∀x[F′(x)→ G(x)])(JNPK)

= λG.∀x[menino(x) → G′(x)]

J[STodo menino dormiu]K = J[DPTodo menino]K(J[VPdormiu]K)

= (λF.∀x[menino(x) → F′(x)])(λx. dormiu(x))

= 1 sse∀x[menino(x) → dormiu(x)]

Antes de finalizar essa seção, um breve interlúdio técnico sobre a notação que empregamos acima na representação da extensão de todo. Essa representação fez uso do símbolo∀, o quantificador universal, que já havíamos visto, e do símbolo →, conhecido na lógica como implicação material ou simplesmente implica- ção. Esse símbolo conecta duas fórmulas ϕ e ψ, sendo ϕ→ ψ lida como “ϕ im-

plica ψ”, ou “se ϕ, então ψ”. Assim como o & que utilizamos para a coordenação aditiva de sentenças, → é definido na lógica como um conectivo verifuncional, com o valor de verdade de ϕ→ ψ dependendo apenas dos valores de verdade de ϕe ψ. Mais precisamente, sua contribuição costuma ser representada através da tabela abaixo: (14) Tabela de verdade de ϕ ψ ϕ→ ψ 1 1 1 1 0 0 0 1 1 0 0 1

Pela tabela acima, nota-se que ϕ → ψ só será falsa no caso de ϕ (chamado de antecedente) ser verdadeiro e ψ (chamado de conseqente) ser falso. Daí a pa- ráfrase, se ϕ, então ψ. A ideia é que a verdade do antecedente leve à verdade do consequente. O que pode parecer estranho na tabela acima são as duas últimas li- nhas. Elas nos informam que se o antecedente for falso, a implicação será sempre verdadeira, independentemente da verdade ou falsidade do consequente. Para o nosso propósito, que é a representação da extensão do determinante quantifica- dor todo vista mais acima, isso significa que em um cenário em que não houvesse meninos, por exemplo, a sentença todo menino dormiu seria verdadeira. De fato, essa não parece uma consequência desejável. Tampouco seria o seu oposto, ou seja, assumir que a implicação seja falsa nesses casos. Talvez caiba aqui uma aná- lise pressuposicional em que sentenças da forma [todo NP VP] só tenham valor de verdade quando a extensão de NP levar ao menos um indivíduo ao valor 1. Ou, talvez, essas sentenças requeiram uma combinação de recursos semânticos e pragmáticos de modo que seu uso apropriado imponha condições sobre a exten- são de NP. No restante deste capítulo, manteremos a entrada lexical vista mais acima para todo, deixando de lado essas (importantes) complicações (mas ver as sugestões de leitura ao final do capítulo).

6.4 Nomes próprios e descrições definidas como