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6.10 Quantificação e mudança de tipos

6.10.2 Mudança de tipos, negação e escopo

Passemos, por fim, à interação entre a negação e DPs quantificadores, conside- rando novamente a sentença em (64) e a estrutura logo abaixo:

(64) João não elogia todo professor. S DP João VP não VP V elogia DP todo professor

Vamos proceder de baixo para cima na derivação das condições de verdade desta estrutura, começando pela extensão do verbo elogiar obtida através de EA via elevação do tipo de seu primeiro argumento, conforme já discutido nas seções acima:

Jelogia2K = λQ.λz. Q(λy. elogia(z,y))

JVPK = JVK(JDPK)

JVPK = (λQ.λz. Q(λy. elogia(z,y)))(todo professor) JVPK = λz. Jtodo professorK(λy. elogia(z,y)) JVPK = λz. ∀x[professor(x) → elogia(z,x)]

Note que a extensão de VP é de tipo⟨e, t⟩. Este é um tipo booleano (termina em t) e, portanto, podemos combinar a extensão de VP com a extensão da negação de tipo⟨e, t⟩, ⟨e, t⟩, obtida através do esquema correspondente a sua entrada le- xical que apresentamos no capítulo 3 (estude novamente a seção sobre negação naquele capítulo):

JnãoK = λF⟨e,t⟩.λy.¬F′(y)

JVPK = JnãoK(JVPK)

JVPK = λy. JVPK(y) = 0

JVPK = λy. ¬∀x[professor(x) → elogia(y,x)]

Aplicando a extensão VP à extensão do DP sujeito, obtemos:

JSK = JVPK(JDPK)

JDPK = joão

JSK = 1 sse ¬∀x[professor(x) → elogia(joão,x)]

Como se pode notar, essas são as condições que queríamos derivar, com a nega- ção tendo escopo sobre o quantificador universal. (In)felizmente (ver exercício 5), não conseguimos derivar, dentro do sistema baseado em mudança de tipos que estamos discutindo nesse capítulo, a interpretação em que o DP objeto tem escopo sobre a negação (mas ver sugestões de leitura abaixo).

Encerramos, assim, a versão de nosso sistema interpretativo que dispensa o uso de movimento sintático e que, através do uso de regras de mudança de tipos, é capaz de lidar com DPs quantificadores na posição de objeto, ambiguidade de

6.10 Quantificação e mudança de tipos escopo e certas interações entre negação e DPs quantificadores.

Sugestões de leitura

Para uma apresentação dos quantificadores existencial e universal no âm- bito da lógica de predicados clássica, ver Gamut (1991) e Mortari (2016). Para o desenvolvimento no âmbito linguístico da ideia dos quantificadores generalizados, ver Barwise & Cooper (1981). Para um estudo aprofundado da quantificação, ver Peters & Westerstȧhl (2008). Para uma apresenta- ção panorâmica sobre a quantificação nas línguas naturais, ver Szabolcsi (2010). Para saber mais sobre a interação entre pluralidade e quantifica- ção, ver Winter (2001). Sobre numerais e DPs cardinais, ver Geurts (2006), Geurts & Nouwen (2007) e Krifka (1999). A regra de alçamento de quan- tificadores foi proposta por Robert May (ver May (1977; 1985)). Para uma discussão de vários tópicos ligados à sintaxe e à semântica dos DPs quanti- ficadores na linhagem chomskyana, ver Hornstein (1994). Para uma teoria em que o movimento dos DPs quantificadores é sensível à sua natureza, ver Beghelli & Stowell (1997). Para discussões introdutórias à ideia do sujeito interno a VP, ver Carnie (2013) e Haegeman (1994). Algumas regras de mu- danças de tipos relacionadas às que vimos neste capítulo são apresentadas e discutidas em Partee (1986) e Partee & Rooth (1983). A regra de elevação de argumentos foi proposta em Hendriks (1993), que também propôs uma outra regra chamada de value rasing, capaz de lidar com a interação entre negação e DPs que vimos na última seção desse capítulo.

Exercícios

I. Assuma que a sentença em (1) tenha a estrutura em (2): (1) Nem todo brasileiro fuma.

(2) S DP nem DP todo brasileiro VP fuma

Proponha uma extensão para nem condizente com as condições de verdade da sentença acima.

Considere agora a estrutura em (3) e proponha uma nova entrada lexical para nem que a torne interpretável.

(3) S DP D nem D todo NP brasileiro VP fuma

Qual a relação dessas extensões com a entrada lexical polimórfica da ne- gação que vimos no capítulo 3?

II. Calcule, passo a passo, as condições de verdade da sentença abaixo: (1) Mais de 5 alunos e menos de três professores chegaram.

III. Quais as condições de verdade que o sistema que desenvolvemos até aqui atribui à sentença abaixo?

(1) João não viu ninguém.

6.10 Quantificação e mudança de tipos IV. Imagine que o português possuísse dois determinantes — toneg e alneg — cujas extensões fossem as seguintes:

JtonegK = λF. λG. ∀x[¬F′(x)→ G(x)]

JalnegK = λF. λG. ∀x[F′(x)→ ¬G(x)]

Nesse caso, quais seriam as condições de verdade das sentenças abaixo? (1) Toneg brasileiro fuma.

(2) Alneg brasileiro fuma.

Diga se toneg e alneg são ou não conservativos, justificando sua resposta. V. Mostre que EA, a regra de mudança de tipos apresentada neste capítulo, não é capaz de gerar para a sentença (1) abaixo a leitura em que o DP todo professor tem escopo sobre a negação.

(1) João não elogiou todo professor. VI. Considere a sentença abaixo: (1) A mãe de nenhum aluno reclamou.

Para muitos falantes, essa sentença significa que nenhuma mãe de aluno reclamou.

(i) Mostre que mover o DP nenhum aluno para o topo da sentença gera essa interpretação.

(ii) Mostre que, mesmo se aplicarmos a regra de elevação de argumentos (EA) de modo que ela também abarque nomes transitivos como mãe, a interpretação resultante não é a desejada.

7 Ligação

Este último capítulo é dedicado à ligação pronominal e à sua relação com a correferência e com o movimento sintático. Discutiremos também a possibilidade de uma semântica sem variáveis, em que a implementação da ligação se dá sem atribuições nem índices.

7.1 Pronomes livres e ligados

No capítulo 4, introduzimos a noção de atribuição e discutimos seu papel na codi- ficação de informação contextual relacionada a referentes tornados salientes no contexto. A partir disso, assumimos que as extensões dos pronomes pessoais va- riam de contexto a contexto e implementamos essa ideia através da atribuição de índices a esses pronomes e da relativização das extensões a uma atribuição. Essa relativização era herdada por constituintes maiores que dominavam o pronome, podendo chegar à oração principal, como ilustrado abaixo:

(1) Ela1 ama Pedro.

JamaKg = λx.λy. ama(y,x)

JPedroKg= pedro

Jama PedroKg=JamaKg(JPedroKg)

Jama PedroKg= λy. ama(y,pedro)

Jela1Kg= g(1)

Jela1ama PedroKg=Jama PedroKg(Jela1Kg)

Jela1ama PedroKg= 1 sse ama(g(1),pedro)

Nesse caso, o pronome ela1está livre e a sentença será pareada com condições de

verdade dependentes da atribuição. Especificamente, apenas no caso de atribui- ções que tiverem o índice 1 em seu domínio, conferiremos um valor de verdade à sentença.

Já no capítulo 5, discutimos a interpretação composicional das orações rela- tivas. Analisamos casos em que um pronome (resumptivo) era ligado por um índice numérico associado a um pronome relativo. Nesse caso, a interpretação

da oração relativa como um todo não dependia mais de uma atribuição. Isso era consequência do princípio composicional que chamamos de abstração funcional, como ilustrado resumidamente abaixo:

(2) [NPcachorro [que 1 Pedro cuida dele

1]]

J1 Pedro cuida dele1Kg= λx.JPedro cuida dele1Kg[1→x]

JPedro cuida dele1Kg[1→x]= 1 sse cuida(pedro,g[1→ x](1))

J1 o Pedro cuida dele1Kg= λx. cuida(pedro,x)

No restante desse capítulo, vamos olhar um pouco mais de perto para a ligação e sua relação com a correferência pronominal.