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MODELO DE NEGÓCIO PARA RÁDIOS UNIVERSITÁRIAS

Neste capítulo, partimos da compreensão de modelo de negócio apresentada por Prata (2016, p. 376) citando Magretta (2002), como “Uma análise da cadeia de valor que toma a organização como um todo e deve identificar quem é o cliente; o que tem valor para o cliente; como obter lucro e qual a lógica econômica inerente”12. Neste

texto, ao tratarmos de emissoras universitárias, não iremos considerar a obtenção de lucro, mas a possibilidade de realização de reinvestimentos e o desenvolvimento de uma infraestrutura mais complexa de trabalho qualificado adequado à lógica de mercado vigente. Como lembra Prata (2016), a organização de um modelo de negócio deve considerar condições internas e externas ao meio, observando a cadeia

12 No original: “Un análisis de la cadena de valor que impregna la organización como un todo y debe identificar quién es el cliente; qué valor para el cliente; como obtener lucro y cuál es la lógica económica inherente”.

de valor da emissora e também a cadeia de valor externa, que envolve dinâmicas de produção, circulação, distribuição e consumo de conteúdo. Ao pensarmos em emissoras inseridas na nova ecologia de mídia, em que o rádio é desafiado a inovar e a fazer movimentos iterativos de reconhecimento da audiência e de suas demandas (LOPEZ, 2016), deve-se também levar em conta elementos mais amplos, como o financiamento externo dos meios, a estruturação econômica dos países, estados e municípios, a conectividade da audiência, entre outros.

A cada dia, o processo de reinvenção das emissoras torna-se mais dinâmico e depende, de maneira mais direta, da ação dos gestores. As mudanças sociais demandam gestores que não repliquem a estagnação vista no Brasil em um de seus momentos históricos mais intensos, a chegada da televisão (LAGO, 1977), mas criem novas estratégias de inovação narrativa, de gestão e de tecnologia. Prata (2016) parte deste novo cenário em que as emissoras se alocam para propor um novo modelo de negócio para o rádio, tendo nas formas de financiamento seu eixo central. Para a autora, a nova cadeia de valor do rádio na internet se organiza em cinco eixos (PRATA, 2016, p. 380-388):

a) Franquia: a franquia é a autorização que se dá a uma pessoa ou grupo para explorar um produto, marca ou atividade. Embora tenha uma es- trutura aparentemente similar às redes de rádio, não requer produção de conteúdo local. “E a emissora franqueada não terá custos de musicaliza- ção, edições, produção artística, redação e locução de informativos, ope- ração técnica, etc” (PRATA, 2016, p. 381), precisando somente inserir as publicidades locais na programação contratada.

b) Crowdfunding: o financiamento coletivo é um dos caminhos possíveis para as emissoras de rádio, seja para projetos especiais (eventuais ou contínuos) e até mesmo para atualizar equipamentos das emissoras. O crowdfunding conta, tradicionalmente, com sistema de recompensas para estimular as doações, mas pode também ser visto como uma forma

Z-SANDE & GALLEGO, 2015; PRATA, 2016).O diferencial do crowd- funding é o estabelecimento de metas financeiras para que os projetos sejam realizados.

c) Assinatura:Na assinatura, os ouvintes têm acesso a programas ou pro- gramações específicas através do pagamento de mensalidades. O con- teúdo pode ser disponibilizado através de rádios de carro conectados à internet, computadores, dispositivos móveis ou canais de TV a cabo. d) Diversificação de produtos:apontada pela autora como um caminho

para a sustentabilidade das emissoras, a diversificação de produtos en- globa, por exemplo, a oferta de conteúdo em vídeo para TV, a criação de bares ou eventos para público específico ou ainda a venda de produtos com a marca da rádio (PRATA, 2016, p. 386).

e) Modelos híbridos:são os modelos de financiamento que integram e in- terconectam modalidades de rádio tradicional e em plataformas digitais. Através do consumo multiplataforma, por exemplo, é possível expandir narrativas, integrando aplicativos, jogos ou dossiês especiais que envol- vam compra de conteúdo ou novos espaços para inserção de parceiros financiadores.

Alguns modelos de financiamento, entretanto, não podem ser plenamente enquadrados em nenhuma das categorias propostas pela autora. É o caso da patronagem de podcasts, que se assemelha ao financiamento coletivo e à assinatura, mas não estabelece metas financeiras para o início das atividades e não estão vinculados necessariamente a sistemas de acesso restrito ao conteúdo. A produção de conteúdo exclusivo para os patrões, a possibilidade de opinar sobre o material a ser produzido ou a disponibilização dos áudios com antecedência podem ser vistos como recompensas, comuns no crowdfunding. Desta forma, circula por ambos. Este apagamento das linhas que separam as estratégias de produção de conteúdo

e financiamento demandam uma revisão dentro das próprias rádios – ou uma reengenharia, como indica Álvaro Bufarah (2015),

Falar em reingenharia das emissoras para deixá-las mais competitivas aplica- se às rádios universitárias? Como pensar essa reingenharia quando trabalhamos com instituições de perfil tão diverso, ainda que sejam todas universitárias? Essa diversidade reflete a própria diversidade do sistema educacional brasileiro, com instituições privadase públicas (que por sua vez podem ser municipais, estaduais ou federais). Cada uma tem uma regulamentação específica, que afeta como pode captar e gerenciar recursos, aquisição e manutenção de equipamentos e contratação de pessoal.

Novos modelos de negócio aplicados ao rádio universitário

Modelo Universidades públicas Universidades privadas Franquia Aplicável parcialmente, desde que ade-

quada às normas de captação / gestão de recursos por autarquia e sem uso de publicidade

Aplicável, desde que adequada ao conteúdo pú- blico-educativo e sem uso de publicidade

Crowdfunding Aplicável com adaptação às normas de

captação de recursos por autarquias. Aplicável. Assinatura Aplicável para produção de conteúdo para

público específico, mas sem cobrança pelo acesso.

Aplicável em modelo Freemium, com acesso gratuito em antena e conteúdo exclusivo para assinantes em plataformas digitais.

Diversificação de

produtos Aplicável, com possibilidade de ação se-guindo os moldes de exploração financeira da marca da universidade. Restrição às normatizações do conteúdo educativo-cul- tural (excluindo bares e bebidas alcoólicas, por exemplo) e adaptação às normas de captação de recursos por autarquias.

Aplicável, com possi- bilidade de ação con- junta com a marca da universidade. Restrição às normatizações do con- teúdo público-educativo (excluindo bares e bebidas alcoólicas, por exemplo). Modelos híbridos Aplicável, principalmente em relação ao

consumo expandido, mas com dificulda- des de implementação de cobranças pelo

Aplicável em relação ao consumo expandido e à implementação de co-

Financiamento por

editais Aplicável para projetos específicos, espe-cialmente temáticos (direitos humanos, divulgação de ciência e tecnologia, etc). Permite estruturar a emissora e, em alguns casos, fazer contratações temporárias.

Aplicável para projetos específicos, especialmente temáticos (direitos huma- nos, divulgação de ciência e tecnologia, etc). Permite estruturar a emissora e, em alguns casos, fazer contratações temporárias. Fonte: autoria própria, adaptado da proposição de Prata (2016)

À proposição feita por Nair Prata acrescentamos uma das principais modalidades de financiamento de projetos por emissoras de rádio públicas, os editais de agências de fomento, de órgãos governamentais, de empresas e de organizações não-governamentais nacionais e estrangeiras. Através deles, é possível atualizar equipamentos já defasados, investir em projetos inovadores e em temas de interesse do público, explorando narrativas e processos produtivos mais complexos.

A aplicabilidade dos modelos de negócio de rádios universitárias diz respeito, muitas vezes, à construção de redes de colaboração entre emissoras públicas em vez de financiamento efetivo. Consideramos, nesta classificação,a delimitação de conteúdodas emissoras e o perfil da audiência e as restrições impostas pelas leis que normatizam a captação e a gestão de recursos por entes públicos.Desta forma, por exemplo, uma rádio pública teria maior dificuldade de adotar um modelo de franquia do que uma privada, já que tem limitações de captação.

Consideramos que as emissoras universitárias não têm como objetivo a obtenção de lucro, mas a difusão do conhecimento e da cultura, o diálogo com as comunidades interna e externa da instituição e o fortalecimento, através destas ações da imagem da instituição e observamos que através da colaboração propiciada pelos modelos aqui apresentados estes propósitos podem ser alcançados. O caráter formativo da rádio universitária, não restrito a estudantes de comunicação, também é uma variável importante para a reflexão que propomos. Uma instituição que opte, por exemplo, por ser franqueada abre mão deste papel, deixando de oferecer um espaço de formação para seu corpo discente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta que apresentamos neste capítulo parte de inquietações do cotidiano de uma universidade em suas instâncias centrais (ensino, pesquisa, extensão) aliando-se aos desafios da gestão para discutir os caminhos para a sustentabilidade das rádios universitárias. Os caminhos que se abrem são diversos, mas direta ou indiretamente indicam um desafio: não é mais possível pensar somente na instituição como sustento das emissoras. Essa afirmação não é – e não deve ser vista como tal – uma isenção de responsabilidade das instituições, mas considera o cenário de recessão que vive o país e que afeta de maneira muito intensa as emissoras de rádio universitárias, com redução de contratações e orçamento, depreciação das condições de trabalho e, em alguma medida, um desgaste na relação estabelecida com a comunidade. O desafio reside em cumprir o compromisso da radiodifusão universitária com sua audiência e com seu conteúdo buscando alternativas de financiamento.

Este capítulo reflete um primeiro esforço de pensar esse cenário e discutir as possibilidades que se abrem para o campo. Como um dos caminhos, apresentamos as parcerias entre produtores de conteúdo público-educativo, o que não envolve captação de recursos, mas união de esforços pela produção de qualidade e ao compromisso com os estudantes, mantendo a cozinha da emissora aberta para esse processo formativo, ainda que em menor proporção.

Como alternativas para captação de recursos surgem o financiamento coletivo – seja ele permanente ou pontual, para um projeto especial; a exploração da marca da emissora, principalmente a partir da fidelização de uma audiência seleta; as assinaturas periódicas, principalmente voltadas ao público local e mais engajado com a rádio.

De maneira geral, o que percebemos é a dificuldade das emissoras univer- sitárias públicas em monetizar as ações possíveis, devido às restrições legais que

dizem respeito principalmente à manutenção de um perfil de conteúdo público-e- ducativo, com maior flexibilidade nas dinâmicas de captação de recursos.

Alguns caminhos são abertos por este primeiro estudo, para um desenvolvimento futuro, tais como a possibilidade de desenvolver parcerias público privadas para as emissoras públicas, certificando-se de que com elas esse perfil público-educativo e o controle editorial permaneçam nas mãos da instituição; e a possibilidade de explorar os potenciais das ferramentas digitais para compreender o perfil do público, produzir conteúdo de interesse direto e otimizar as captações de recursos possíveis para construir uma radiodifusão comprometida e reconhecida pela sociedade. A aproximação das emissoras com a academia, com a pesquisa e com o desenvolvimento de tecnologias também é importante para que possamos caminhar em direção à inovação.

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