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Capítulo 3 – A prática instrumental em conjunto no contexto

3.4. Desenvolvimento de competências

A aprendizagem musical pressupõe a aquisição e o desenvolvimento de múltiplas competências (Sloboda, 2000). Estas competências são frequentemente agrupadas em competências motoras, habitualmente chamadas de competências técnicas, competências musicais ou expressivas, auditivas, de leitura, e performativas, que são as competências relacionadas com o domínio da performance (Sloboda, 2000). Da literatura emerge ainda um outro tipo de competências associadas à aprendizagem musical, as competências metacognitivas chamadas frequentemente de metacognição (Bartolome, 2009; Hallam, 2001).

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Transferência refere-se ao conhecimento ou a uma competência adquirida num contexto específico que é levada para outro diferente (Perkins & Salomon, 1998)

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Competências auditivas, técnicas e musicais – A literatura atesta largamente a

importância do desenvolvimento de competências auditivas, técnicas e musicais (Cardoso, 2012; Gaunt, 2008). Estas competências envolvem saber ouvir, interpretar a música, fazer análise crítica (Stevens, 1989), controlar os mecanismos de produção de som, o domínio de técnicas que permitem o controlo da afinação, o domínio de diferentes tipos de articulação e a coordenação de diferentes tarefas realizadas simultaneamente (Cardoso, 2012; Hewitt, 2004; M. Kendall, 1988) aprender a frasear, usar corretamente as diferentes dinâmicas, controlo do tempo ou pulsação (Chaffin & Imreh, 2001; West & Rostvall, 2003) , e a capacidade de comunicar aspetos expressivos na performance musical (Barry & Hallam, 2002; Sloboda, 2000; West & Rostvall, 2003). A aquisição destas competências envolve um longo processo, que inclui aspectos tão diversificados como: aprender a cantar (House, 1966), a introdução de atividades de leitura de notação nas aulas (M. J. Kendall, 1988), o domínio de um vocabulário de símbolos musicais (Middleton, 1979). Para além do processo em si, há inevitavelmente que levar em conta a necessidade de uma orientação perita por parte dos professores de instrumento que servem durante quase todo o processo como modelos para quase tudo, incluindo a qualidade de som, que definem o repertório a ser tocado, que identificam, analisam e corrigem problemas técnicos e rítmicos, etc. (Gaunt, 2008; Labuta, 1976; Middleton, 1979). Adicionalmente, a aquisição destas competências requer a repetição de exercícios, como escalas e arpejos, o estudo de peças de caráter técnico habitualmente chamadas de estudos e requer um estudo organizado e sistemático, que inclui a repetição de passagens até se adquirirem automatismos (Austin & Berg, 2006; Barry, 1992; McCormick & McPherson, 2003; McPherson, 2006; West & Rostvall, 2003).

Apesar de alguma limitação da literatura em relação a debater o desenvolvimento de competências auditivas, musicais e técnicas no âmbito da prática musical em conjunto, por vezes a ligação entre a prática instrumental em conjunto e o desenvolvimento destas competências emerge. Por exemplo, a literatura parece mostrar que os estudantes que participam nas atividades de conjunto desenvolvem competências que envolvem saber ouvir, interpretar, fazer análise crítica, e conhecer mais repertório (Stevens, 1989). Adicionalmente, as atividades musicais em conjunto, tais como a

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prática de orquestra ou de banda, proporcionam tempo adicional de contacto com o instrumento, o que, juntamente com a necessidade de ler música em grande quantidade, parece potenciar o desenvolvimento da competência associadas à leitura musical (Cope & Smith, 1997; Hallam, 2011).

Não admira, portanto, que autores como Garofalo e Whaley refiram que a prática de conjunto pode ser usada para ensinar aos alunos competências auditivas (1979), ou que autores como Hewitt sugiram o aumento de aulas em grupo, para os alunos desenvolverem essas competências (2004).

Competências performativas – A literatura atesta de forma inequívoca a importância

do desenvolvimento de competências performativas para uma aprendizagem musical bem-sucedida. Por exemplo, de acordo com Dobson “a performance não é apenas importante, ela é a essência da música” (1989, p. 28).

Dada a importância da performance, esta é frequentemente debatida na literatura como a meta final do estudo deliberado14 (Barry & McArthur, 1994; Chaffin & Imreh, 2001; Ericsson, 2009; Rink, 2005). Neste tipo de estudo a performance é cuidadosamente monitorizada e as tarefas específicas são divididas para combater as fraquezas (Rink, 2005). Embora o estudo deliberado não seja uma atividade necessariamente agradável, os alunos podem ultrapassar a restrição motivacional por verem-no como um instrumento para melhorar a performance (Williamon & Valentine, 2000).

No entanto, embora o estudo seja vital para o desenvolvimento de competências performativas, existem outros fatores que estão relacionados com o desenvolvimento deste tipo de competências, como por exemplo, o nível de autoeficácia do indivíduo, que parece ser o fator que melhor prediz o sucesso em performance (McCormick e McPherson, 2003).

A literatura parece mostrar que a prática musical em conjunto pode contribuir para o desenvolvimento de competências performativas, nomeadamente a aprender a lidar com a ansiedade da performance. Nas aulas instrumentais em conjunto, os alunos têm

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Estudo altamente estruturado com o objetivo específico de melhorar algum aspeto da performance (Ericsson, 2009; Lehmann & Ericsson, 1998; Ward et al., 2004)

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que tocar em frente aos seus colegas, mesmo durante os ensaios ou aulas, o que parece ajudá-los a lidar com a ansiedade da performance (Stevens, 1989). Além disso, a performance coletiva – momentos de performance em grupo – na qual o aluno coloca grandes esforços parece modificar a perceção dos alunos relativamente à performance, passando a vê-la como uma ferramenta para atingir um fim comum ao grupo (Baumeister & Finkel, 2010).

Adicionalmente o desenvolvimento de competências performativas pode potenciar o desenvolvimento de outro tipo de competências. Por exemplo, de acordo com Staines, os estudantes de música que alcançam um senso de realização na performance desenvolvem competências, tais como a concentração e a memória, que se podem transferir para outras áreas de aprendizagem (1999).

Competências metacognitivas – A metacognição refere-se à capacidade de

monitorização do processo de aprendizagem por parte do aluno, e envolve o uso de diferentes estratégias em resposta às dificuldades ou necessidades da aprendizagem específicas (Bartolome, 2009; Hallam, 2001). Por outras palavras, a metacognição envolve “a tomada de consciência do próprio processo cognitivo” envolvido no processo de aprendizagem que inclui o planeamento e escolha de estratégias de aprendizagem (Cadeval, 2007, p. 43; Ribeiro, 2003). Este planeamento inclui, por exemplo, a definição de metas e a antecipação de quanto tempo e esforço será necessário para realizar a tarefa (Cadeval, 2007; James, 2006), envolve abordar o estudo de maneira organizada e planear sessões relativamente curtas e regulares de estudo (Barry & Hallam, 2002). Por isso, Hallam resume o conceito de metacognição a aprender a aprender (2001).

Austin e Berg, num estudo sobre os hábitos de autorregulação de alunos de banda e alunos de orquestra, relataram que os menos experientes usavam menos estratégias metacognitivas quando estudavam, enquanto os alunos mais motivados abordavam o estudo com diferentes estratégias que incluíam: repetição, simplificação, estudo mental, assinalar passagens problemáticas na partitura, audição de gravações das peças estudadas e autoavaliação (2006).

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profissional, este vai progressivamente adquirindo ferramentas metacognitivas até conseguir identificar as suas próprias fraqueza, limitações, e pontos fortes, avaliar o desempenho das tarefas (no estudo), desenvolver estratégias para superar dificuldades e otimizar a performance (Barry & Hallam, 2002). Isto parece mostrar que o objetivo duma aprendizagem musical bem-sucedida é que os alunos, progressivamente, adquiram ferramentas metacognitivas, de modo a que eles se tornem professores de si próprios (Costa, 1999).

Apesar de não haver quaisquer estudos a referir o desenvolvimento de competências metacognitivas no âmbito específico das aulas de conjunto, globalmente, o desenvolvimento da metacognição do aluno gera confiança nas suas capacidades, exercendo isso uma influência positiva sobre a motivação (Ribeiro, 2003). Por outro lado, também se pode dizer que o desenvolvimento e o conhecimento de estratégias metacognitivas só serão aprendidas se os alunos se sentirem motivados para aprender (McCormick & McPherson, 2003).