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desenvolvimento da legislação nos primeiros tempos do Rádio no Brasil

Carlos Gregório dos Santos Gianelli1

O início do século XX seria marcado por inúmeras invenções e desenvol- vimentos tecnológicos nos mais variados setores da sociedade. A indústria bélica, por exemplo, mostrou seu potencial ao estabelecer as novas rédeas do capitalismo no desenrolar da Primeira Guerra Mundial. Pesquisas voltadas à área da saúde tam- bém ganharam impulso na virada do século, com o avanço no desenvolvimento das vacinas, por exemplo. Integrando esse rol de inovações, a radiofonia, relativamente em pouco tempo, convenceu o mundo de que ele não seria mais o mesmo após a sua intervenção. Aos poucos, diversos países, e principalmente seus líderes dos setores comerciais e industriais, e até mesmo seus chefes de estado, perceberiam rapida- mente que a radiofonia – aqui inclusos tanto o rádio propriamente dito como os serviços de telégrafo e telefone – mudaria completamente a maneira como a socie- dade comunicar-se-ia. Novos padrões de comunicação, a eficácia na transmissão de mensagens e principalmente a velocidade com que as novas informações chegariam às pessoas mudam totalmente a percepção de tempo e espaço nos quais a sociedade estava inserida. Seja no envio de instruções para uma tropa, na transmissão do dis- curso de um estadista ou na difusão de algum boletim jornalístico, a radiofonia, de uma maneira geral, encurtou distâncias, valorizando o poder da comunicação e da informação nela contidas.

Com a produção cultural não foi diferente. Músicas que antes pareciam pertencer a determinados locais não dependiam mais das barreiras físicas ou dos

1 Doutorando em História pelo PPGH/UDESC, pesquisa a música brasileira na Rádio Nacional nas décadas de 1930 a 1950. Integra o Laboratório de Imagem e Som/UDESC como pesquisador no projeto “Narrativas Radiofônicas em Walter Benjamin”.

limites geográficos para circularem. Com o passar do tempo e o aprimoramento da transmissão e da recepção das ondas curtas, seria possível um brasileiro ouvir, diretamente de Londres, a música veiculada naquele local, por exemplo. Hoje, em tempos de interconexão simultânea via internet, já nos escapa a percepção de um intenso trânsito cultural. No entanto, para uma época que, em poucos anos, saiu do envio de cartas e partituras como meio de circulação de informação para a transmissão simultânea por ondas enviadas pela atmosfera terrestre, tal salto representou uma verdadeira revolução na maneira como as sociedades iram se desenvolver nos mais variados aspectos.

Um dos primeiros países a perceber o potencial da nascente indústria radiofônica foram os Estados Unidos. Tanto no que diz respeito à produção de aparelhos como no surgimento de novas estações, o protagonismo estadunidense ficou evidente. Lia Calabre apresenta dados muito significativos dessa expansão ocorrida no período de apenas três anos:

Em outubro de 1921, foram registradas 12 (doze) novas emissoras; em novembro, mais 9 (nove); em dezembro, mais 9 (nove). Em janeiro de 1922, 26 (vinte e seis) novas emissoras entravam no ar. Ao final do ano de 1924, os Estados Unidos já contavam com 530 (quinhentas e trinta) emissoras de rádio. (CALABRE, 2002, p. 47).

Ainda sobre o desenvolvimento do rádio nos Estados Unidos, Maria Inez Borges Pinto traz observação feita por Raymond Gram Swing, em 1935, a respeito das possibilidades que a radiodifusão poderia alcançar:

O que sei é que temos no rádio um tipo especial de instrumento social, que eu diria ser mais poderoso, mais íntimo e mais promissor que qualquer outro instrumento social desde o desenvolvimento da imprensa. O rádio é definitivamente um instrumento de massas e parece que pode tornar-se, de todas as invenções modernas, a que maior coesão social produz. A qual será reconhecida como algo ao mesmo tempo benéfico e perigoso. Todos nós nos alarmamos com a utilização que tem sido dada ao rádio na Alemanha, Áustria,

que tem dado e pode dar a determinados indivíduos neste país [EUA]. [...] Um meio que serve para a disseminação da verdade e do conhecimento serve do mesmo modo para a disseminação da perversão e da mentira.” (SWING, 1935, p. 5-6 apud PINTO, 2003, p. 4).

Percebe-se, nessa fala do editor do The Nation, um misto de empolgação com uma boa dose de preocupação em relação aos usos que poderiam ser feitos do rádio. É interessante perceber essa projeção de futuro contida nesse passado na medida em que ela ajuda a compreender como essa nova tecnologia foi sendo desenvolvida. Afinal de contas, sonhos e ambições, mas também medos e preocupações, acabam sendo balizas envoltas nas inovações que são apresentadas ao público.

O crescimento da radiofonia em solo estadunidense seria sentido em terras brasileiras. Foi na exposição em comemoração ao centenário da Independência do Brasil, ocorrido em 1922, que o rádio foi apresentado ao público brasileiro pela primeira vez. Em uma ação de marketing das empresas Westinghouse e da Western Eletric Company, equipamentos de captação sonora e uma estação transmissora provisória foram montados. Os alto-falantes foram instalados em diversos locais dos pavilhões da exposição no Rio de Janeiro, bem como em cidades como São Paulo, Petrópolis e Niterói, para demonstrar com eficácia o caráter extraterritorial que as ondas hertzianas poderiam alcançar. O conteúdo escolhido para a transmissão teve o caráter cívico e patriótico que marcará o início do rádio no Brasil: foi veiculado um discurso proferido pelo então presidente da república, Epitácio Pessoa, e a execução da ópera “O Guarany”, de Carlos Gomes, do palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro até os espectadores nos mais diversos locais (CALABRE, 2002).

A qualidade da transmissão dessa primeira experiência do rádio no Brasil é no mínimo controversa. De acordo com a reportagem do jornal A Noite, de 8 de setembro de 1922: “a multidão teve uma sensação inédita: a ópera Guarany de Carlos Gomes, que estava sendo cantada ao Theatro Municipal, foi, ali, distinctamente ouvida, bem como os aplausos aos artistas. Egual coisa sucedeu nas cidades acima [Niterói, Petrópolis e São Paulo].” (A NOITE, 1922, p. 8). Já Luiz Artur Ferraretto traz

o depoimento de um dos pioneiros do rádio brasileiro, Edgar Roquette-Pinto, que demonstra um pouco o baixo impacto que teve, na feira de exposição, a irradiação do discurso ou da ópera: “Ouvindo discurso e música reproduzidos no meio de um barulho infernal, tudo distorcido, arranhando os ouvidos, era uma curiosidade sem maiores consequências.” (BBC, 1988 apud FERRARETTO, 2013, p. 14). No entanto, apesar deste relato de que as transmissões feitas a poucos quilômetros dali não tiveram uma qualidade sonora satisfatória, uma nota veiculada pelo jornal The New York Times apresenta o evento como um grande feito tecnológico da empresa responsável pela transmissão e pela venda de equipamentos:

CHICAGO, 29 de março – Uma transmissão de rádio proveniente da Exposição do Centenário da Independência brasileira, no Rio de Janeiro, foi captada por uma das estações do governo dos Estados Unidos, em Honolulu, a 8.000 milhas de distância [o equivalente a 13.400 km], estabelecendo um novo recorde. Anunciou, hoje, o escritório da Western Electric Company. (THE NEW

YORK TIMES, 1923 apud FERRARETTO, 2014, p. 14).

Não nos interessa a apuração da veracidade do relato de Roquette-Pinto, da nota emitida pelo jornal A Noite ou ainda daquela veiculada no New York Times, mas perceber que havia por parte da empresa estadunidense Western Electric Company, a intenção de mostrar o potencial que seus equipamentos poderiam alcançar, tendo o Brasil como vitrine e evidenciado o alcance da transmissão pela distância geográfica entre as cidades do Rio de Janeiro e Honolulu. Seja pela baixa qualidade das transmissões, pelo alcance limitado no cotidiano das pessoas ou pelo alto custo para a compra de equipamentos, o rádio no Brasil desenvolveu-se de maneira lenta se considerados sua extensão territorial e o potencial que poderia vir a alcançar: “Foram fundadas duas emissoras em 1923, cinco em 1924, três em 1925, duas em 1926. Em 1930, o país contava com 16 emissoras” (IBGE, 1936 apud CALABRE, 2002, p. 49).

Ao analisar a primeira legislação a respeito da rádio difusão no Brasil, o Decreto n. 16.657, de 5 de novembro de 1924, observa-se, no Artigo 13, que as estações seriam divididas em dois grandes grupos: “1 - Fixas (subdividido em a)

costeiras; b) interiores ; c) internacionais, transoceânicas ou Inter territoriais); 2 – Móveis (subdividido em a) de bordo; b) terrestres)” (BRASIL, 1924). Além desses dois grupos, o Decreto designa um terceiro, voltado a “objetivos especiais”: a) radiofaróis; b) radiogonométricas; c) experimentais. As primeiras estações de rádio brasileiras funcionariam sob a última classificação de “[...] experimentais: as estações instaladas para fins científicos, para ensaios de novos tipos de construção; para fins recreativos e para radiodifusão (broadcasting)” (BRASIL, 1924)2.

Desse modo, observa-se, já no início do rádio no Brasil, uma relação próxima entre os estudos científicos e o desenvolvimento da radiodifusão. Sob o olhar jurídico, os dois estariam sob a mesma categoria. Esse amparo legal ajuda a explicar a aproximação das duas áreas, de modo que a primeira rádio legalizada brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, teria, na Escola Politécnica, sua primeira sede. Inaugurada no dia 20 de abril de 1923 (LOPES, 1970), teve a estação da Praia Vermelha utilizada para a primeira transmissão, como mostra o relato:

Roquette e seus colegas reunidos na Escola Politécnica, ouviram emocionados quando, da Praia Vermelha, Edgar Sussekind de Mendonça abriu a transmissão recitando um soneto do próprio Roquette [...]. Heloísa Alberto Torres, filha do abolicionista Alberto Torres, leu um conto infantil de Monteiro Lobato, de que não há registro do título. E, concluindo, Francisco Venâncio Filho leu uma página de Os sertões. (CASTRO In: MILANEZ, 2007, p. 73 apud FERRARETTO, 2013, p. 18-19).

A observação de Ruy Castro corrobora nesse sentido, ao afirmar que “a Rádio Sociedade parecia, a princípio, uma extensão da Academia de Ciências.” (MILANEZ, 2007, p. 76 apud FERRARETTO, 2013, p. 19). Para ter uma ideia dessa aproximação, basta citar que intelectuais do quilate do físico alemão Albert Einstein3,

do escritor futurista italiano Filippo Tommaso Marinetti, do general e engenheiro francês 2 O texto foi atualizado para a língua portuguesa contemporânea para melhor entendimento. 3 Albert Einstein teria deixado a seguinte mensagem no livro de visitas: “Na cultura levada pela

radiodifusão, desde que sejam pessoas autorizadas as que se encarreguem das divulgações quem ouve recebe, além de uma escolha judiciosa, opiniões pessoais e comentários que aplainam os caminhos e facilitam a compreensão: esta é a grande obra da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.” (LOPES, 1970, p. 42).

Gustave-Auguste Ferrié, da físico-química francesa Marie Curie e do historiador também francês Paul Hazard chegaram a visitar a sede da Rádio Sociedade (FERRARETTO, 2013). Assim, a afirmação de Roquette-Pinto tem um significando ainda maior quando se observa o modus operandi dos primeiros tempos do rádio no Brasil:

Rádio é o jornal de quem não sabe ler; é o mestre de quem não pode ir à escola; é o divertimento gratuito do pobre; é o animador de novas esperanças; o consolador dos enfermos; o guia dos sãos, desde que o realizem com espírito altruísta e elevado. (ELECTRON, 1926, p. 1FERRARETTO, 2013, p. 18-19).

Encontra-se uma perspectiva semelhante no tocante ao rádio como ferramenta educativa também nos Estados Unidos. Em 1935, Philip G. Loucks, representante da Associação Nacional dos Profissionais de Rádio, publicou um artigo para os anais do Sexto Encontro Anual de Educação pelo Rádio e da Quinta Assembleia Anual do Conselho de Orientação sobre Rádio em educação nos Estados Unidos (PINTO, 2003), no qual afirmava:

Na produção e apresentação de programas educativos, os profissionais de rádio têm tido certos objetivos bem definidos. Tais programas, acreditam eles, devem suplementar e não suplantar o nosso vasto sistema público de educação formal. Os programas educativos devem ampliar os horizontes da sala de aula, inspirar e informar todo o tipo de pessoas e estimular a apreciação das artes, da literatura, da música e da ciência. (LOUCKS, 1935, p. 27 apud PINTO, 2003, p. 5).

Ressalta-se, todavia, que os Estados Unidos tinham uma radiodifusão de forte caráter comercial; tanto o encontro em 1935 quanto essa fala diziam respeito a um setor bem específico do sistema de rádio estadunidense.

No Brasil, aos poucos, o rádio foi saindo desse circuito mais restrito e passando a fazer parte do cotidiano dos lares cariocas. O crescimento foi lento e gradual em toda a década de 1920; além de ser uma novidade como meio de comunicação e informação para além da mídia impressa, ter um rádio – ou antes, espaço e estrutura mínima para que ele fosse instalado – já era considerado um

transição entre as antigas construções e as novas tecnologias (não somente o rádio) que começavam a integrar o cotidiano na virada do século XX. Logo, surgiram empresas especializadas em adaptar instalações elétricas, telefônicas e radiofônicas (CALABRE, 2002).

Sobre essa primeira fase do rádio no Brasil, Ferraretto (2013) traz uma análise muito pertinente de Maria Elvira Bonavita Federico (1982) para que seja possível perceber o caráter restritivo e até mesmo elitista que terá a radiofonia no país em um primeiro momento. Somente no âmbito burocrático e no preparo da residência a fim de torná-la apta a receber os sinais, tem-se os seguintes custos:

[...] mil-réispara o pedido ao Ministério de Viação e Obras Públicas, outra de um mil-réis para o atestado de idoneidade, outra de um mil-réis para o esquema de instalação a ser submetido ao Departamento de Correios e Telégrafos, e, por fim, mais uma de 600 réis referente ao conjunto destes documentos. (FEDERICO, 1982, p. 47 apud FERRARETTO, 2013, p. 15).

Esses eram somente os valores e trâmites pré-instalação. Tem-se ainda o custo para a aquisição dos aparelhos receptores e o valor da joia para pertencer a alguma Rádio Clube. O valor dos aparelhos, na década de 1920, variava entre 35 mil-réis, por um sistema simples de galena4; e 400 mil-réis, no caso de um receptor valvulado do qual se obtinha uma qualidade

sonora bastante superior (FERRARETTO, 2002, p. 37 apud FERRARETTO, 2013, p. 15) A respeito dessas primeiras experiências de sintonização do rádio pelo sistema de galena, apresentam-se dois depoimentos que revelam um pouco do caráter lúdico que a radiofonia possuía. Sintonizar com precisão uma estação não era tarefa simples. Saint-Clair Lopes, radialista, ex-diretor de secretaria da Rádio Nacional e professor na área de comunicação e jornalismo, relata: “[...] nos maravilhávamos com o aproveitamento de caixas de charutos e que nos permitia, depois de uma longa e penosa procura da emissora num cristal – a galena – ouvir, através de fones, sons palavras e ruídos [...].” (LOPES, 1970, p. 34). Desses 4 O Rádio de Galena consiste no modo mais rudimentar de captação de frequências de rádio AM, pois não necessita de energia elétrica para captação. Esse modelo necessita basicamente de uma antena, um receptor (que, em sua construção, conta com um pouco do mineral galena, origem do nome do modelo) e uma saída conectada a um alto-falante (PERON, 2016; ALMENDROS, 2018).

primeiros temposdo rádio observa-se o relato sensível e preciso do jurista Antônio Chaves, especialista em direito autoral em radiodifusão:

[...] incômodos fones postos nos ouvidos, armado de paciência e o ânimo suspenso na expectativa de um acontecimento quase milagroso, pequeno número de amadores se reunia nas mais importantes cidades em torno de seus aparelhos procurando, â ponta de uma agulha, a faceta propícia do cristal para a recepção, desde que o permitissem o fading e a estática da maravilha: o incerto e titubeante murmúrio das ondas musicais provenientes de uma estação situada a distância relativamente pequena. (CHAVES, 1952, p. 95). Conseguidos os registros necessários, a instalação elétrica das antenas e comprado o aparelho, faltava ainda o custo com a compra da joia e o pagamento da mensalidade. De acordo com a revista O Observador – Econômico e Financeiro (1938), os valores da joia e da mensalidade, relativos à Rádio Clube do Rio de Janeiro, eram de cem mil-réis e cinco mil-réis, respectivamente. Baseando-se em alguns dados relativos, a renda média de um trabalhador na fábrica ou no campo era de aproximadamente 150 mil-réis (NOSSO SÉCULO, 1982 apud FERRARETTO, 2013). Somadas todas as despesas apresentadas e considerando, no cálculo, o rádio mais simples de galena, o valor total equivale à renda média da maioria da população.

Renato Murce (1976) traz um relato bem aproximado da dinâmica do funcionamento das rádios clube, revelando o caráter ainda bem amador em que se encontrava a radiofonia brasileira. Além da contribuição com o pagamento da mensalidade, os sócios enviavam discos para auxiliar na melhora dos programas. Conforme o radialista, no final da execução do disco, cabia um agradecimento no microfone: “A seguir transmitiremos o ‘Prólogo’ da ópera Il Pagliaci, de Leoncavalo, em disco gentilmente cedido pelo nosso ouvinte, Dr. Arnaldo Guinle” (MURCE, 1976, p. 21). Sobre o pagamento das mensalidades, Murce (1976, p. 21) relata que nem todos cumpriam com o compromisso financeiro: “[...] muitos se inscreveram com entusiasmo, mas pagar mesmo, que era bom, nada, ou quase nada, num veso bem brasileiro.”.

Andrade sobre a linguagem radiofônica, que apontava para “uma linguagem particular, complexa, multifária, mixordiosa, com palavras, ditos sintaxes de todas as classes, grupos e comunidades.” (ANDRADE, 2002, p. 210 apud PINTO, 2004, p. 141). Nas palavras da própria autora, “as experiências urbanas imiscuem-se nas transmissões dos programas radiofônicos, interagindo na elaboração das linguagens e narrativas empregadas pelos radialistas.” (PINTO, 2004, p. 14). Desse modo, o advento do rádio não se tratava apenas de uma novidade na questão do entretenimento em si, mas sobretudo no estabelecimento de novas formas de comunicação que, em uma relação dialética com as ruas, com a sociedade, vai, aos poucos, firmando novos modos de falar e de expressar ideias, contribuindo com o desenvolvimento de novos costumes.

Até a década de 1940, o registro dos aparelhos era obrigatório. Isso possibilitava ao governo um maior controle do que era vendido e utilizado pela população, sendo possível mapear quais eram os principais locais onde se ouvia o rádio. Esses e outros dados auxiliavam bastante na elaboração de um diagnóstico mais preciso da radiodifusão brasileira. Além disso, o receio da instalação de estações clandestinas, bem como de seu uso para fins paramilitares, era uma preocupação que pairava sobre o ar (CALABRE, 2002).

Com o crescente interesse pelas novas tecnologias (nessa mesma época é que ocorre a forte entrada de produtos industrializados, como geladeiras, aspiradores de pó etc.), começaram a surgir novas emissoras. Um índice desse crescimento pode ser verificado na cidade de São Paulo, que, em 1929, já contava com 60 mil aparelhos (CALABRE, 2002). Gilberto de Andrade, jornalista que atuava na redação do A Noite, em textos publicados no ano de 1935, já expressava suas preocupações com relação à expansão radiofônica no Brasil, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Uma delas dizia respeito ao número de artistas disponíveis para apresentarem- se nos programas devido ao surgimento das novas estações. “Quando estiverem funcionando as doze estações cariocas, onde irão os diretores de estúdio buscar artistas apreciáveis para os seus programas? [...] Estarão mais uma vez confiados nas improvisações?” (ANDRADE, 1935 [s.p.] apud MOREIRA; SAROLDI, 1984,

p. 11). Outra preocupação apresentada pelo jornalista seria sobre os avanços relativos à qualidade técnica dos transmissores das rádios comerciais brasileiras em comparação às suas vizinhas sul-americanas. “Várias vezes tem-se comentado a situação de inferioridade potencial das estações nacionais em relação com as argentinas e uruguaias, do que decorrerem evidentes prejuízos para a divulgação cultural [...]” (ANDRADE, 1935 [s.p.] apud MOREIRA; SAROLDI, 1984, p. 12). Essa preocupação será refletida na gestão de Andrade à frente da Nacional, tendo em vista que, já no ano de 1942, pouco depois da incorporação da emissora pelo Estado Novo, a rádio ganhará transmissores novos, passando a figurar entre as cinco maiores estações do mundo.

O país adentra a década de 1930 percebendo que o rádio já não era mais algo experimental ou restrito somente as rádios clube. Não somente em território brasileiro, mas em outros países, como Inglaterra e Alemanha (para citar os mais fortes nesse sentido), perceberam o potencial comunicativo com as massas que a radiodifusão poderia possibilitar. Vale lembrar, no entanto, que essa percepção da necessidade de comunicar-se com as massas não será desenvolvida somente em regimes totalitários ou grandes potências econômicas. Muito antes, no final do século XIX, os governantes já perceberiam tal necessidade, como assinala Hobsbawn (1984, p. 276 apud PINTO, 2003, p. 1):

[...] da década de 1870 em diante tornou-se cada vez mais evidente que as massas estavam começando a envolver-se na política, e não se poderia ter certeza de que apoiaria seus senhores. Após a década de 1870, portanto que certamente junto com o surgimento da política de massas, os governantes e observadores da classe média redescobriram a importância dos elementos ‘irracionais’ na manutenção da estrutura e da ordem social.

No Brasil, um aspecto fundamental que se desenvolve nas emissoras é o seu caráter comercial. As rádios não seriam mais financiadas apenas por sócios ou por doações esporádicas de outros contribuintes, mas por marcas, as quais passaram a anunciar seus produtos. No que dizia respeito aos modelos de radiodifusão, Getúlio