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“A integridade sem conhecimento é fraca e inútil e o conhecimento sem integridade é perigoso e pavoroso.” Samuel Johnson

Ao investigarmos as crenças das mães que não amamentam, temos consciência de estarmos a entrar num campo eticamente sensível. É que, se por um lado, o aleitamento materno é o mais saudável, por outro lado, estudámos quem não desejou aderir a esta prática ou a interrompeu. Pensamos que pode ter existindo uma ambivalência desta mãe, perante os profissionais, perante si própria e, no nosso caso, perante os investigadores porque, se por um lado, podem reconhecer que é o melhor, a opção foi no sentido contrário, pelo leite artificial. Por conseguinte tivemos o máximo cuidado para não contribuir para o seu mal-estar ou culpabilização e adoptamos o ponto de vista de Frei Bernardo Domingues (2004), o qual, de tanto nos identificarmos, transcrevemos na íntegra:

É útil e necessário desenvolver o espírito de pesquisa rigorosa, de afinamento de critérios e de tolerância recíproca, recorrendo a rigorosos argumentos de razão, em busca de soluções ajustadas à complexidade da vida humanizada, tendo em conta a dignidade intrínseca da estrutura pessoal e as necessidades de bem promover o bem comum pela justiça comutativa, distributiva e a solidariedade (…) tendo em conta as circunstâncias influentes que envolvem a vida das pessoas em comunidade com filosofias diferenciadas nos fundamentos e comportamentos pessoais e sociais. (p. 188)

Se temos de ser rigorosos na investigação, também temos de ser tolerantes, atendendo à complexidade de cada pessoa e às circunstâncias únicas da sua vida. O mesmo autor (p. 188) chama a atenção para as particularidades dos desejos e apetências, atribuição de sentido, opções e motivações que se relacionam com valores e expressões culturais. Mantivemos atenção a estas premissas ao longo de todo o processo de investigação, tanto que, se inicialmente tínhamos a noção de que as mães não amamentam ou interrompem o AM precocemente pensando essencialmente em si mesmas, perante as evidências obtidas, alterámos a nossa forma de pensar, demonstrando que não enviesámos os resultados e nos mantivemos numa atitude de abertura às participantes e aos dados que proporcionaram.

Enquanto investigadores não deixamos de ser enfermeiros e, neste sentido, foi nossa preocupação ética demonstrar qualidades que ainda Frei Bernardo Domingues (p. 194) nos atribui: competência, honestidade, lealdade, sigilo, avaliação cuidadosa e reflectida dos riscos e benefícios, atendendo sempre ao maior bem possível no contexto que estudamos, superando preconceitos. Assim, continuando a basear-nos no mesmo autor defendemos a maturidade intelectual, ética e afectiva, que se traduz na tolerância pelas diferenças. Nunes, Amaral e Gonçalves (2005:38) sublinham o respeito pelos valores e costumes como estando na génese da boa prática de enfermagem, pois exercer esta profissão pressupõe sensibilidade para com as diferenças.

A dignidade humana é a base de todos os princípios éticos que norteiam a prática de enfermagem. Nunes, Amaral e Gonçalves (2005:61) consideram que essa mesma dignidade se baseia em quatro implicações: 1) inviolabilidade da pessoa, que não pode ser usada ou alvo de sacrifício por parte de outros; 2) reconhecimento da autonomia individual, de modo que cada pessoa planeie a sua vida de acordo com o que para si considera ser a excelência, mantendo o respeito por esse mesmo reconhecimento em todos os outros; 3) reconhecimento de que cada pessoa deve ser tratada do ponto de vista social, de acordo com a sua conduta e não segundo factores como a etnia, o sexo, a raça, o estatuto sociocultural ou económico; 4) exigência de solidariedade para com os outros seres humanos em caso de infelicidade e sofrimento.

Conscientes de que o objecto desta tese incide em fenómenos humanos, apoiámo-nos no Artº 81º do Código Deontológico dos Enfermeiros, descrito pelas autoras supra referidas nas seguintes alíneas: a) Cuidar da pessoa sem qualquer descriminação económica, social, política, étnica, ideológica ou religiosa e aqui entendemos a relação estabelecida entre e investigador e participante, pois o primeiro não deixa de estar ao abrigo do código deontológico da sua profissão; e) abster-se de juízos de valor sobre o comportamento da pessoa assistida e não lhe impor os nossos próprios critérios e valores no âmbito da consciência e da filosofia de vida – portanto, enquanto investigadores/enfermeiros, o nosso papel foi de ouvir, compreender e não julgar as suas opções; f) respeitar e fazer respeitar as opções culturais da pessoa e criar condições para que possa exercer, nestas áreas, os seus direitos - no que a esta alínea diz respeito, tivemos de respeitar a opção de não amamentar ou de interromper o AM, atendendo às condições culturais dessa pessoa bem como participar neste trabalho consoante o seu desejo e o que foi melhor para si. Como os autores acima indicados explicam, implica reconhecer que a outra pessoa é um

(…) parceiro interessado e que não pode ser considerado apenas numa perspectiva utilitarista (…) mas numa óptica de verdadeiros respeito da sua autonomia. (p. 92)

Resumindo, este estudo ao ter como participantes mães que não amamentam acarretou, na nossa forma de pensar, o risco de ao abordá-las, as fazer sentir julgadas quanto à sua decisão face ao AM, podendo mesmo desencadear sentimentos de culpa. Por isto partimos para a colheita de dados com a colaboração de enfermeiras que as conhecem e que fariam o papel de intermediárias. Perante a falta de sucesso desta estratégia, tivemos de a alterar como explicado no subcapítulo “Participantes”.

Abordámos as suas crenças de modo que começou por ser mais amplo e abarcasse a sua vida e experiências sem perguntas directas como “Porque não amamenta?” ou “Porque não amamentou?”. Evitámos assim uma forma inquisitiva que pudesse ser interpretada como julgamento da sua conduta e, como expusemos ao longo de todo este estudo, uma vez que as crenças começam a construir-se desde a infância, pensamos que, ao enveredar por uma forma de perguntar que tivesse em conta o seu caminho e experiências, nos permitiu compreender as suas crenças sobre o AM e o que influenciou a sua construção.

Explicámos ainda o que pretendíamos, pedimos o consentimento informado por escrito, lemos as transcrições das entrevistas, enfim, seguimos os preceitos do Relatório Belmont descritos por Polit e Hungler (1999:133-143), isto é, princípio da beneficência; principio de respeito à dignidade humana e princípio de justiça, com as devidas adequações à investigação qualitativa nomeadamente no que se refere ao anonimato e à confidencialidade. Se entendermos que o anonimato implica que nem o investigador conheça ou seja capaz de relacionar os dados com quem os forneceu, tal é impossível na investigação qualitativa em geral e neste trabalho em particular porque pela proximidade com as mães sabemos quem verbalizou o quê. Porém e, de acordo com diversos autores, nomeadamente Merriam (1998) e Streubert e Carpenter (2002) isto é inerente à investigação qualitativa e constitui uma das suas vantagens. Neste caso o que tivemos de salvaguardar foi a confidencialidade e, para tal, atribuímos a cada mãe um nome fictício que por opção de todas foi da nossa escolha mas é do seu conhecimento, de modo que apenas a investigadora e cada uma das participantes sabe quem é cada mãe. Ainda para respeitar a confidencialidade o material áudio e os consentimentos informados estão guardados em lugar seguro e a que só a investigadora tem acesso, sendo as fitas magnéticas

destruídas após a apresentação da tese como combinado com as participantes a quem apresentámos esta opção ou a de lhas entregar.

Por fim, afirmamos que acreditamos que cada mãe que participou é muito mais importante do que qualquer informação que nos pudesse fornecer. E comprometemo-nos para que em nada a sua identidade e dignidade seja afectada.