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CAPÍTULO 2 – MÉTODO

2.2. Procedimentos de Construção dos Dados

2.2.1. Desenho Animado

A escolha por exibir histórias de desenho animado deu-se por três razões: i) sua marcante presença e popularidade entre as crianças; ii) suas características discursivas e iii) seu caráter lúdico. Primeiro, é fato que os desenhos animados estão presentes na vida de praticamente todas as crianças, moradoras de centros urbanos e com acesso à TV, principalmente devido à ampliação da possibilidade de acesso a eles, seja por meio dos canais abertos de TV, de sua locação em lojas especializadas ou pela crescente oferta de DVDs com desenhos infantis em supermercados e lojas. Na realidade, inicialmente cogitou- se a ideia de utilizarmos histórias de revistas em quadrinhos para as atividades de construção de dados da pesquisa, porém, levantou-se a possibilidade de termos algumas das crianças entre cinco e oito anos ainda em processo de alfabetização. Esse fator pesou

bastante na decisão pelo gênero desenho animado, o qual dispensaria a necessidade de a criança saber ler.

Além da facilidade de acesso, outro ponto a destacar é que o desenho animado é um gênero que possui características discursivas bastante acessíveis à compreensão infantil, tais como vocabulário simples, enredos baseados em situações típicas da infância e, frequentemente, permeadas de humor (Kindel, 2003). Os desenhos animados dirigem-se especialmente ao público infanto-juvenil, por isso têm seus enredos, em geral, construídos a partir da ótica infantil: como as crianças-personagens veem o mundo, como se sentem em relação às pessoas (pais, amigos, professores, vizinhos etc.) e como interagem com elas, como administram situações-problema, etc. Isto torna as tramas discursivas apresentadas altamente passíveis de identificação por parte das crianças, facilitando assim a interação dos indivíduos participantes na situação de pesquisa. Os temas trabalhados nas histórias escolhidas para este estudo diziam respeito a questões cotidianas do universo infantil, como relacionamento adulto/criança, disputas de gênero meninos/meninas, dominação paterna e preocupação com a própria imagem diante de um grupo.

Caberia, igualmente, justificarmos por que razão os desenhos animados escolhidos, dentre tantas opções, restringiram-se ao da Turma da Mônica: a opção decorreu do fato de ser este um conjunto de personagens infantis de origem nacional (logo, culturalmente ambientado para crianças brasileiras), bastante conhecidos da maioria da população, seja através das tradicionais revistas em quadrinhos ou por meio de vasta produção em vídeo, exibida nos programas televisivos infantis (seus desenhos podem ser assistidos atualmente nos canais Globo – TV aberta – e Cartoon Network – TV por assinatura), quanto disponível em DVDs no mercado. A primeira revista em quadrinhos da Turma da Mônica foi lançada em 1970 e teve uma tiragem de 200 mil revistas. Criada pelo cartunista Maurício de Sousa, a Turma da Mônica é um conjunto de aproximadamente duas dezenas de personagens, sendo os principais Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali.

Atualmente, a Turma da Mônica pode ser encontrada em diversas mídias como livros, jornais, desenhos animados, CD-ROM, games, internet e discos, além de ter gibis e outros produtos licenciados em 40 países e com 14 idiomas. Segundo informações disponíveis na internet, as revistas são vendidas aos milhões, o licenciamento é o mais

poderoso do país e os estúdios se preparam para trabalhar com a televisão. De 1979 até 2010, foram lançados 17 filmes da Turma da Mônica, sendo os episódios utilizados nesta pesquisa selecionados dos DVDs “A estrelinha mágica” (2004), “Cine Gibi 2” (2005) e “Cine Gibi 4” (2009).

E por último, mas não menos importante, o desenho animado tem como função comunicativa principal entreter, promover momentos lúdicos, o que contribuiu, certamente, para favorecer um ambiente mais convidativo e despertar o interesse das crianças na atividade da pesquisa. Algumas delas, inclusive, chegaram a pedir que continuássemos a exibição dos desenhos, o que pode ser considerado um indício de que o formato da atividade alcançou o objetivo de não provocar enfado.

Foram empregados nas situações de construção de dados os seguintes materiais: um DVD contendo os trechos dos episódios selecionados de desenho animado da Turma da Mônica, um aparelho de televisão ou computador portátil pessoal, reprodutor de DVD e uma câmera de vídeo portátil. Em algumas ocasiões, quando a pesquisadora precisou se certificar de que a criança conhecia aquele grupo de personagens, mostrou-se a capa de uma revista em quadrinhos da Turma da Mônica e perguntou-se o nome ou alguma característica dos personagens.

Considerando que o objetivo da exibição dos desenhos era destacar os trechos em que ocorriam as situações com a presença da ironia, e que também não poderíamos prolongar o tempo de encontro com as crianças, utilizamos um DVD adaptado para os fins da pesquisa, o qual continha a abertura dos episódios (onde aparece e é anunciado o título), uma cena inicial utilizada no relato introdutório feito pela pesquisadora (a qual era mostrada em pausa) e os segmentos específicos do episódio que continham os diálogos em que ocorriam os enunciados irônicos (efetivamente exibidos). A decisão por selecionar três episódios de desenho animado decorreu da preocupação em oferecer mais de uma situação em que a criança pudesse interagir com ironia em evento argumentativo, considerando que múltiplas observações têm a possibilidade de proporcionar um quadro mais aproximado dos processos realizados pela criança na construção de sentidos. Seria um tanto pretensioso acreditar que numa única observação uma criança estaria na condição ideal para dar o melhor de si em termos de compreensão.

Tendo considerado todos os aspectos acima descritos, chegou-se ao critério crucial relacionado à pergunta de pesquisa: selecionar episódios que contivessem situações argumentativas, ou seja, aquelas em que houvesse uma disputa de opiniões, nas quais aparecessem enunciados irônicos, aos quais se pudesse atribuir um valor retórico. Esta seria, portanto, a unidade de análise da pesquisa, isto é, a menor parte do fenômeno em que se observam as características básicas que o constituem (Vigotski, 2008, p.5). Para analisar as dimensões da ação argumentativa, utilizou-se o modelo proposto por Leitão (2000), que considera serem estes os três elementos fundamentais de uma argumentação: o argumento (ponto de vista e elementos de apoio), o contra-argumento (enunciado que desafia o argumento) e a resposta (reação ao contra-argumento). Para ser selecionado como episódio a apresentar às crianças, em cada episódio deveria ser possível identificar cada um desses elementos argumentativos, bem como, é claro, a ocorrência de ironia em um ou mais deles. Mais adiante, no tópico 2.2.3, em que se apresentam os episódios selecionados, estão dispostos os esquemas da argumentação que acontece em cada um deles, os quais foram elaborados para que se visualize o papel retórico da ironia presente nas situações exibidas.

Posto isto, veremos então como se definiram as questões elaboradas sobre cada episódio trabalhado.

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