• Nenhum resultado encontrado

Desenvolvimentismo e preservação ambiental (1955 a 1980) No final da década de 1950 e início de 1960 fundaram-se as primeiras

A formação da Comunidade de Pesquisa da região Norte do Brasil

2.4 Desenvolvimentismo e preservação ambiental (1955 a 1980) No final da década de 1950 e início de 1960 fundaram-se as primeiras

universidades federais na região Norte, inaugurando um novo cenário. A Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) foram instaladas em 1957 e 1962, respectivamente. De maneira geral, esse período foi muito significativo para a ciência na região Norte, principalmente com os investimentos realizados a partir dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (I e II PNDs, 1972 e 1975) e dos Planos Básicos para o Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia (I, II e III PBDCTs, 1973, 1975 e 1980). O sistema universitário da região se expandiu e se desconcentrou com a criação das Universidades Federais do Maranhão (UFMA) e do Acre (UFAC), nos anos 1966 e 1971 respectivamente.

Após o golpe militar em 1964, a necessidade de ordenamento territorial da Amazônia foi novamente reforçada enquanto estratégia geopolítica de “segurança nacional”. Conseqüentemente, a teoria do “espaço vazio” a ser ocupado foi ainda mais enfatizada. A matriz de objetivos do período anterior – civilização e desenvolvimentismo - foi potencializada com o projeto de integração nacional. Em 1966 foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) com o objetivo de realizar a “Operação Amazônia”. Tal operação foi implementada durante os anos 1970 por meio do Plano de Integração Nacional e de 15 Pólos de Desenvolvimento distribuídos pela área da Amazônia Legal (BECKER, 1990 e ARAGÓN, 1994). Vários incentivos foram criados para a atração de investidores do centro-sul ou estrangeiros, tais como isenções fiscais, infra-estruturas de transporte e flexibilização na venda de terras.70

A implantação acelerada de infra-estruturas úteis ao desenvolvimento econômico regional proporcionou maiores investimentos às instituições de pesquisa já consolidadas na região, como o Museu Goeldi e o INPA. No período entre 1970 e

70

Oliveira (1991) faz uma revisão detalhada de todos os projetos empreendidos pelo governo militar para integrar a Amazônia à economia capitalista nacional e internacional (Operação Amazônia. PIN, SUDAM, SUFRAMA, PROTERRA e PND’s), principalmente com a aliança estabelecida com os EUA. O argumento ideológico de “integrar para não entregar” fazia parte desse arranjo geopolítico durante a guerra-fria, mas, na prática, o governo militar entregou milhares de hectares da Amazônia para empresas norte-americanas. Havia anúncios que convidavam os norte-americanos para os negócios imobiliários na Amazônia, como, por exemplo, o título da propaganda “convite para um encontro aos pés do arco-íris, para dividir o pote de ouro” (Idem, 2001:48). Outros autores também apresentaram o processo de ordenamento territorial da Amazônia nas décadas de 1960, 70 e 80, tais como Becker (1990) e Loureiro (2009).

106

1978 as expedições a campo do Museu Goeldi foram constantes, com deslocamentos de equipes formadas por pesquisadores e técnicos para investigar as potencialidades regionais, principalmente para a exploração mineral. Assim, a geologia, geoquímica e a geofísica se desenvolveram muito na Universidade Federal do Pará durante a década de 1970, principalmente com apoio financeiro da Alemanha (GELLER, 1997).

O ordenamento territorial não se direcionou somente para a agropecuária, como no período anterior, mas também para o grande capital da agroindústria, das madeireiras e das mineradoras. Três exemplos de investimentos em infra-estruturas territoriais de grande porte nesse período são as rodovias Belém-Brasília e a Transamazônica. Os impactos econômicos, sociais e ambientais ligados à abertura dessas rodovias estimularam a pesquisa científica na região de distintas maneiras, tanto na viabilização das obras propriamente ditas, quanto na avaliação dos riscos ambientais implícitos. Segundo Mello (2006) e Loureiro (2009), essas obras colocaram a Amazônia brasileira nos mais altos foros internacionais de discussão relacionados à problemática ambiental e o desenvolvimento econômico das nações, tais como a Conferência de Estocolmo.

As discussões sobre os resultados negativos do desenvolvimentismo na região Norte se deflagraram com as imagens do desmatamento, das queimadas e dos conflitos agrários entre populações tradicionais, migrantes nordestinos e grileiros. No cenário internacional se ampliaram as reivindicações ambientalistas ancoradas em diagnósticos científicos que, por sua vez, se valiam da difusão dos sistemas de comunicação via satélite, capazes de monitorar as queimadas na Amazônia. As discussões sobre a problemática ambiental se aglutinavam cada vez mais na comunidade de pesquisa. O governo foi pressionado por instituições internacionais a reverter o processo de desmatamento, tais como o Banco Mundial. Então, no final da década de 1970 inicia-se um processo de criação acelerada de áreas de preservação ambiental nas regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil.71

A problemática ambiental abriu novos caminhos para o investimento em projetos científicos, com destaque para as pesquisas dedicadas aos métodos de conservação e seleção de áreas protegidas. Dentre as iniciativas relacionadas encontra-se o

71

Desde a década de 1930 já havia leis ambientais voltadas para a criação de áreas protegidas no Brasil, especialmente de Áreas e Parques de preservação permanente. No entanto, até o início da década de 1960 não havia sido criada nenhuma área com esse intuito na região Norte do Brasil (DIAS & PEREIRA, 2010).

107

Programa Trópico Úmido (PTU), criado pelo Decreto 70.999/1972, cujo objetivo era “coordenar a contribuição da ciência e da tecnologia para melhorar os conhecimentos sobre as condições de adaptação do ser humano às peculiaridades do trópico úmido e à preservação do equilíbrio ecológico da região amazônica”.72

A elaboração, acompanhamento e execução desse programa eram responsabilidades atribuídas ao CNPq e à SUDAM. De acordo com Barros (2000), a criação desses programas estava formalmente acoplada a uma política federal mais ampla de concepção desenvolvimentista e integração nacional, dado que grande parte dos recursos aplicados provinha de programas de desenvolvimento regional. Todavia, essa política não considerou devidamente as necessidades locais e, na prática, os resultados foram de teor mais científico que tecnológico.

O CNPq também criou o Programa Flora Brasileira, em 1975. Esse programa foi importante para o fortalecimento tanto do INPA quanto do MPEG através do financiamento de estudos sobre a flora silvestre brasileira, com ênfase nas potencialidades científicas e econômicas das espécies.73 Entre os projetos regionais vinculados ao Programa, o “Flora Norte” foi o primeiro a ser implantado e as coletas botânicas foram realizadas com apoio financeiro e participação norte-americana através de um convênio firmado com a National Science Foundation-USA. A partir desse projeto o INPA e o Museu Goeldi contrataram mais funcionários e pesquisadores, foram ampliados os laboratórios e adquiridos equipamentos importados. O acervo do INPA cresceu de 50 mil para 120 espécimes e do MPEG cresceu de 36 mil para 120 mil (FAULHABER & TOLEDO, 2001).

Com relação ao INPA, a despeito de todos os recursos que recebeu e de sua liderança na região, a instituição manteve distância – maior ou menor dependendo da área de pesquisa – dos problemas e mazelas da região amazônica. Manteve uma produção de conhecimentos fragmentados e que se conectavam mais com a ciência produzida fora do Brasil, pois o intuito da instituição era se consolidar como “órgão de ciência com competência internacional”. No entanto, o INPA também recebeu recursos

72

Informações cedidas pelo CNPq (http://memoria.cnpq.br/areas/terra_meioambiente/ptu/index.htm), junho de 2008). 73

De acordo com Faulhaber & Toledo (2001), o programa tinha objetivos ambiciosos de acumular conhecimentos científicos para justificar projetos governamentais de expansão da agroindústria e conservação dos recursos naturais, tais como a abertura de estradas, instalação de hidrelétricas e delimitação de mais áreas de preservação. O programa também visava a fixação de recursos humanos nas instituições de pesquisa distribuídas pelo Brasil e criar centros de excelência em botânica.

108

para realizar avaliações de impacto – e chancelar - a polêmica instalação de usinas hidrelétricas na região (WEIGEL, 2001).

Segundo Weigel (2001), no final da década de 1970 o INPA buscava contornar a imagem de cientificidade pura e apartada dos problemas regionais. Nesse sentido, o Instituto realizou instalou núcleos no Acre (1979), Mato Grosso (1983) e Roraima (1984), em parceria com os governos estaduais, para a realização de pesquisas sócio- econômicas de interesse local. Contudo, não conseguiu formar equipes de pesquisa, os cientistas da sede de Manaus não se interessaram pela resolução de pesquisas nesses núcleos (WEIGEL, 2001).

Em 1983 o Museu Goeldi restabeleceu a autonomia que havia sido perdida na década de 1950, deixando a tutela do INPA para se reportar diretamente ao CNPq. O período de 1983 a 1986 também foi muito produtivo no museu porque recebeu significativos investimentos federais para pesquisas e excursões de campo relacionadas aos grandes projetos de mineração e geração de energia: projeto Ferro- Carajás, Complexo Albrás-Alunorte e Hidrelétrica de Tucuruí. Esses projetos demandavam estudos em várias das áreas de conhecimento abrangidas pelo Museu naquele momento, tais como estudos populacionais, etnográficos, fauna, flora e salvamentos arqueológicos (FERRAZ, 2001).

Fora do círculo Museu Goeldi e INPA, o Projeto Norte de Pesquisa e Pós- Graduação (PNOG), criado em 1986 pela CAPES, auxiliou na ampliação da infra- estrutura de produção técnico-científica, de pós-graduação e de capacitação de docentes universitários em toda a região Norte (ARAGÓN, 1997). Em 1987, sob a coordenação da UNESCO, também foi criada uma rede de pesquisa com o objetivo de promover a cooperação acadêmica entre universidades e instituições de pesquisa nos oito países pertencentes ao Tratado de Cooperação Amazônica, denominada de Associação de Universidades Amazônicas (UNAMAZ). 74

Com a eclosão da crise econômica na década de 1980 e, posteriormente, a difusão das recomendações neoliberais na década de 1990, as instituições dedicadas

74

O Tratado de Cooperação Amazônica foi assinado em 1978 pelos países amazônicos (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela). O Decreto brasileiro 85.050 de 18/08/1980 prevê no Art. IX que “as partes concordam em estabelecer estreita colaboração nos campos da pesquisa científica e tecnológica”. Atualmente, a UNAMAZ integra 54 instituições de ensino superior e pesquisa nos oito países envolvidos, sendo 17 do Brasil (fonte: www.mre.gov.br/dai/tca.htm, setembro de 2009). Em relação à UNAMAZ, o Artigo 1º de seu define que “os habitantes, especialmente os naturais da Amazônia, constituem a preocupação central da UNAMAZ”.

109

à produção científica no país enfrentaram um declínio significativo de investimentos do governo. Até mesmo os centros mais desenvolvidos do país enfrentaram restrições no campo da produção técnico-científica. A política científica e tecnológica nacional passa, então, a abrir maior espaço para a participação tanto do setor privado quanto dos estados federados no financiamento da produção técnico-científica, colocando em prática a decisão de descentralizar também as ações e/ou objetivos das agendas de pesquisa.

No novo contexto descentralizador, a agenda de pesquisas na região se direcionou explicitamente às questões de compatibilização do desenvolvimento econômico regional com a sustentabilidade ambiental, principalmente em relação à preservação e prospecção da biodiversidade amazônica, que já denotava ter apoio de grandes organizações não governamentais ou multilaterais. A comunidade de pesquisa da região Norte, especificamente nas ciências naturais, se envolveu ativamente com projetos de pesquisa dedicados à seleção de áreas de preservação ou conservação, bem como na definição de novos modelos e metodologias de gestão das mesmas.

Consequentemente, dados de 2010 apresentam que mais de 50% do espaço territorial da região Norte já está delimitado e/ou enquadrado como algum tipo de área protegida - Terras Indígenas, Quilombolas, Unidades de Conservação de Proteção Integral ou de Desenvolvimento Sustentável (DIAS & PEREIRA, 2010). Segundo Becker (2006), programas e redes internacionais foram criados com vultuosos investimentos para desenvolver pesquisas nessas áreas protegidas. Assim, a autora interpreta essas áreas como verdadeiros laboratórios naturais para a prospecção de um “capital de realização futura”.

Paralelamente ao processo descrito acima, durante a década de 1980 e início da década de 1990 também se destacaram debates acerca do potencial dos conhecimentos tradicionais e/ou locais para o avanço do conhecimento científico, tais como os indígenas e os caboclos. Essa nova perspectiva estava atrelada, por um lado, às violentas experiências vivenciadas na expulsão de milhares de populações tradicionais de suas terras após a delimitação de áreas de preservação permanente, e, por outro lado, o surgimento de novos campos de estudo, como a etnobiologia,

110

demonstrando a importância de determinados conhecimentos tradicionais para a manutenção da biodiversidade.

De acordo com Garcés (2006), a “Declaração de Belém”, elaborada em 1988 durante o Congresso Internacional de Etnobiologia, realizado no Museu Goeldi, pode ser considerada como um marco das reivindicações em prol da proteção dos conhecimentos tradicionais tanto no contexto nacional quanto internacional. Essa declaração enfatiza a importância de cientistas e ambientalistas orientarem seus esforços para as necessidades das comunidades locais e também reconhece a importância dos povos indígenas na conservação ambiental do planeta. Trata-se, então, do primeiro documento internacional a cogitar a criação de mecanismos para a compensação dos povos tradicionais pelos seus conhecimentos sobre a natureza, uma espécie de propriedade intelectual.

111

CAPÍTULO 3

Documentos relacionados