• Nenhum resultado encontrado

2.5 Dificuldades encontradas no trajeto metodológico

3.1.1 O desejo do adotante

Durante os encontros, as interlocutoras fizeram referência ao roteiro de entrevista utilizado por elas no contexto de avaliação psicológica. Estas entrevistas (de estrutura semi- aberta) contemplam, segundo elas, aspectos referentes à história de vida e à dinâmica familiar do requerente, por exemplo. Dentre os aspectos mencionados, dignos de observação durante a prática investigativa, a motivação do (s) requerente (s), foi o mais destacado:

Principalmente, a motivação em adotar (Natalícia).

E referindo-se a esta motivação, quando perguntadas sobre o que seria observado num requerente que se dirigisse ao setor com intenção de adotar, as informantes focaram suas respostas basicamente „no desejo dos requerentes‟, „no lugar de desejo da criança‟, „o

investimento afetivo para com a criança‟. Observamos que não foi tocado o assunto da

orientação sexual, tampouco das práticas sexuais dos pleiteantes, postura que não se mantém com a introdução dos casos fictícios, aspecto a ser trabalhado em breve.

Já neste momento parece oportuno partilhar a nossa interpretação do que seria a noção de desejo para as informantes, uma vez que este substantivo emerge com freqüência no discurso psicológico. Acreditamos da leitura que fizemos das entrevistas colhidas que quando as psicólogas se referem ao desejo/ lugar de desejo da criança elas estão se referindo ao espaço reservado para a criança, seja referindo a (1) disponibilidade de investimento afetivo, que pode ser percebido nas expectativas quanto à criança e seu futuro, nas expectativas de lhe dar carinho; e a (2) disponibilidade em acolher uma criança concretizada tanto em aspectos

físicos como, por exemplo, a casa já ter um cômodo reservado para ser seu quarto, como aos aspectos práticos, por exemplo, a quem se destinará os cuidados cotidianos com a criança.

Referindo-se ao lugar de desejo da criança, lugar este de filiação, observamos ser importante ao corpo técnico apreender se os pleiteantes estão motivados a tomar como filho (a) uma criança/adolescente que não mais apresenta vínculos afetivos, sociais e jurídicos com sua família de origem. Diante disso, há o cuidado em se observar as razões dos pleiteantes no percurso adotivo, se impõe importante que o psicólogo possa apreender como os requerentes se portam diante o exercício da paternidade e maternidade36. As psicólogas parecem prezar pela reflexão dos requerentes em adentrar no percurso adotivo, garantindo uma relação de filiação com a criança.

Escutar um pouco sobre essa relação, o que é ser pai, ser mãe para essa pessoa, o que ela busca. Essa informação isoladamente não faz sentido, mas como ela [o requerente] se posiciona em relação a isso. Claro que passa por uma avaliação nossa, a gente vai avaliando através disso (Natalícia).

Segundo as informantes, os requerentes precisam estar cientes das dificuldades a ser encontradas, precisam estar certos da decisão tomada. É importante para elas, que o lugar reservado para a criança, seja um lugar de filiação: “O que a gente quer é que o desejo de ter

um filho, seja um desejo real de filiação, de ser pai, ser mãe...” (Regina).

Um outro elemento, percebido por nós como estando associado ao desejo diz respeito à expectativa da criança pelo requerente. Esse aspecto foi bastante destacado no primeiro momento da entrevista aberta, e as interlocutoras diziam observar „se o casal tem consciência

que a rotina irá mudar com a chegada da criança‟, „é interessante perceber a preparação que eles fizeram para receber as crianças‟, „o que eles esperam para o futuro desta criança‟, „como eles idealizam essa criança pretendida‟. E também quando traziam questões que

complementavam as narrativas, com o intuito de melhor contextualizar aquele quadro.

Na história I, as interlocutoras tanto fizeram constatações do que era abordado nas entrevistas investigativas com os pleiteantes, por exemplo “pelo que você trouxe a gente pode

perceber que Pedro é uma pessoa flexível...” (Silvia), como também algumas perguntas foram

levantadas como modo de melhor investigar o caso que ora se apresentava.

36 Retomando o texto da lei, citamos dois momentos que nos aparenta essencial pra discutir elementos freqüentes nas falas das entrevistadas no que diz respeito a esta motivação dos requerentes em adotar uma criança. Além do artigo 197-C introduzido após a reforma em 2009 (Lei 12.010) que reza que a equipe interprofissional deve em seu estudo psicossocial expor elementos que “permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável (...)” (FIGUEIRÊDO, 2010). O ECA em seu art. 41 diz que „a adoção atribui a condição de filho ao adotado (...)‟ (BRASIL, 2005).

As questões que as informantes traziam, dizendo ser importantes de serem investigadas referiam-se tanto a esta expectativa referente à criança quanto aos aspectos práticos de acolhida da mesma, e podemos assim exemplificar: „qual o lugar reservado pela

criança‟, „porque 02 crianças e até 02 anos?‟, „Estão preparados para receber uma criança assim?‟, „estão cientes das mudanças na rotina deles?‟, „Quem ficaria com elas quando fossem trabalhar?‟, „a renda deles seria suficiente para acolher 02 crianças?‟.

Na história II (parte A), os seguintes questionamentos foram obtidos, por exemplo:

„Se pensou que com a chegada do filho a rotina mudaria‟, „quem cuidaria da criança em sua ausência?‟, „por quê um bebê?‟. E na história III obtivemos, entre outras, as seguintes

observações: „observaria o lugar que o filho iria ocupar‟, „percebo que elas não tem noção de

onde estão colocando esse filho‟, „qual a recepção dos outros filhos para a chegada desta

criança?‟, „avaliar se esse é um momento propício para a chegada de uma criança‟.

Em relação a este aspecto, as entrevistadas se mostraram cuidadosas em atentar como os casais tendem a idealizar o futuro filho (SOUZA, 2008; PAIVA, 2005), o que na visão delas, mostra como o desejo foi constituído, e qual o espaço é reservado para o filho. Não podemos deixar de observar que o perfil da criança pretendida, prescrito na documentação (idade, número de crianças, raça, sexo, condições de saúde...) levanta discussões sobre a forte simbologia que a biologia traz na composição familiar.

A este respeito, as entrevistadas se mostram sensíveis a percepção da pseudo- semelhança física tão almejada pelos pleiteantes a adoção37. Em relação à segunda narrativa, são levantadas questões sobre a semelhança entre a criança e a requerente.

Por que 01 bebê até um ano, branco? Muitas vezes querem que pareçam com eles. O parecer (semelhança física) é uma coisa relativa, não é só o físico, às vezes parece muito mais no jeito, no modo de ser, na forma de lidar e também esse „parecer comigo‟ é uma tentativa mesmo que não esteja tão claro para pessoa, mas que aquele filho pareça filho biológico e que na verdade não é essa a proposta da adoção, a partir do momento que essa pessoa não deseja esconder que aquele filho não é filho dela, é filho dela, mas não é biológico (Isis).

A preocupação que se impõe é que os requerentes ao pretenderem uma criança com características próximas as suas, tendam a não revelar a adoção para o filho, numa expectativa de fazer com que aquela família seja permeada por sustentação biológica.

Quando indagadas a respeito da (possível) postura assumida no caso de atendimento a alguém declaradamente homossexual as interlocutoras são unânimes em verbalizar que a

37

Conforme as informantes, o perfil da criança pretendida pelos requerentes é: 01 menina, branca até 02 anos de idade.

avaliação se daria de igual modo, que os mesmos pontos seriam observados. Mas com o advento das histórias fictícias, essa indistinção nem sempre foi mantida.

Em geral, apenas os pareceres em relação à terceira história foram desfavoráveis naquele momento38. Embora a aceitação da orientação sexual e o conseqüente assumir-se perante a sociedade das pleiteantes, seja visto positivamente, as psicólogas justificam a decisão pelo fato do desejo do casal requerente não ser um desejo de filiação. O lugar da criança é colocado como a salvação do relacionamento “selar a união”, o que não é visto como um motivo legítimo. Além do embate judicial travado entre Inês e o pai de sua filha, que se constituiria num desgaste emocional, não proporcionando uma estabilidade psíquica adequada, no lidar com o projeto adotivo.