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Capítulo 2. Capítulo II Riscos e potencialidades das instituições

2. Estudos sobre o impacto da institucionalização

2.5. Desenvolvimento emocional e psico-social

As crianças institucionalizadas passaram por experiências precoces adversas e foram separadas dos cuidadores, experienciando assim uma importante perda na sua primeira figura de vinculação e, na instituição, são muitas vezes criadas num ambiente social e emocionalmente pouco estimulante (Vorria et al., 2006). O acolhimento

institucional parece estar associado com grandes dificuldades emocionais (Judge, 1999, cit. por Wilson, 2003; Roy, Rutter, & Pickles, 2000), em que é difícil distinguir os factores de impacto da institucionalização propriamente dita dos efeitos das experiências relacionais precoces. São aspectos especialmente críticos as relações de vinculação e o funcionamento interpessoal.

Vários estudos anteriormente citados mostram que as crianças previamente institucionalizadas apresentam um afecto indiferenciado2 no modo de se relacionarem com os outros e que este permanece, mesmo após a adopção ou reintegração na família, quer quando as crianças tinham 4 anos (Tizard & Rees, 1975), quer aos 8 anos de idade (Tizard & Hodges, 1978).

Alguns investigadores, usam o termo amizade indiscriminada3 e consideram que esta representa um défice na percepção do contexto social, concluindo que um quinto das crianças que permaneceram em instituições até ao primeiro ano de idade usavam este tipo de relacionamento com os seus cuidadores e pares. Para além disso, constataram que, nos rapazes, este padrão estava fortemente relacionada com problemas de atenção e hiperactividade (Roy, Rutter, & Pickles, 2004).

Os resultados das investigações são consistentes ao constatar a associação entre o afecto indiscriminado e problemas de comportamento, três anos após a adopção (Chisholm, 1998) e oito anos depois da adopção (Le Maré & Audet, 2002), nomeadamente, problemas hiperactividade e comportamento disruptivo (O´Connor et al., 1999).

Esta amizade indiscriminada traduz-se sobretudo em dificuldades na percepção e avaliação dos contextos sociais (Chislom, 1998; O´Connor et al,. 1999, 2000, 2003; Vorria et al, 2004), podendo constituir uma sequela da impossibilidade de terem desenvolvido relacionamentos selectivos com os cuidadores na primeira infância. O facto de este padrão se verificar unicamente em crianças institucionalizadas (e não nas crianças colocadas em famílias de acolhimento) e persistir mesmo após a adopção, reforça esta hipótese (Roy, Rutter, & Pickles, 2004).

2 Tradução de “Indiscriminate friendliness”. Tizard (1977) definiu este termo como um comportamento afectuoso com os adultos (incluindo estranhos) sem o receio típico da criança, sendo que o comportamento face ao estranho não difere do comportamento em relação ao cuidador primário, parecendo assim que qualquer adulto é suficiente para a criança, desde que lhe satisfaça as necessidades básicas.

Para além deste aspecto verificaram-se também dificuldades destas crianças em estabelecer relações seguras, independentemente da qualidade dos cuidados recebidos (Chislom et. al., 1995; Hodges & Tizard, 1989a, 1989b; Provence & Lipton, 1962; Tizard & Hodges, 1978; Tizard & Rees, 1974, 1975; Zeanah, Smyke, Koga, Carlson, & The Bucharest Early Intervention Project Core Group, 2005). Neste sentido, os diversos estudos são consistentes em demonstrar que a percentagem de crianças institucionalizadas com uma vinculação segura é mais baixa que em crianças que não passaram por esta experiência (Chisholm, 1998; Golmbok, 2000; Maclean, 2003; O´Connor et al., 2003; Vorria et al., 2006).

Vários estudos sugerem que estas dificuldades permanecem ao longo do tempo: aos onze meses, dois anos após a sua adopção (Vorria et al., 2006), três anos após a adopção (Chisholm,1998) e mesmo oito anos depois da adopção (Fernyhough, Audet, & Le Maré, 2002; O´Connor, Bredenkamp, Rutter & The Era Study Team, 2000).

Um número considerável destas crianças vem a desenvolver padrões de vinculação atípicos com os pais adoptivos, nomeadamente, um padrão de vinculação inseguro (Chisholm, 1998; O´Connor et al., 2003; Marcovitch et al., 1997) e uma necessidade de afecto compulsiva4 (Crittenden & Claussen, 2000). Este padrão de vinculação é frequentemente encontrado em amostras clínicas de crianças maltratadas (Carlson, Ciccheti & Barnett, 1991; Crittenden, 1988; Lieberman & Zeanah, 1995) e tem sido referido como factor de risco no desenvolvimento de psicopatologia (Carlson & Sroufe, 1995). Neste sentido, Marcovitch e colaboradores (1997) constataram que as crianças classificadas como inseguras apresentavam coeficientes intelectuais mais baixos, bem como mais problemas de comportamento.

Para além destes problemas de vinculação, as crianças institucionalizadas apresentam outras dificuldades que perturbam o seu funcionamento social. Goldfarb (1943) refere, por exemplo: défices ao nível da organização mental da acção, dificuldades na planificação da conduta, falta de competências de análise, de reflexão ou de antecipação dos resultados das acções, e falhas ao nível da linguagem e processamento da informação. Também Hodges e Tizard (1989) registaram dificuldades ao nível das competências sociais em crianças e adolescentes provenientes de contextos institucionais. Neste sentido, no estudo de Fisher e colaboradores (1997) verificou-se

que, 11 meses após a adopção, 32% das crianças institucionalizadas manifestavam problemas de relacionamento com os pares. Estes problemas persistiram mesmo 3 anos depois da adopção (Ames, 1997). Contudo, 8 anos depois, o relacionamento com os pares melhorou (Warford, 2002), apesar de as crianças institucionalizadas sentirem menos suporte social do seu grupo de pares e a falta de um amigo próximo. Quanto maior o tempo passado na instituição, menor o apoio social sentido pelas crianças.

Concluindo, os estudos realizados com menores institucionalizados, apesar de escassos e cujos resultados estão todavia por estabelecer com rigor, apontam tendencialmente para sintomas que poderão pôr em causa os resultados efectivos dessa institucionalização.

É necessário, no entanto, ter em conta que diversos factores condicionam a recuperabilidade destes défices, uma vez providenciadas as condições necessárias, nomeadamente (Gunnar, Bruce & Grotevant, 2000):

a) A idade de admissão na instituição

Desde os primeiros trabalhos de Spitz e de Bowlby, a idade da criança foi salientada como uma variável de relevo. Os estudos mais recentes (Browne e col., 2008; Gunnar, Bruce & Grotevant, 2000) confirmaram que a institucionalização precoce é de pior prognóstico do que quando é precedida por um período relativamente estável das crianças em contexto familiar.

b) A duração do internamento

Quanto mais prolongada e intensa for a experiência de privação, mais graves são as suas consequências a todos os níveis. Períodos superiores a 6-8 meses estão associados a elevada probabilidade de problemas múltiplos, persistentes e debilitantes (Browne e col., 2008; Gunnar, Bruce & Grotevant, 2000).

c) As características da instituição

As consequências negativas da institucionalização parecem estar em grande medida associadas ao grau de privação em várias dimensões impostas às crianças pelas condições de acolhimento, observando-se uma relação entre a severidade dos efeitos e os níveis de carência registados (Gunnar, Bruce & Grotevant, 2000).

As crianças a quem foram impostas graves restrições em contexto institucional e que à data da adopção tinham mais idade, revelaram um risco acrescido de desenvolverem problemas múltiplos e persistentes (Gunnar, Bruce & Grotevant, 2000).

e) Qualidade dos contextos pós-institucionais.

As condições ambientais e relacionais adequadas revelam-se indicadores mais fortes do sucesso da adopção do que a idade em que a criança é adoptada (Bronfenbrenner, 1978/1987; Clarke & Clarke, 1957; Rutter, 1981/1972). A análise específica das características dos contextos de pós-institucionalização mais favorável à evolução das crianças permanece, todavia, pendente (Martins, 2004).

O impacto real e efectivo da institucionalização é, como vimos, de difícil determinação. Alberto (2003) considera que reflectir sobre o impacto da institucionalização é considerar “os fundamentos, as possibilidades e os limites subjacentes a esta política de intervenção, é ultrapassar a generalidade do conceito e reconhecer a diversidade de instituições, o seu tamanho, os seus objectivos, a sua dinâmica interna, o seu corpo profissional, os apoios que têm, etc.” (p.227).

Na maior parte das vezes, a vivência em contexto institucional constitui um aspecto de uma cadeia inextrincável de acontecimentos anteriores, contemporâneos e posteriores, numa relação complexa que alguns autores comparam a uma “teia construtiva” (Ficher & Bidell, 1998, cit. Martins, 2005). Esta autora (2005) considera mesmo que o contributo da institucionalização para o impacto global desta experiência é de difícil determinação e porventura inútil, sendo que é a totalidade experiencial e vivencial da criança que é significativa e relevante do ponto de vista desenvolvimental, mais do que os episódios isolados, mais ou menos precoces, ou mais ou menos perturbadores (Shaffer, 1990, cit. Martins, 2004).

A institucionalização não é, contudo, apenas caracterizada por riscos e fragilidades, conducentes inevitavelmente ao impacto negativo que acabámos de descrever. Tem também potencialidades e aspectos de impacto positivo que importa reconhecer e potenciar. Analisaremos, de seguida, tais potencialidades.