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CAPÍTULO II – DO FORDISMO À ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL, COM BASE NAS MUDANÇAS

2.3 Enrijecimento do trabalhador, contribuições fordianas

A origem do fordismo remonta a história da fabricação dos primeiros carros em série e de como essa fabricação tornou-se um negócio para Henry Ford. A sistematização das experiências de Ford encontra-se reunida no livro Os princípios da prosperidade de 1967 que fora escrito em colaboração com o jornalista Samuel Crowther. Esse livro reúne três textos Minha vida e minha obra de 1922, Hoje e amanhã de 1926 e Minha filosofia da indústria de 1929.

As experiências do sistema de Ford tiveram início entre 1901 e 1902 quando esse passou a questionar a fabricação artesanal de carros feita pela Detroit Automobile Company, empresa na qual trabalhou, por um período curto, como engenheiro chefe. Os carros dessa empresa, como os demais desse segmento, eram fabricados de modo artesanal como um artigo de luxo destinado a uma pequena elite. Essa mesma elite não costumava dirigir seu próprio carro; os mesmos eram conduzidos por motoristas particulares.

O descontentamento com a forma de fabricar e vender carros da Detroit Automobile Company fez Ford abandonar a empresa e montar sua própria fábrica, a Ford Motor Company em 1903. Nesse período Ford ganha atenção da sociedade e começa atrair investidores para o seu negócio logo após vencer

uma prova de velocidade19 com um dos seus carros que ele próprio desenvolveu

em parceria com Thomaz Cooper (FORD, 1967).

Nesse segmento a proposta diferenciada de Ford, para época, era a de produzir carros em série. Procurava-se mostrar com isso, que a produção estandardizada seria mais lucrativa que a produção artesanal. A produção em série tinha como meta carros que se destacassem por sua utilidade, ou ainda, que pudessem ser utilizados no dia-a-dia, como transporte individual por um público amplo. Desse modo, a proposta de Ford distanciava-se da produção artesanal da época de carros destinados a uma elite que estava mais preocupada com a ostentação do carro do que com seu uso (FORD, 1967).

Durante os primeiros anos de funcionamento da Ford Company a empresa sofre um processo judicial que colocou em risco o seu futuro. O processo foi aberto pelos proprietários da patente de carro, representados pela Associação dos Fabricantes de Automóveis. Essa associação da qual Ford não fazia parte queria caçar seu direito de produzir carros. Ford resistiu às ameaças dessa associação através de uma contra ação judicial na qual obteve um resultado favorável que acabou por retirar os empecilhos da sua produção (FORD, 1967).

Destaca-se nesse período que a Ford Motors era uma empresa pequena sem força econômica e política de pressão. Entretanto, nesse período os EUA viviam em um clima favorável20 à quebra de monopólios. Em razão disso os

interesses dos proprietários das patentes que eram os de resguardar um mercado para venda de carros fabricados de maneira artesanal, vendidos a altos preços, foi com mais facilidade derrotado (FORD, 1967).

Após o fim da restrição judicial Ford desenvolve diversos modelos de carro, chegando ao Ford T, o mais famoso. Lançado em 1908, o Ford T destacava-se pela eficiência e simplicidade, suas peças de reposição eram fáceis de instalar e de encontrar e o seu custo de produção era baixo, o que garantia vantagens significativas para o consumidor. O vislumbre por esse

19 As provas de velocidade eram comuns na época entre os fabricantes de carro nos EUA.

Nessas provas valorizavam-se os carros mais velozes, os quais acabavam sendo escolhidos para serem fabricados (FORD, 1967).

20 Destaca-se nos EUA desse período a Lei Sherman de 1890 e a Lei Clayton de 1914 que

impuseram restrições à formação de monopólios e trustes. Os impactos dessas Leis repercutiram no processo de dissolução do monopólio da Standard Oil pertencente a família Rockefeller.

modelo fez com que a Ford Motor principiasse a produzir, por um período, somente esse modelo, como afirma o autor “[...] a partir de 1909 só fabricaríamos um modelo, o T [...]” (FORD, 1967, p. 59).

No que tange a execução de tarefas em sua fábrica, Ford exigia um trabalhador parcelar, o mesmo que é descrito nas ideias administrativas de F. W Taylor. Dessa maneira, um trabalhador capaz de executar quando possível apenas uma tarefa, com maior eficiência e rapidez possível. Essa tarefa, que cabia ao operário, tinha seu processo de execução simplificado. Com isso, os especialistas, os engenheiros, os gerentes etc., atuavam na fiscalização e na concepção da organização do trabalho enquanto o trabalhador apenas executava de maneira repetitiva a mesma tarefa (FORD, 1967).

Além disso, para aumentar a produtividade Ford aperfeiçoa o sistema taylorista de produção dando uma contribuição nova a esse sistema, o desenvolvimento da linha de montagem automatizada. Como ele mesmo afirmou: “Tudo se move em nossas oficinas. Isto, suspenso por correntes, indo ter ao ponto de montagem na ordem que lhe é designada. Aquilo, deslizando em planos movediços, ou arrastando pela lei da gravidade. O princípio geral é que não deve ser carregado, mas tudo vir por si” (FORD, 1967, p. 67).

Dessa maneira, na Ford Company o serviço chegava ao trabalhador que encontrava-se em um ponto fixo da linha de montagem automatizada. Essa inovação proporcionou aumento de produtividade e redução de custos favorecendo o processo em que o automóvel deixava de ser um artigo exclusivamente de luxo, pois o preço tornava-se acessível a um público maior, pertencente, em grande parte, a classe média.

Quanto a rigidez e a monotonia da produção fordiana, geradora de descontentamento e reclamações entre os trabalhadores, Ford afirmava que o trabalho repetitivo e monótono não prejudica o homem. Para ele a maior parte dos trabalhadores é avessa a mudanças e acaba por preferir o trabalho repetitivo. Apesar disso, Ford afirmava que em sua fábrica os trabalhadores descontentes com as tarefas que executam podem mudar de seção e trocar de tarefa. Para isso, os trabalhadores deveriam comunicar a seus superiores suas intenções.

Ford rebatia as reclamações dos trabalhadores com o argumento de que o trabalhador deve trabalhar sem questionar o serviço que lhe cabe. “O melhor

trabalho de um homem não é o que ele escolhe – mas para o qual é indicado” (FORD, 1967, p. 196). Revela-se assim um autoritarismo no trato com os trabalhadores. Esse mesmo autoritarismo aparece na forma que ação sindical era encarada pelo autor.

Ford recusava discutir com líderes sindicais. Estes eram tachados de oportunistas, “Um só grupo é forte nas federações: os operários que vivem das federações. Alguns deles são riquíssimos” (FORD, 1967, p. 180). A greve para o autor era sempre encarada como algo ruim. “Praticamente nada se consegue por meio de reivindicações. Por isso as greves, ainda que pareçam triunfar, falham sempre” (FORD, 1976, p. 183).

Para Ford (1967) uma empresa em greve reduz sua produtividade o que não é bom para empresa e nem para sociedade que irá sofrer com a escassez de produtos e com o aumento dos preços. Além disso, em sua concepção, a sociedade não estava dividida em classes sociais, portanto para Ford cada pessoa era capaz de melhorar ou piorar de vida por si própria. Dessa maneira posicionava-se a favor da meritocracia ao afirmar que apenas o trabalhador que se dedica com afinco e esforço tem seu trabalho reconhecido e é capaz de galgar novos postos na empresa.

Ford, apesar de ser duro a qualquer questionamento da parte dos trabalhadores organizados ou não a sua empresa, sabia que a rigidez e o discurso de boa empresa para os funcionários e para a sociedade não eram suficientes para os trabalhadores aceitarem pacificamente o fordismo. Como estratégia alternativa Ford realizou aumentos significativos de salários. Com isso, reduziu a oposição operária e tornou seus funcionários potenciais consumidores dos seus carros.

Dessa maneira, a Ford Company estabelece de modo gradativo em 191421, a jornada de oito horas por cinco dólares. Esse reajuste salarial mais do

que dobrou o salário na empresa, que estava na época atrelado ao aumento da produtividade por trabalhador. Essa produtividade era previamente calculada por procedimentos tayloristas de trabalho.

21 “Sobre esta base anunciamos e aplicamos em 1914 um plano de participação nos lucros em

que o salário mínimo era fixado em cinco dólares diários; ao mesmo tempo reduzimos as horas de trabalho a oito, e a semana a 48 horas” (FORD, 1967, p. 96, grifo nosso).

[...] a partir de 1913 fizemos estudar, nas milhares de operações da nossa indústria, o tempo requerido para cada uma. Este estudo permitiu-nos determinar teoricamente qual devia ser a produção normal de um operário. Depois, fazendo largos abatimentos, calculamos uma média satisfatória e, tomando em consideração as circunstâncias de habilidade, fixamos uma taxa de salário que expressasse com bastante exatidão a quota de habilidade profissional e de simples esforço requerida para cada operação [...] (FORD, 1967, p. 95).

O aumento salarial efetivado por Ford atendeu funcionários com mais de três anos de empresas que estavam divididos em três categorias. “1º casados vivendo com sua família e cuidando dela. 2º solteiros maiores de 22 anos, reconhecidos como poupadores. 3º moços menores de 22 anos e mulheres que constituíam o único suporte de um parente inválido” (FORD, 1967, p. 96).

Henry Ford queria trabalhadores não sindicalizados, ordeiros e produtivos, por isso ao aumentar o salário de seus funcionários chegou a enviar inspetores às casas de seus trabalhadores para saber se os salários altos repercutiram na melhoria de vida de seus trabalhadores no interesse deles pela empresa. “Nossa ideia era estimular a vida bem ordenada, e julgáramos que o melhor estímulo fosse um prêmio em dinheiro. O homem que vive bem, trabalha bem” (1967, p. 97).

David Harvey (2009) comentando os estudos de Antonio Gramsci sobre o americanismo e o fordismo destaca que Henry Ford estava preocupado com a criação de um “novo homem”. Essa preocupação universalista refletiu-se durante a expansão do fordismo no pós-guerra o que acabou por contribuir para criar um modo de vida pautado na produção e no consumo de massa. Em sua dimensão espacial esse modo de vida encontrava-se presente na organização material das fábricas, do comércio, na arquitetura dos prédios, nas estradas, nas pontes, etc., que passaram a refletir no espaço uma sociedade de massas.

Por conseguinte, o fordismo do pós-guerra tem de ser visto menos como mero sistema de produção em massa do que como um modo de vida total. Produção em massa significava padronização do produto e consumo de massa, o que implicava toda uma estética e mercadificação da cultura que muitos neoconservadores como Daniel Bell mais tarde considerariam prejudicial à preservação da ética do trabalho e de outras supostas virtudes capitalistas. O fordismo também

se apoiou na, e contribuiu para a, estética do modernismo –

particularmente na inclinação desta última para a funcionalidade e a

eficiência – de maneiras muito explícitas, enquanto as formas de

intervencionismo estatal (orientadas por princípios de racionalidade burocrático-técnica) [...] (HARVEY, 2009, p. 131).

A repercussão de uma sociedade de massas fordista, descrita anteriormente por Harvey, pode ser observada na introdução e expansão dos supermercados. Essa nova forma de comercialização destaca-se inicialmente na venda de produtos estandardizados fazendo uso de uma economia de escala e utilizando-se do autosserviço (self-service).

As primeiras lojas fazendo uso do autosserviço se expandiram nos EUA logo após a crise de 1929 em galpões de fábricas que tinham chegado à falência. Suplantando a técnica de venda direta no balcão e operando com uma margem de lucro baixa, os primeiros supermercados surgem com o foco na venda de produtos acessíveis a um público fortemente atingido pela depressão econômica dos anos 1930 (PINTAUDI, 1981).

O desenvolvimento do fordismo, no entanto, não foi aceito sem contestação. O descontentamento em relação à rigidez desse sistema veio acompanhado pelo aumento da sindicalização e do número de greves por parte dos trabalhadores. O que garantiu aumentos salariais e ampliação de conquista no plano dos direitos trabalhista, principalmente nos países de capitalismo avançado. Dado que permite falarmos em “compromisso fordista”, é claro que isso ocorreu em um ambiente de Guerra Fria, de embate entre o modelo do socialismo real e o modelo capitalista.