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CAPÍTULO II – DO FORDISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL, COM BASE NAS MUDANÇAS

2.1 Desenvolvimento e crise do fordismo

O regime de acumulação fordista, que vigorou até meados dos anos 1970, pode ser caracterizado pela regularidade e coesão de certos aspectos da política econômica e do sistema de produção. No primeiro caso, destaca-se a influência da teoria econômica de J. M. Keynes15 e as consequências de sua aplicação, no

14 De acordo com Nascimento (1993, p. 128) “O regime de acumulação diz respeito, sob o ponto

de vista geral, às formas de acumulação do capital ou, em outras palavras, como se dá o processo de crescimento econômico no capitalismo. Por essa razão, o modo de repartição e de realocação sistemática do produto social realiza, em um período prolongado, uma certa adequação entre a transformação das condições de produção (volume de capital investido, distribuição entre os ramos, normas de produção etc.) e as transformação das condições de consumo final”.

15 As ideias de Keynes começaram a ser divulgadas após as críticas ao tratado de Versalhes

segundo, podemos destacar a produção em massa e o compromisso fordista. Ambos aspectos procuraremos explicitar a seguir.

Sobre a influência de Keynes sobressaem as ideias que sustentam uma política de Estado forte, disposto a intervir na economia para contornar suas fases recessivas. Essa intervenção materializa-se no aumento do crédito e consequentemente no estímulo ao investimento, por meio de gastos públicos e privados. Com essas medidas, as políticas keynesianas procuram estimular a geração de empregos. Desse modo, se contrapõem às propostas neoliberais que enfatizam a contenção de gastos e o aumento da poupança como saída para as crises do capitalismo (KEYNES, 1984).

A popularização das ideias keynesianas ocorreu logo após a crise de 1929, durante a implementação das políticas do New Deal, no governo Roosevelt. Essas políticas de caráter keynesiano contribuíram para retirar os EUA da crise. O êxito dessa experiência espalhou-se pelos países da Europa ocidental durante a execução do Plano Marshall e no Japão durante o Plano Colombo, ambos no pós-guerra. Os êxitos dessas políticas contribuíram para consolidar “os trinta anos gloriosos do capitalismo” que se consumaram no desenvolvimento do Welfare Estate (Estado de Bem-Estar Social) (LIPIETZ, 1991).

Mais especificamente em relação a organização do trabalho, essas políticas econômicas colaboraram para estruturar o compromisso fordista, o que provocou para época uma relativa trégua no conflito entre capital e trabalho. O compromisso fordista nos anos 1950-1960 manifestou-se, por um lado, no aumento da produção e dos lucros, de outro, no aumento dos salários dos trabalhadores, o que permitiu o desenvolvimento e a expansão do ideário do American Way of Life (Estilo de Vida Americano) (LIPIETZ, 1991).

Pode-se dizer que junto com o processo de trabalho taylorista-fordista erigiu-se, particularmente durante o pós-guerra, um sistema de “compromisso” e de “regulação” que, limitado a uma parcela dos países capitalistas avançados, ofereceu a ilusão de que o sistema de metabolismo social do capital pudesse ser efetiva, duradoura e

discute-se os efeitos negativos das reparações de guerra impostas a Alemanha. Tais medidas ampliaram déficit econômico da Alemanha e os altos índices de inflação, além de contribuírem para emergência do nazismo. As ideias de Keynes, principalmente as reunidas no livro Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda, de 1936, tiveram um forte impacto nos EUA, no período de depressão econômica, nos anos 1930 (KEYNES, 1984).

definitivamente controlado, regulado e fundado num compromisso entre capital e trabalho mediado pelo Estado (ANTUNES, 2001).

Entre as características desse período, destacam-se as altas taxas de sindicalização e o alto número de greves que foram na época importantes indicadores da pujança dos trabalhadores. Além disso, observava-se a chegada ao poder de partidos de esquerda: socialistas, comunistas, social democratas e trabalhistas, nos países de capitalismo avançado (RODRIGUES, 1999)

O exemplo da Inglaterra é significativo desse processo, o Labour Party (Partido trabalhista), cresceu nesse período com a força dos votos dos trabalhadores, principalmente dos organizados em sindicados filiados a Trades Unions Congress (TUC)16, importante central sindical desse país. Nesse processo o Labour Party, que até 1979 esteve no poder por 11 anos, procurou conciliar os interesses do segmento empresarial ao passo que comungava e defendia o interesse dos trabalhadores. Estes últimos possuíam no quadro da burocracia estatal inglesa um significativo número de representantes (ANTUNES, 2001).

A despeito da regularidade do crescimento do pós-guerra, “trinta anos gloriosos do capitalismo”, a expansão das conquistas proporcionadas pelas políticas keynesianas e por uma produção em massa fordista não garantiu uma estabilidade social plena nos países avançados. Os movimentos contestatórios de estudantes na Europa, a luta por direitos civis nos EUA, ambos nos anos 1960, assim como a oposição dos trabalhadores à rigidez e ao controle fordista nas fábricas nos levam a pensar nos limites do compromisso fordista.

É importante destacar ainda que o crescimento econômico presente nos países desenvolvidos e a relativa estabilidade social proporcionada pelo Welfare Estate não foi generalizada pelo mundo capitalista. No Brasil, por exemplo, vivíamos o que Alain Lipietz (1997) definiu como fordismo periférico. O nível de seguridade social ofertado pelo Estado de baixa qualidade e o mercado de

16 Conforme Antunes (2001, p. 65) “A expansão do TUC e do Labour Party, o primeiro

representante do braço sindical dos trabalhadores e o segundo expressando sua atuação político-parlamentar (dada a forte inter-relação entre os dois organismos, frequentemente esses níveis de ação se mesclavam), caracterizou uma fase ascensional também do movimento grevista inglês. Na década de 60 houve grande expansão das paralisações, que atingiram, nos anos 69-74, a média anual de 3.000 greves, alcançando 12, 5 milhões de trabalhadores paralisados”.

consumo mais disponível à classe média, acabavam por justificar o título de fordismo periférico.

Nesse ambiente o Brasil possuía a rigidez do método fordista de produção que estava sendo consolidado, no entanto, no que se refere ao aumento da renda e qualidade do emprego, vivíamos em um cenário muito distante do que se apresentava nos países capitalistas centrais. Como salienta Krein (2013) durante o período militar (1964-1985) era elevada nas áreas urbanas a rotatividade do trabalho, a informalidade do trabalho, os baixos salários e o excedente estrutural de mão de obra.

Até aqui verificamos aspectos gerais do regime de acumulação fordista, procuraremos agora explorar com maior detalhe esse sistema de produção no intuito de enfatizar seu impacto na organização do trabalho.

O sistema de produção fordista está estruturado em técnicas de produção fordistas e tayloristas, correntemente abordados, de maneira conjunta sobre o nome de fordismo. A explicação para esses dois sistemas funcionarem de modo integrado deve-se a complementariedade desses métodos, como lembra Lipietz (1997, p. 80) “[...] o fordismo é o taylorismo acrescido da mecanização” e como destaca Harvey (2009, p. 121), “Ford fez pouco mais do que racionalizar as velhas tecnologias e uma detalhada divisão do trabalho preexistente, embora, ao fazer o trabalho chegar ao trabalhador numa posição fixa, ele tenha conseguido dramáticos ganhos de produtividade”.

Desse modo o taylorismo e o fordismo podem ser pensados de modo integrado, todavia essa forma de abordagem dificulta apreendemos as especificidades destes dois sistemas. Tendo em vista essa preocupação, analisaremos de modo separado o taylorismo e o fordismo. Essa forma de abordar que não nega a complementariedade desses dois sistemas, permitirá posteriormente pensamos, como um todo, a importância do fordismo.