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Desenvolvimento Local: Atores Sociais e Participação

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CAPÍTULO 1. DESENVOLVIMENTO LOCAL, TURISMO E NOVAS

1.1. Desenvolvimento Local: Atores Sociais e Participação

Segundo Dowbor (1999, p. 5), o conceito-chave que norteia o desenvolvimento local é o mecanismo da “articulação”, uma vez que “não se trata mais de escolher entre o Estado e o privado, entre o social e o econômico”, mas articulá-los em um objetivo comum. Ou seja, o desenvolvimento local pressupõe a articulação entre Estado, Sociedade Civil e Mercado que em conjunto procuram estabelecer a formação de uma rede de parceiros ativos, integrando todos os atores sociais envolvidos no processo.

Em seus estudos, Gallichio (2003, p. 81) defende que o desenvolvimento local se baseia nos seguintes pressupostos: “visão estratégica de um território, atores com capacidade de iniciativa, identidade cultural como alavanca do desenvolvimento”; e nas seguintes características: “tratar-se de um enfoque multidimensional, onde coexistem no mínimo as dimensões econômica, ambiental, cultural e política; é um processo orientado para a cooperação e negociação entre atores, é um processo que requer atores e agentes de desenvolvimento”. Ou seja,

Desenvolvimento de um setor, ou território, não pode ser considerado como uma atividade independente da evolução econômica geral do sistema a que pertence. Pelo contrário, significa um processo dinâmico e multidimensional que deve afetar todo o território, os diferentes setores produtivos e a população. (RAMOS LEAL, apud CAVACO, 1996, p. 101).

Sobre isto gostaríamos de ressaltar as observações de Arocena (1995, p. 25-26), sobre a diferença entre ator local e agente de desenvolvimento. Segundo ele os “múltiples y variados procesos de generación de actores locais” não passam de expressões resultantes da história de um território. Sua definição se relaciona à ação empreendida no cenário social ao qual está inserido, que poderá ser positiva ou negativa, isto é, “no se incluye la calidad de la acción, sino la escena en la qual se desarrolla”.

Para Barreiros (apud AROCENA, 1995, p. 25-26), o ator local é ao mesmo tempo “motor y expressión del desarrollo local”, podendo ser definido em 03 categorias - políticos institucionais (atores responsáveis pelas tomadas de decisões), técnicos experts (atores técnicos profissionais) e o ator que empreende uma ação no território (população e todas as suas manifestações ativas). Nesse sentido, a noção de ator se aproxima da noção de desenvolvimento e além do cenário, onde a ação se desenvolve, há o aporte da ação que realiza o desenvolvimento local. Ou seja, o que importa é o sentido que o ator imprime na ação. Assim, nem todo individuo, instituição que atue no local pode ser considerado ator local de desenvolvimento ou agente de desenvolvimento local. Resumidamente, podemos concluir que ator local é aquele que atua no local; e ator-agente local de desenvolvimento é o que se preocupa com a qualidade da ação no local9.

Diante do exposto, Arocena (1995, p. 25-26) define o ator local de desenvolvimento como todos aqueles agentes que no campo político, econômico, social e cultural são portadores de propostas que tendem a capitalizar melhor as potencialidades locais. Na verdade, trata-se da busca de um melhor aproveitamento dos recursos, mas que destaca a qualidade dos processos em termos de equilíbrios naturais e sociais. Neste sentido, procurará cuidar do equilíbrio natural e submeter às iniciativas de desenvolvimento, tais como as inovações tecnológicas e pólos turísticos, adaptando-as aos interesses e características da localidade. (tradução nossa).

Para Augusto de Franco (2000, p.11-56), a promoção do desenvolvimento se dá a partir da geração de renda, multiplicação do número de proprietários produtivos, elevação do nível de escolaridade da população e o aumento do número de organizações da sociedade civil. Sua proposta é que o desenvolvimento local procure "aumentar a produção e democratizar o acesso à riqueza, ao conhecimento e ao poder (no sentido de empoderar as populações)".

A articulação com vistas à gestão participativa dos processos de desenvolvimento local envolve não só relação de poder, como também relação entre culturas diferentes – a institucional e a cultura popular. Tauk Santos (1994, p. 110) chama a atenção para uma passagem do texto de Pedro Demo, onde o autor afirma que o processo participativo é alcançado através da conquista e das negociações dos interessados e que, por isso, é conflituoso, uma vez que esse processo se dá em “contextos de desigualdade”. Dessa forma, a participação não pode ser “doada, concedida,

9 A geração desse tipo de ator-agente de desenvolvimento local é uma das condições para o sucesso dos processos de

desenvolvimento local e, por isto, as políticas públicas de formação destes agentes deveriam ocupar um lugar de destaque nas suas formulações.

outorgada. A participação emerge somente se conquistada”. Em suma, a participação popular é compreendida como o

processo que objetiva a autopromoção, a realização da cidadania, a implementação de regras democráticas de jogo, de controle de poder, controle da burocracia, o estabelecimento de negociação e a construção de uma cultura democrática. (CALLOU e TAUK SANTOS, 2000, p. 4).

Ao delimitar conceitualmente a participação, também se faz necessário considerar a questão referente ao poder político. Poder este que não deve ser confundido

com autoridade ou Estado, mas supõe uma relação em que atores, com recursos disponíveis nos espaços públicos, fazem valer seus interesses, aspirações e valores, construindo identidades, afirmando-se como sujeitos de direitos e obrigações. (TEIXEIRA, 2001, p. 26).

Teixeira, analisando Cotta (2001, p. 26), afirma que a participação “situa-se entre várias dicotomias: direta ou indireta, institucionalizada ou ‘movimentalista’ orientada para a decisão ou para a expressão”. Porém, o autor entende “que as várias formas estão presentes no processo político de maneira mais ou menos intensa, conforme a conjuntura e os atores políticos”. Outro fator relevante para Teixeira (2001, p. 26) diz respeito à diferenciação entre participação voltada para a decisão, e participação cuja orientação está na expressão. Segundo ele,

a primeira caracteriza-se por intervirem, de forma organizada, não episódica, atores da sociedade civil no processo, e tem sido enfatizada, até pelos seus críticos, como fundamental e definidora. A segunda, de caráter mais simbólico e voltada para a expressão, caracteriza-se por marcar presença na cena política ainda que possa ter impacto ou influência no processo decisório. (TEIXEIRA, 2001: p.26).

Porém, esse autor entende que não se trata de se privilegiar uma ou outra. O que importa é considerar

quanto à sua possibilidade de fortalecer e aprofundar a democracia, e às suas limitações para efetivá-las. Independente das formas que se pode revestir, a participação significa ‘fazer parte’, ‘tomar parte’, ‘ser parte’, de um ato ou processo, de uma atividade pública, de ações coletivas. Referir ‘a parte’ implica pensar o todo, a sociedade, o Estado, a relação das partes entre si e destas com o todo e, como este não é homogêneo, diferenciam-se os interesses, aspirações, valores e recursos de poder. (TEIXEIRA, 2001: p.26).

O problema surge devido ao “particularismo” e o “corporativismo” dos envolvidos, em detrimento ao atendimento dos interesses gerais. A participação exige “condições objetivas e subjetivas e espaços públicos onde possam ocorrer negociações e compromissos para que as argumentações, livremente expostas, permitam chegar-se a um consenso traduzível em decisões no sistema político”. Nas palavras de Teixeira (2001, p. 30-33) a participação cidadã

é um processo complexo e contraditório entre sociedade civil, Estado e mercado, em que os papéis se redefinem pelo fortalecimento dessa sociedade civil mediante a atuação

organizada dos indivíduos, grupos e associações. Esse fortalecimento dá-se por um lado, com a criação e exercício de direitos. Implica também o controle social do Estado e do mercado, segundo parâmetros definidos e negociados nos espaços públicos pelos diversos atores sociais e políticos.

Destaca, ainda, a necessidade de se diferenciar participação cidadã de participação social e comunitária, ou participação popular. A participação cidadã se diferencia porque é mais ampla e não almeja apenas a “prestação de serviços à comunidade ou à sua organização isolada”, ou a apenas a participação em “grupos ou associações para a defesa dos interesses específicos ou expressão de identidades”. Tampouco tem “caráter reivindicativo – visando ao atendimento de carências ou à realização de protestos”. A participação popular é uma expressão que tem caráter ideológico, e se refere aos segmentos mais explorados da sociedade, tais como trabalhadores, favelados e desempregados

tem sido usada por governos e organismos internacionais ao envolver segmentos dominados da população em seus projetos e políticas, inclusive como estratégia de redução de custos (mutirões, parcerias) e com objetivos de manipulação ideológica, pretendendo-se conferir legitimidade a governos e programas de compensação aos efeitos das políticas de ajuste estrutural. (TEIXEIRA, 2001: p. 32).

Telles (apud TEIXEIRA, 2001, p. 32) defende a necessidade de se reavaliar a participação popular “nos termos de uma participação cidadã que interfere, interage e influencia na construção de um senso de ordem pública regida pelos critérios da eqüidade e justiça”. São duas as contradições na participação cidadã, segundo Teixeira

primeiro, o ‘fazer ou tomar parte’, no processo político-social, por indivíduos, grupos, organizações que expressam interesses, identidades, valores que poderiam se situar no campo do ‘particular’, mas atuando num espaço de heterogeneidade, diversidade, pluralidade. O segundo, o elemento ‘cidadania’, no sentido ‘cívico’, enfatizando as dimensões de universalidade, generalidade, igualdade de direitos e responsabilidades, à propensão ao comportamento solidário, inclusive relativamente àqueles que, pelas condições econômico-sociais, encontram-se excluídos dos direitos, do “do direito a ter direitos”

Sendo assim, esse autor (2002, p. 32) define participação cidadã como

o processo social em construção hoje, com demandas específicas de grupos sociais, expressas e debatidas nos espaços públicos e não reivindicadas nos gabinetes do poder, articulando-se com reivindicações coletivas e gerais, combinando o uso de mecanismos institucionais com sociais, inventados no cotidiano das lutas, e superando a já clássica dicotomia entre representação e participação.

Porém, consideraremos a advertência de García Canclini (1996, 23-24) que nos informa que geralmente a política participativa busca "repensar a cidadania como estratégia política para reivindicar os direitos de aceder e pertencer ao sistema sócio/político, como também o direito de

participar na reelaboração do sistema, definindo, portanto, aquilo que queremos fazer parte". Para o autor, essa mesma política participativa ao considerar essas "novas condições culturais de articulação entre o público e privado", não passa de uma "nova concepção estratégica do Estado e do mercado que articula as diferentes modalidades de cidadania nos velhos e novos cenários".

Além disso, é importante se considerar, também, o conflito como parte integrante dos processos de desenvolvimento e, nesse sentido, é necessário ter em mente a orientação de Hirschman (1998, p. 271) quando afirma que o conflito é inerente às sociedades de mercado pluralistas; são a “contrapartida do progresso técnico e da conseqüente criação de nova riqueza, atributos estes que conferem justa fama à sociedade de mercado”. Os conflitos são decorrentes da existência de “desigualdades e declínio setoriais ou regionais recém-surgidos” e funcionam como uma “contrapartida de vários desenvolvimentos dinâmicos em outras partes da economia”. O conflito geralmente aparece em sociedades que gozem de “liberdade de expressão e associações”, mobilizando tanto as pessoas diretamente atingidas pelo processo como aqueles “cidadãos suscetíveis a sentimentos de justiça social compartilhados de modo mais ou menos geral”. Segundo esse autor, esses dois grupos

fazem reivindicações por ação e reforma corretivas, reivindicações baseadas tanto no interesse próprio como na legítima preocupação com o bem comum... baseadas tanto em negociações como em discussões. O segredo da vitalidade da sociedade de mercado pluralista, e de sua capacidade de renovação, pode estar nessa conjunção e na sucessiva erupção de problemas e crises. A sociedade, assim produz uma dieta regular de conflitos que precisam ser resolvidos e que ela aprende a administrar. (HIRSCHMAN, 1998, p. 271).

Esse autor (1998, p. 273-274) nos informa, ainda, que os conflitos podem ser divisíveis ou não-divisíveis. O primeiro são conflitos “concernentes à obtenção de mais ou menos” e o segundo é aquele do tipo “ou-ou” em que “apenas uma das partes sai vencedora, os quais caracterizam as sociedades fragmentadas por facções rivais, étnicas, lingüísticas ou religiosas”. A diferença entre ambos não é de fácil identificação, porque as “questões não-divisíveis comumente possuem alguns componentes que são negociáveis” e os divisíveis apresentam componentes não- divisíveis. O primeiro diz respeito àqueles conflitos em que a solução conciliatória para os mais diversos grupos sociais tem um caráter temporário, “ligados às circunstâncias específicas nas quais foram firmados e podem voltar à baila na próxima oportunidade”. Já o segundo tipo é aquele em que a sua superação pode se dá “pela eliminação pura e simples de um dos grupos

antagônicos, ou por um acordo de tolerância mútua”, e que, geralmente dão a impressão que os conflitos foram superados.

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