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Capítulo 3. As instituições para a Infância e a Juventude no Sistema de

2. O Sistema Tutelar Educativo

2.2. Enquadramento legal actual – a Lei Tutelar Educativa

A Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro) aplica-se às crianças e jovens cuja conduta é desviante, visando a sua educação para o Direito e para os valores fundamentais da vida em sociedade (Ministério da Justiça e Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 1999).

Trata-se de uma lei tutelar, na medida em que contempla o dever constitucionalmente garantido de protecção das crianças e jovens a cargo do Estado; é uma lei educativa, porque pretende prevenir infracções futuras e garantir a segurança da

sociedade, criando condições especialmente intencionalizadas no sentido de promover nos seus membros mais jovens em situação de (para)delinquência, o respeito pelos valores e das normas da sua comunidade e a interiorização de "uma ideia de interdito" (Souto de Moura, 2000, p. 38). Abrange os jovens com idade situadas entre os doze anos e os dezasseis, já que este é o limite etário da imputabilidade penal (Ministério da Justiça e Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 1999).

A ofensa a bens jurídicos fundamentais, traduzida na prática de um acto com relevância jurídica, constitui um requisito da intervenção tutelar educativa, que assim se aproxima da lei penal. Todavia, e contrariamente a esta, a sua finalidade não é a repressão e punição do comportamento considerada como crime, mas sim o interesse do jovem (Epifânio, 2001). Tal explica que a legitimidade da intervenção estatal nestes casos decorra da gravidade dos factos praticados e da constatação da necessidade ou não de educação do jovem para o Direito (Rodrigues, 2002). Nos casos em que a confirmação da necessidade de uma intervenção correctiva não se verifique, a autonomia da criança supera a defesa dos bens jurídicos e expectativas sociais. Trata-se de um aspecto que afasta e distingue este tipo de intervenção da acção penal, constituindo o direito tutelar educativo como um direito autónomo (Epifânio, 2001).

A intervenção tutelada pela LTE subordina-se a dez princípios ditos orientadores (Alves, 2002), designadamente: a) mínima intervenção: a intervenção não deve ter lugar se a prática de facto se inserir no processo normal de desenvolvimento da personalidade, não constituindo um total desrespeito pelos valores jurídicos vigentes; b) contingência: os prazos são reduzidos e as fases do processo simplificadas, adequando-se a uma personalidade em rápida transformação, em que uma medida necessária num momento pode deixar de o ser um mês depois e c) humanização: exigência de condições específicas para a deslocação e transporte da criança e do jovem, a imposição de regras para a protecção da personalidade física e moral do menor durante a sua detenção ou guarda.

Deste modo, as medidas tutelares (art. 4º) podem variar entre: a) a admoestação, que consiste na advertência solene feita pelo juiz ao menor, exprimindo o carácter ilícito da conduta e suas consequências, exortando-o a adequar o seu comportamento às normas e valores jurídicos e a inserir-se, de uma forma digna e responsável, na vida em comunidade; b) a privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão para conduzir ciclomotores; c) a reparação ao ofendido, apresentando-lhe desculpas,

actividade que se relacione com o dano; d) a realização de prestações económicas ou de tarefas a favor da comunidade; e) a imposição de regras de conduta; f) a imposição de obrigações; g) a frequência de programas formativos; h) o acompanhamento educativo e

i) o internamento em centro educativo.

Ao tribunal compete a fixação da forma de execução da medida tutelar seleccionada, usando de flexibilidade na sua adequação às condições de vida e desenvolvimento do menor e nas possibilidades de supervisão, acompanhamento da sua execução e revisão periódica da sua aplicação. A adesão do jovem é considerada um aspecto de grande importância para a eficácia da medida tutelar, pelo que deve ser activamente promovida (Ministério da Justiça e Ministério do Trabalho e da Solidariedade, 1999).

Apesar da distinção entre menores em perigo e menores delinquentes, o legislador não deixou de criar pontes entre as duas situações, pelo que, o Ministério Público, em situações de urgência, pode decretar, no processo tutelar, medidas de protecção (Santos, 2004). Além disso, o Direito de Menores, seja tutelar educativo de crianças que praticam crime ou de protecção de crianças em perigo, tem como objectivo permitir que a criança ou o adolescente venha a ser um actor social de pleno direito, superadas que sejam as condições que o levaram à prática de um crime e/ou o colocaram numa situação de risco (Peres & Gonçalves, 2006).

2.3. Caracterização das respostas institucionais

O Sistema Tutelar Educativo dispõe de um conjunto de medidas institucionais, que consistem no afastamento temporário do jovem do seu meio habitual de vida através da sua colocação em Centro Educativo, por ordem do Tribunal. Existem diferentes tipos de medidas institucionais, em função dos seus objectivos e fase do processo (DGRS, 2006), nomeadamente:

a) Medida cautelar de guarda;

b) Internamento para realização de perícia sobre a personalidade; c) Medida de detenção;

d) Medida de internamento;

Assim, um jovem pode ser colocado num Centro Educativo por ordem do Tribunal antes da audiência em julgamento, porque está indiciado pela prática de um facto considerado como crime e podem ser-lhe aplicadas as medidas previamente referidas. Quando, em audiência de julgamento, foi provada a prática de um facto qualificado pela lei como crime pode ser-lhe aplicada a medida de internamento em Centro Educativo (DGPG, 2007).

Os Centros Educativos são instituições educativas destinadas a adolescentes entre os 14 e os 16 anos (apesar do internamento se poder prolongar até aos 21 anos) que tenham praticado factos qualificados pela lei como crime. Visam proporcionar à criança/jovem, por via do afastamento temporário do seu meio habitual e pela utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável. Estes Centros têm três regimes de execução:

a) regime aberto, aplicável no caso de o jovem ter cometido factos qualificados como crimes pouco graves, tem a duração mínima de três meses e a máxima de dois anos;

b) regime semi-aberto, aplicável no caso de o jovem ter cometido factos qualificados como crimes com maior gravidade, tem a duração mínima de três meses e a máxima de dois anos;

c) regime fechado, aplicável no caso de o jovem ter cometido factos qualificados como crimes muito graves, tem a duração máxima de três anos.

A medida tutelar educativa de internamento em CE é a medida mais grave aplicável às crianças e jovens, sendo a que implica maior restrição da liberdade e da autonomia. Com efeito, está reservada para os casos em que, encontrando-se reunidos os pressupostos legais, não é adequada e suficiente nenhuma medida não institucional, dada a gravidade dos factos e a necessidade de uma educação para o direito (Santos, 2004).

O acolhimento institucional para crianças e jovens autoras de facto qualificado como crime pela lei penal, está definido na LTE, que no art. 171º se refere aos direitos destas crianças e jovens, nomeadamente:

 O direito ao respeito pela sua personalidade, liberdade ideológica e religiosa e pelos seus direitos (civis, políticos, sociais, económicos e culturais) e interesses legítimos não afectados pelo conteúdo da decisão de internamento;

 A um projecto educativo pessoal e à participação na respectiva elaboração, a qual terá em conta as suas necessidades específicas de formação, escolaridade, preparação profissional e ocupação útil dos tempos livres;

 À frequência da escolaridade obrigatória;

 À preservação da sua dignidade e intimidade; a usar, sempre que possível, as suas próprias roupas, ou as fornecidas pelo estabelecimento; os artigos próprios; possuir os documentos, dinheiro e objectos pessoais autorizados;

 A contactar, em privado, com o juiz, com o Ministério Público e com o defensor;

 A ser ouvido antes de lhe ser imposta qualquer sanção disciplinar; a ser informado, periodicamente, sobre a sua situação judicial e sobre a evolução do seu projecto educativo pessoal;

 A efectuar pedidos, a apresentar queixas, fazer reclamações ou interpor recursos;

 A ser informado pessoal e adequadamente, no momento da admissão, sobre os seus direitos e deveres, sobre os regulamentos em vigor, sobre o regime disciplinar e sobre como efectuar pedidos, apresentar queixas ou interpor recursos;

 A manter contactos autorizados com o exterior (por escrito, pelo telefone, através da recepção ou da realização de visitas, recepção e envio de encomendas);

 Sendo mãe, a ter na sua companhia filhos menores de 3 anos.

Paralelamente à LTE, foi publicado o Decreto-lei 323 D/2000 – Regulamento Geral e Disciplinar dos Centros Educativos (RGDCE) - que regulamenta dois aspectos: por um lado, regula a organização, competência e funcionamento dos CE, por outro, consagra o regime disciplinar a que os jovens internados estão sujeitos (Santos, 2004).

2.4. A Rede de Centros Educativos

2.4.1. Caracterização socio-demográfica dos adolescentes acolhidos

No ano de 2006, encontravam-se 267 jovens em regime de internamento em CE, sendo este número de 203 jovens em 2007 (Direcção Geral de Política de Justiça, MJ, 2007).

 Idades

Nos Centros Educativos, podemos verificar que as faixas etárias mais significativas dos educandos se situam acima dos 16 anos, tendo-se registado um aumento significativo do número de jovens internados nestas idades durante o ano de 2007 (DGPJ, 2008).

 Género

A grande maioria dos educandos internados em CE são rapazes, as raparigas apenas representando cerca de 10% desta população (DGPJ, 2008).

 Nacionalidade e naturalidade

No ano de 2005 (N=291) a grande maioria dos adolescentes internados em CE era de origem portuguesa (85,2%), sendo os restantes cabo-verdianos (7,6%) e angolanos (4,5%). Analisando a naturalidade dos educandos, mais de metade dos adolescentes era natural de Lisboa (46,4%), seguida do Porto (14,4%) (Marteleira, 2007).

 Escolaridade

Nos CE, a maioria dos jovens frequenta a escola (85,5%), frequentemente o 2ºciclo. A maioria (81,3%) frequenta cursos de formação profissional (DGPJ, 2008). Sublinhamos que a escolaridade da população aqui em estudo é aplicada segundo currículos alternativos no âmbito do Ensino básico recorrente, procurando-se assegurar uma escolaridade de segunda oportunidade para quem na idade prevista não o conseguiu, procurando uma ligação entre a formação escolar e a formação técnico- profissional (Carvalho, 1999).

 Motivo do acolhimento institucional

No que respeita ao motivo que justificou o internamento em CE, verifica-se que os crimes contra a propriedade são os mais representados (86,9%) (DGPJ, 2008; Marteleira, 2007), seguidos pelos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual (5,8%), os crimes contra a integridade física (2,7%) e os crimes respeitantes ao consumo de estupefacientes (2,1%) (Marteleira, 2007).

uma delinquência de carácter aquisitivo, sendo o roubo o crime mais praticado, seguido do furto e, com menos expressividade, a ofensa à integridade física, ameaças/injúrias/coacção, condução ilegal e dano (Marteleira, 2007).

 Caracterização sócio-familiar

No que concerne às crianças e jovens institucionalizadas em CE verificou-se que os agregados familiares dos jovens possuíam, maioritariamente, as seguintes características (Marteleira, 2007):

• Agregados familiares nucleares (25,4%), famílias monoparentais (14,4%) e, ainda com alguma expressividade, famílias recompostas (14,1%);

• Pais separados/divorciados (37,5%) e, com alguma expressividade, órfãos (16,5%), principalmente de pai;

• Problemáticas de consumo de álcool, principalmente do progenitor (18,9%), e toxicodependência (6,2%);

• Precariedade económica (66,3%);

• Violência familiar (32,9%), incluindo violência doméstica (19,9%) e violência sobre a criança ou jovem (18,9%);

• Ausência de relações afectivas positivas com os progenitores (Carvalho, 2004);

• Familiares que estão ou que já estiveram detidos, nomeadamente um (14,4%) ou dois familiares detidos (5,5%), dos quais irmãos (41,7%), o pai (10%) ou ambos os pais (8,3%) (Carvalho, 2003; Marteleira, 2007).

De facto, como refere Carvalho, (2003, p.126) verificam-se, nestes jovens “vivências familiares acentuadamente marcadas por circunstâncias pessoais e sociais de perdas, rupturas, negligência ou abandono”. Sublinhamos ainda a frequência de situações de violência familiar e de situações de carência socio-económica, funcionando como factores de maior risco social e vulnerabilidade.

 Medidas tentadas antes do acolhimento institucional

No que respeita à situação anterior à entrada no CE, verifica-se que a grande maioria dos educandos terá sido previamente acompanhada por uma equipa de Reinserção Social (80,8%) e que uma parte significativa (33,3%) já tinha cumprido uma

medida de internamento em CE, cujo motivo assentou na prática de factos qualificados como crime contra a propriedade. Salientamos que quase metade (40,2%) dos adolescentes em CE frequentaram previamente uma instituição para crianças e jovens e muitos terão sido acompanhados por uma CPCJ (Marteleira, 2007; Santos, 2004). Esta forte percentagem parece apontar para um percurso institucional em que os CE aparecem como última paragem de um trajecto desviante (Marteleira, 2007).

2.4.2. Caracterização dos equipamentos

No que concerne à rede de Centros Educativos, existem 9 estabelecimentos, 7 no Continente (2 na região Norte, 2 na Região Centro e 3 a sul de Lisboa e Vale do Tejo), 1 na Madeira e 1 nos Açores. Relativamente à lotação, os números variam entre 13 a 38 jovens em cada CE (IRS, 2003, cit. por Santos, 2004).

Em síntese, podemos verificar algumas similitudes entre as crianças e jovens que foram alvo de acolhimento institucional, quer em LIJ quer em CE, designadamente: a) são maioritariamente adolescentes, têm nacionalidade portuguesa e provêm sobretudo de meios urbanos; b) nos seus agregados familiares verificam-se situações de precariedade sócio-económica, violência familiar, abandono, rupturas, negligência e alcoolismo, e c) muitas vezes, os familiares e eles próprios foram alvo de outras institucionalizações.

3. Algumas dimensões críticas na organização funcional dos Lares de Infância e Juventude e dos Centros Educativos