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"A busca da felicidade é pessoal, e não um modelo que possamos dar aos outros."

Paulo Coelho

Atendendo a que estudámos um fenómeno humano que tem a ver com as crenças das mães que não amamentam e influências na sua construção, optámos por um desenho de investigação qualitativo com características fenomenológicas. Esta decisão baseou-se também no facto do tema ser complexo, íntimo, sensível e pouco explorado na enfermagem (não encontrámos nenhum estudo sobre crenças para não amamentar), para além de termos pretendido aceder à subjectividade da pessoa, a qual tem uma forte interdependência com o ambiente social e cultural. De acordo com Zohem (2002:1-3) a fenomenologia estuda as experiências vividas e é útil quando se estuda um novo assunto ou quando se pretende ou se necessita de uma nova perspectiva sobre um determinado tema.

Em Enfermagem, Polit e Hungler (1999:11-12) referem-se ao paradigma naturalista em oposição ao paradigma positivista. Segundo as autoras, aquele também é conhecido como fenomenológico ou construtivista e reflecte o pensamento pós moderno de desconstrução

(no sentido de colocar de parte velhas ideias e estruturas) e reconstrução, sendo uma tentativa importante de enquadrar a investigação em enfermagem. Do ponto de vista ontológico a realidade é perspectivada como múltipla e subjectiva e é uma construção dos indivíduos que participam na investigação; a realidade existe dentro de um contexto e são possíveis muitas construções. Epistemologicamente, o investigador interage com os participantes e os resultados são consequência desta interacção. Em termos axiológicos, a subjectividade e os valores são inevitáveis e desejáveis. Metodologicamente, trata-se de um processo indutivo, cuja ênfase está na totalidade e holismo do fenómeno; as interpretações surgem das experiências dos participantes a partir de um projecto flexível, contextualizado, com relevo da narrativa e da análise qualitativa, na procura de padrões. A posição do investigador é relativista pois reconhece múltiplas interpretações da realidade e a não existência de um processo que possa determinar a verdade ou falsidade de algo.

Merleau-Ponty (1999:1-2) explica que a fenomenologia é o estudo das essências e tudo se resume na sua definição. Também é uma filosofia que as recoloca na existência; as coisas existem antes de serem pensadas e reflectidas e o que a fenomenologia faz é reencontrar este mundo e tentar descrever a experiência como ela é. Por seu lado van Manen (1990:9- 21) considera que este tipo de investigação é adequado quando se pretende incidir nos seguintes aspectos: 1) O estudo da experiência de vida, do mundo e do quotidiano em que ocorre; 2) A explicação dos fenómenos que surgem à consciência e uma vez que toda a consciência é consciência de algo, implica uma intencionalidade; 3) O estudo das essências questionando a verdadeira natureza dos fenómenos - a essência de um fenómeno é universal e uma intenção sistemática de revelar as estruturas significativas da vida; 4) A descrição dos significados vividos e existenciais através dos quais se pode explicar os significados da vida quotidiana; 5) O estudo científico dos fenómenos humanos - enquanto ciência procura um saber sistemático, explicito, autocrítico e intersubjectivo; 6) Atribuição de sentido ao quotidiano; 7) A exploração do que significa ser humano; 8) Pensar sobre a experiência original. Uma vez que tínhamos por objectivos específicos “analisar as crenças na construção da decisão das mães em não amamentar” e “explorar como as mães que decidiram não amamentar foram influenciadas na construção das suas crenças sobre o AM” em que, enquadrando no acima exposto por van Manen, pretendemos incidir na experiência de vida quanto ao fenómeno de ausência de amamentação consoante a explicação que ocorreu à consciência das mães tentando compreender a sua natureza, os significados de acordo com a sua vivência quotidiana, considerámos que uma abordagem com características fenomenológicas seria a mais adequada.

De acordo com Zohen (2002:5) a fenomenologia hermenêutica foi primeiramente apresentada por Husserl e depois modificada por Heidegger e Gadamer. Heidegger interessou-se pela aprendizagem e pela compreensão da estrutura dos existenciais24 ou da experiência vivida, também designado como munda-da-vida, como o mundo pessoal dos indivíduos é experimentado de acordo com quatro estruturas: espacialidade, corporalidade, temporalidade e relacionalidade. Gadamer expandiu a definição anterior para se referir à capacidade humana de compreender a sua própria existência. Zohen (2002:4-5) entende que a investigação fenomenológica é adequada para a enfermagem porque procura compreender as necessidades da outra pessoa e o modo como experimenta a sua vida.

Watson (2002:39) considera que a enfermagem se embrenha cada vez mais na fenomenologia por ser uma arte e uma ciência que tem um carácter indutivo, subjectivo e orientado pela metafísica. Na sua visão da ciência de enfermagem a autora (p. 53;69-70) explica que a metafísica tem a ver com as transacções entre os seres humanos que vão além do alcançável pelos sentidos, entrando na espiritualidade e também nos valores e nas crenças que são manifestados e partilhados pelos enfermeiros e pessoa a quem presta cuidados. Watson (2002: 137; 143-144) explica que a fenomenologia tenta descrever e compreender as experiências humanas de acordo com o que surgem ao conhecimento e incluem experiências de saúde, doença, perda-dor, ansiedade, esperança, desespero, amor e conceitos de existência, entre outros, ou seja, dirige-se às experiências humanas para as descrever, analisar e compreender de modo a aceder ao significado subjectivo de um determinado assunto da vida real. Assim, refere-se ao que as pessoas compreendem, experimentam e conceptualizam sobre um fenómeno.

Consideramos que este estudo possui características da fenomenologia hermenêutica porque tenta seguir uma orientação interpretativa, centrada nos sentidos da experiência ou ausência de amamentação, explicitando as orientações e interpretações que motivam as mães para a sua tomada de decisão consoante a sua atribuição de sentido. Salvaguardamos que, atendendo às condicionantes temporais de uma tese de mestrado, não pudemos seguir de modo purista as exigências deste tipo de investigação. Acreditamos como Boemer (1994:92) que o melhor caminho é o que faz sentido para o investigador e lhe proporciona possibilidades de mais conhecimento uma vez que um método por si só não traz resposta à complexidade do ser humano.

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