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2.5 Dificuldades encontradas no trajeto metodológico

3.1.2 Sobre revelações: a saída do armário

Outro aspecto que parece sinalizar uma boa condição de paternidade e maternidade é a capacidade dos requerentes de lidar com situações – problema com as crianças, preparando- as para lidar com situações constrangedoras. Atentando-se ao fato que tais situações só emergiram após a revelação da orientação sexual dos requerentes-personagens, ou apenas havia sido contemplado na primeira parte da coleta de dados, quando as interlocutoras traziam dados de sua atuação com requerentes declarados homossexuais em sua prática laboral. As falas abaixo pode nos servir de exemplo:

Mas o que a gente vê é a questão da informação, por que veja como você pode naturalizar uma coisa se isso é um tabu dentro de sua própria casa? Se você não chega para falar de sua orientação? Por que de uma certa forma não é o convencional para a sociedade. Não é assim que é estabelecido para a sociedade. Se for claro para criança essa opção, que ela gosta de mulher, que é o jeito dela de ser feliz, se for claro tudo isso, a gente parte do princípio que é mais natural, (...) gera menos revolta na criança, faz com que ela aprenda a lidar melhor com outras até na forma de responder ao amiguinho (Isis).

E também:

Quanto à homossexualidade também é preciso avaliar esse desejo, não há distinções [na avaliação feita pelo corpo técnico]. Vê se é apenas auto-afirmação, por que tem direito então quer pleitear (...) Se eles estiverem seguros não vão passar para criança (Normandí).

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Os posicionamentos referentes a história II (em momentos favoráveis e em outros desfavoráveis) serão trabalhadas num tópico a parte. Já quanto à história I, os posicionamentos se mostraram favoráveis (desde que garantidos certos aspectos) e serão trabalhados ao longo do capítulo.

Percebemos que o entendimento do corpo técnico é que os pais deveriam falar abertamente às crianças sobre sua homossexualidade para que aquela circunstância (da orientação sexual) fosse naturalizada por ela (s), possibilitando às mesmas maiores condições de entendimento. Esse falar abertamente, como veremos a seguir nas falas a respeitos dos casos fictícios, só surgiu quando se tratava de orientação sexual homo-orientada. Quando se falava de heterossexuais essa possibilidade não era sinalizada, talvez porque não seja tabu em nossa sociedade a heterossexualidade e sim a homossexualidade. Como a ordem é heteronormativa a sociedade não precisaria tecer comentários, reflexões, ponderações, inquietações de algo que foi naturalizado, sacramentado sócioculturalmente.

Logo na primeira história, de Pedro e Augusto, encontramos tópicos que aparentemente não são levantados em casos de requerentes heterossexuais: „Interessaria ver como eles pensam a sexualidade‟, „Como os sobrinhos lidam com a homossexualidade?‟,

„Como explicam para eles?‟, „como pretendem contar sobre a homossexualidade?‟, „O maior preconceito é o da sociedade, a criança precisa esta preparada para responder uma ofensa‟.Ou na terceira história, de Inês e Marília, encontramos posicionamentos como por exemplo, „O importante é que hoje elas se assumam enquanto “homossexual”.

De igual modo, ao trabalho anterior (CORREIA, 2008) a orientação sexual quando homossexual, era sim alvo de indagações e mantinha-se como centro das atenções ao requerente revelá-la, embora anteriormente (nas entrevistas abertas) as interlocutoras tivessem verbalizado que a orientação sexual não era motivo de impedimento por si só ao projeto adotivo ou que não haveria distinções na avaliação de um casal hetero- ou homossexual.

Ainda a respeito do realce levantado com a homossexualidade declarada, na história II (parte B) encontramos quando Joana se declara uma travesti, as seguintes ponderações: „como

pretende contar para a criança‟?‟, „relação de confiança pode se abalar se a criança descobrir depois‟, „que preparo esta tendo para assumir o lugar de mãe?‟, „Se não aceita esta condição, como passar para a criança?‟, „Joana precisaria estar segura da sua sexualidade para lidar com a sociedade, enfrentar a questão com a criança, trabalhá-la neste sentido‟.

E na última parte dessa história II, além de questões para auxiliar no maior entendimento sobre a vida de Joana (apoio familiar, moradia, relacionamentos passados e expectativa de futuros) a questão da revelação veio à tona novamente. Tanto a revelação da adoção, prestigiando a criança sobre sua história de vida fática, como também a revelação da homossexualidade.

Muito embora as entrevistadas relevem que a requerente possa ter escondido sua orientação sexual por acreditar que a equipe técnica não se posicionasse favorável ao seu pedido por ela se declarar homossexual, um segundo caminho de interpretação é que o segredo foi mantido por um preconceito que é da própria Joana em não aceitar sua homoafetividade. Acreditando, ainda, que o simples fato de esconder não seria algo carregado de negatividade, ou seja, que não seria impeditivo de entrar no cadastro para adoção, uma verificação da aceitação interna da requerente é almejada. Acreditamos que a fala de Isis é explicativa desta postura:

Com esse novo dado teria que ver o quanto ela [Joana] aceita essa condição dela. Por que veja se não estiver claro para ela, também não vai ta claro para criança e isso iria dificultar. Talvez perceber q talvez ela esteja querendo um filho para se sentir mulher “eu quero dizer que esse filho foi realmente meu para que eu possa me sentir mulher”. Isso pode gerar algumas conseqüências negativas para a criança. Em que sentido? Se não for uma coisa clara, explícita para criança e ela venha a descobrir depois como vai ficar a relação de confiança dela com a mãe? Como vai perceber a questão da aceitação dela. Isso acaba acarretando em muitas outras coisas. Por que você escondeu? Você pretende revelar isso para criança? De que forma? Você pretende falar? Ou não pretende? Vindo esse dado, sabendo que ela tinha tentado esconder antes a gente ficaria receosa em ver se ela teria um preconceito da nossa parte ou se seria um preconceito é da parte dela mesmo (Isis).

Inclusive, quando dizem que o problema desta configuração familiar „é o enfrentar a

sociedade‟ e que os requerentes precisam estar seguros para „saber responder questões com a criança‟, ou ainda que „poderia até surgir raiva da criança‟, dependendo da forma como ela

foi criada, por estar num lugar tão diferenciado, podemos perceber a ligação estreita que transparece entre a aceitação da requerente com a aceitação da criança de sua orientação sexual, cuja negativa seria sinônimo de conseqüências negativas ao desenvolvimento da criança. Esta conjuntura será trabalhada a seguir.

3.1.3 Moralidade sexual: prostituição, permissividade, travestilidade e