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Era Uma Vez O Rural Contemporâneo de Gravatá

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CAPÍTULO 2. DO BOI E DO ROÇADO AO RURAL

2.3. Era Uma Vez O Rural Contemporâneo de Gravatá

Pelas conversas informais e entrevistas realizadas, acreditamos que o processo de transformação da agropecuária tradicional para a empresarial se deu a partir da iniciativa do pecuarista e engenheiro Isnar Amorim, que, no final da década de 1960, transformou sua fazenda na empresa Haras Passira, passando a investir na criação de diversos animais tais como: gado da raça Gir, cavalos das raças Manga Larga Marchador e da criação de jumentos da raça Pega. Assinalamos que também foi na década de 1960 que chega a Gravatá o imigrante Suíço Sr. Truan, que inaugura o Restaurante Taverna Suíça. Chegamos a essas conclusões após recebermos as seguintes respostas:

Aqui o desenvolvimento se deu por osmose! Não teve nenhum planejamento público. Quem começou toda essa história foi o Isnar que é doido por boi e cavalo, até hoje! Mais ou menos no mesmo período chega o Sr. Truan, da Suíça, e abre o Taverna Suíça com o negócio do fondue. O resto foi conseqüência! (E. C. Hoteleiro).

Foi o Sr. Isnar que começou a criação de cavalos e depois chegou o Sr. Truan com o Fondue. Aqui o povo não perde tempo... Viu uma coisa diferente na televisão ou na revista... Pronto! Pode está certa que vão imitar! (D. A. Comerciante).

No âmbito da moderna agropecuária, já no final na década de 1990, mais uma empresa é aberta, a Rebanho Caroatá, especializada no melhoramento genético de embriões de caprinos e ovinos. Nesse período a agricultura tradicional de subsistência, embora ainda exista, começa a se diversificar com a produção de flores e plantas ornamentais, fumo, morango; café, legumes, frutas e hortaliças orgânicos e se intensifica também a produção artesanal de doces, licores, mel,

tanto de engenho quanto de abelha. Outro destaque é o Orquidário Dois Irmãos que recentemente se transformou em uma ONG, conhecido internacionalmente e aberto à visitação pública:

Teve uns que não são “crias” daqui, e que compraram fazendas ou sítios e estão criando cavalos, bodes, ovelhas ou plantando flores. Tem até japonês e sueco, aqui plantando flor e orgânicos! (L. S. Morador e Comerciante).

Tem fazenda aqui que se transformou e hoje eles trabalham com melhoramento genético de bodes e ovelhas, vendendo em leilões no país inteiro e no exterior. Começaram a investir nas flores e no morango. Até o único engenho de açúcar - o Engenho Caranguejo – entrou nessa e resolveu aproveitar e está produzindo rapadura e mel de engenho, e vendendo como produto artesanal. (J. S. F. Morador e Artesão).

Por outro lado, moradores contam que o grande atrativo de Gravatá sempre foi o excelente clima. Desde 1920, era conhecida como estação climática para tratamento de doenças pulmonares, assim como Garanhuns. Sendo que, para Garanhuns se dirigiam aqueles de maior poder aquisitivo, pois contava com a melhor da “Colônia de Férias” do Estado, o Tavares Correia, inaugurado em 1927, e ainda em atividade, que oferecia melhor infraestrutura de hospedagem para os familiares. Em Gravatá, ficavam os de menor poder aquisitivo e por ser razoavelmente perto de Recife, permitia aos familiares visitantes o retorno no mesmo dia:

Gravatá, como Garanhuns, desde a década de 1920, atraia o pessoal como estação de tratamento de doenças pulmonares. Eram conhecidas como as “Colônias de Férias”. Os mais ricos iam para Garanhuns que tinha melhor estrutura, e o resto ficava aqui em Gravatá. (I. P. M. Moradora e proprietária de Pousada).

A instalação do restaurante “Taverna Suíça” pelo imigrante suíço, Sr. Truan - que encantado pelo excelente clima e a proximidade com Recife escolheu Gravatá como local de moradia e trabalho – transformou-se nos finais de semana no ponto de encontro da população de Recife, e outras localidades próximas, que utilizavam Gravatá como lugar das férias escolares no mês de junho.

Era comum nesse período da década de 1960 e 1970 o aluguel de casas para as férias juninas, de algumas pessoas de Recife. Isso acontecia não só em Gravatá, mas também, em Brejo da Madre de Deus, cidade próxima, que contava com uma instância de água mineral. Atualmente o município de Brejo da Madre de Deus é conhecido nacionalmente pelo espetáculo da “Paixão Cristo”, encenada no Distrito de Nova Jerusalém, no período da Semana Santa:

O pessoal de Recife costumava alugar casas pra passar as férias do meio do ano. Além do clima, fica perto de Brejo que tinha uma estação de águas. (I. P. M. Moradora e proprietária de Pousada).

Além desse público em férias no período de junho, logo o restaurante tomou fama, despertando o interesse das classes mais abastadas de Recife ou das redondezas, que nos finais de

semana costumavam subir a serra em busca do “fondue”:

A história do turismo começou pelo seu clima que já era utilizado, antes da penicilina, como tratamento da tuberculose. Em seguida, chegou um suíço aqui, Sr. Truan, que fundou a Taverna Suíça e as pessoas de Recife vinham a Gravatá pra comer um fondue e tomar um bom vinho, e voltava pra Recife. (R. F. Secretário de Turismo).

Mas isso de turismo mesmo foi a uns 35 a 40 anos atrás quando veio morar aqui, o Truan. Muita gente achou estranho uma cidade no Agreste, servindo fondue. É uma incoerência! Mas era que Gravatá era bem mais frio!” (I. P. M. Moradora e proprietária de Pousada). No inverno Gravatá se enchia de gente! Uns vinha porque alugava casa nas férias. Outros vinham atrás do fondue. (D. A. Comerciante).

Mais ou menos nesse período, a Companhia de Habitação de Pernambuco/COHAB, construiu um condomínio, para atender à necessidade de habitação dos moradores da cidade, mas, foram poucos os que efetivaram a compra devido o alto preço da prestação. A abertura das vendas para pessoas de outras localidades, mostrou a existência de uma forte demanda por habitações de segundas residências:

Em 1968, meu pai comprou uma casa na COHAB 1, só que, na minha rua, só tinha nós daqui de Gravatá. O resto era tudo de fora. (I. P. M. Moradora e proprietária de Pousada). Esses condomínios começaram depois que a COHAB construiu umas casas na cidade, mas a maioria das pessoas daqui não podia pagar a prestação. Então, pra não ficarem no prejuízo, venderam pra o pessoal de Recife que já conhecia e gostava de passar férias em Gravatá. Depois desse, aí foi aparecendo um atrás do outro, e está assim até hoje. (D. A. Morador e Comerciante).

O surgimento de áreas para a construção de condomínios e privês na área rural se deve à visão de alguns empresários que perceberam essa demanda e construíram os 03 primeiros, nas áreas urbana e rural, e cuja arquitetura lembra os chalés suíços. Inclusive, havia alguns, que contavam com seus clubes particulares. Nesse mesmo período iniciou a transformação total ou parcial de antigas fazendas, pelos proprietários ou seus filhos que após concluírem seus cursos de graduação não tinham interesse pela atividade agropecuária. Na grande maioria fazendas ociosas, ou de baixa produtividade. Mais recentemente, contou também para a expansão dos condomínios e privês o medo da ameaça de desapropriação de terras ociosas, pelo Instituto Nacional de Colonização Agrícola e Reforma Agrária (INCRA), e as ocupações dos movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST):

O aparecimento dos condomínios e privês foi depois da abertura do Taverna Suíça! Os judeus construíram os 03 primeiros condomínios aqui porque entenderam que as pessoas que vinham comer esse fondue e tomar esse vinho, poderiam querer dormir na cidade para aproveitar mais do clima. Daí começou esse turismo, mas um turismo de visitantes de final de semana, das pessoas de condições financeiras privilegiadas de Recife. (R. F.

Esse pessoal novo daqui depois que estudou, não quer saber de trabalhar na terra. Só uns pouquinhos voltaram e estão criando ou produzindo alguma coisa. O resto está virando condomínio. Imagine... já tem até privê dentro de hotel-fazenda aqui! (J. S. F. Morador e Artesão).

Ah professora, tinha muita terra parada aqui! Antes eram fazendas lindas, cheia de bois pastando, ou com imensa plantação de laranja como a da Fazenda da Sukita. Mas os filhos, depois que viraram “doutor” e foram morar em Recife, nem ligavam mais. Dava dó ver tanta terra abandonada! Com essa dos condomínios, cresceram os olhos e venderam tudo. Já outros fazendeiros venderam só parte das terras, mas pode escrever que é só eles fecharem os olhos, e vai tudo virar condomínio. (L. S. Morador e Comerciante).

Estava ficando tudo largado... mas aí apareceu um “boato” que o INCRA ia desapropriar... e viram na televisão o MST invadindo tudo que era de fazenda... Num instante resolveram dar um jeito de virar condomínio. (J. S. F. Morador e Artesão).

Também foi nesse período que começaram a surgir os primeiros hotéis-fazendas, hotéis, pousadas, “spas” e apart-hotéis para atender a intensa demanda dos turistas nos finais de semana ao restaurante, e a ser construída uma imagem de Gravatá como lugar “sossegado”, “bucólico”, “rural”, “paraíso dos finais de semana”:

O primeiro hotel-fazenda daqui de Gravatá foi idéia do meu pai que comprou essas terras há muito tempo atrás, quando passava por aqui e viu que estavam à venda. Meu pai é um visionário! Foi dele a idéia de montar o negócio do Hotel-Fazenda, já que não havia nada disso por aqui, naquela época. Os 02 apart-hotéis, que tem aqui dentro do Hotel-Fazenda são idéias dele também! (E. C. Empresário).

O primeiro hotel-fazenda foi o Portal de Gravatá. Foi idéia de um Doutor que tinha umas terras aqui, e que hoje os filhos é que tomam contam. (L. S. Morador e Comerciante).

O surgimento dessas novas atividades decorrentes da moderna agropecuária, dos estabelecimentos hoteleiros, gastronômicos, da construção de condomínios, privês, possibilitou o aquecimento do pequeno comércio e a indústria artesanal de móveis rústicos, e o artesanato em geral de Gravatá:

Mas o lado bom foi que os negócios melhoraram em tudo depois que o pessoal começou a descobrir Gravatá, e seu clima e sossego! Seja por parte de gente daqui mesmo, seja de gente de fora que veio pra ficar. O povo daqui sempre mexeu com madeira e fez artesanato de bronze e alumínio, foi só se aperfeiçoar. (D. A. Comerciante).

Aproveitamos esse tópico onde os principais fatos da história recente de Gravatá são narrados pelos entrevistados, para inserir uma informação que achamos de suma importância para o estudo sobre o desenvolvimento de Gravatá. Não a incluímos nos tópicos anteriores porque são informações que não foram encontradas em nenhuma referência bibliográfica, mas que sempre era citada pelos entrevistados e também em folders e cartazes.

Trata-se do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Círculo de Trabalhadores Cristãos de Gravatá/CTC, fundado em 20/05/1962, cuja finalidade é promover o desenvolvimento humano através da educação infantil, ensino fundamental e ensino profissionalizante (Marcenaria, Corte e Costura e Pintura em Tecido). Suas ações estão voltadas para o atendimento das famílias carentes do Município. Sua manutenção se deve às mensalidades de seus sócios e da venda dos artigos produzidos:

Trabalhar pelos pobres só vejo a ODIP e o CTC fazendo alguma coisa. Principalmente o CTC com seus cursos, que já tirou muita gente da miséria. A maioria dos artesões de madeira daqui passou por lá. Eu mesmo passei! Esse pessoal que está com negócio de artesanato de tecido, também. (J. S. F. Morador e Artesão).

São três (03) escolas mantidas nos bairros mais pobres da cidade (Bairro Novo e Vila Maria Auxiliadora), que atendem atualmente 450 crianças. Outras atividades educativas são na formação social (cidadania, relações humanas, associativismo, liderança comunitária, políticas públicas de gênero) e na saúde preventiva (unibiótica, medicina preventiva pelo uso de plantas medicinais e segurança alimentar):

Ensino e ajuda para o pessoal pobre da cidade, tirando as do governo e os cursos financiados pelo FAT, só tem mesmo a ODIP e o CTC e que mesmo assim recebe ajuda. Mas são entidades antigas e sérias. O CTC é uma entidade combativa, que participa ativamente mesmo dos conselhos daqui. (D. A. Comerciante).

Diante do exposto havemos de concordar com Kosik (1995, p. 83) e Lefèbvre (1995, p. 90), quando afirmam que o processo de modernização se cristaliza no espaço da cotidianidade e que sendo assim, só poderá ser compreendido baseado na realidade historicamente construída.

Nesse sentido, podemos afirmar que ao longo dos últimos 40 anos, um novo sentido de territorialidade em Gravatá foi construído, com a substituição gradual das antigas oligarquias tradicionais agrícolas. A reconfiguração do espaço rural e urbano empreendido pelas modernas atividades ligadas à agropecuária, turismo e as segundas-residências, fez surgir uma nova hegemonia política que, ao que tudo indica, é a responsável pelo atual processo de desenvolvimento do Município.

No próximo capítulo faremos as análises sobre turismo e lazer (segundas-residências) onde confrontaremos o empírico à luz da vida cotidiana.

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