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estratégias x falta de políticas públicas

TERRITÓRIO TRANSAMAZÔNICA

5.2 Desenvolvimento Local Sustentável: conceituação e perspectivas

No bojo deste amplo debate pertinente aos impactos do sistema econômico global, e, no conjunto de propostas inovadoras no campo conceitual, é importante que se destaque os avanços nas análises relativas ao Desenvolvimento Local Sustentável. Este processo surge enquanto alternativa estratégica capaz de fazer a confrontação das lógicas e racionalidades, entre antigos e novos atores

62 Segundo Guimarães (op. cit.), apesar da importante evolução do pensamento mundial com relação

à crise do desenvolvimento, que também se manifesta na crise do meio ambiente, o receituário para a sua superação ainda obedece à farmacopéia neoliberal, com programas de ajuste estrutural e de redução dos gastos públicos, e se abre ainda mais para o comércio e os investimentos estrangeiros (ver, por exemplo, RICH, 1994, e GUIMARÃES, 1992). O discurso da sustentabilidade encerra assim múltiplos paradoxos.

sociais, imprimindo assim uma nova dinâmica de desenvolvimento econômico e de organização territorial, tendo-se como foco central os parâmetros e preceitos fundamentais da sustentabilidade.

Dessa forma, ao se discutir os aspectos e fatores que interferem no processo de desenvolvimento, dentro de um contexto de maior amplitude, necessariamente, deve-se levar em consideração as relações que se estabelecem entre as esferas local e global, assim como os impactos delas decorrentes. Há, portanto, a inquestionável necessidade de adoção de uma abordagem mais integradora neste campo analítico, a fim de que se tenha uma melhor apreensão de fatos explicativos da realidade complexa, especialmente do ponto de vista da dinâmica econômica de territórios rurais.

Neste sentido, de acordo com Campanhola e Silva (2000),

“ao mesmo tempo em que as sociedades contemporâneas se vêem atravessadas por processos globais, abrigam dinâmicas locais que se propõem a solucionar problemas gerados tanto dentro como fora de seus limites (Navarro Yáñez, 1998). Por isso, há a necessidade de se buscar novos pontos de equilíbrio entre o global e o local. Assim, o foco não deve ser apenas no local, mas também nas relações e interações que ocorrem entre localidades e regiões. O que tem se observado é que forças globais requerem e estimulam respostas nas esferas local e regional (Jentoft et al., 1995)”.

Por essa ótica, o processo de desenvolvimento local emerge no instante em que, no conjunto dos países industrializados, o Estado, poder político centralizado, e as coletividades locais mudam a forma de relacionamento, conhecem tensões e realizam a descentralização. É um momento em que as instâncias locais reivindicam autonomia e contestam modelos anteriores de desenvolvimento (BRITO, 2006), além de propor novas alternativas como contraposição à lógica imposta pelo sistema econômico global.

Assim, uma divisão clara entre rural e urbano deixou de ser importante, pois as relações de troca se diversificaram, e o enfoque passou a ser nos espaços (territórios) que dão suporte físico aos fluxos econômicos e sociais, relegando a um plano inferior, a preocupação com os seus limites geográficos. Essa mudança tem conseqüências relevantes na definição de políticas públicas, pois passa-se a priorizar a dinâmica dos processos e fluxos econômicos em detrimento da

abordagem anterior em que se consideravam divisões estanques entre as atividades urbanas e as rurais (CAMPANHOLA; SILVA, op. cit.).

Este processo de evolução e de dinamização sócio-econômica observado em territórios rurais, notadamente na região amazônica63, gera impactos diretos na escala local, e deve ser melhor interpretado e compreendido, especialmente pelos atores socais, em virtude de suas interfaces com o sistema econômico global, construídas fundamentalmente a partir de ações exógenas atreladas aos interesses corporativos do capital privado.

Esta reflexão é corroborada por Silva (2008), ao afirmar que:

“a região amazônica pode ser compreendida como um grande mosaico de dimensões continentais, cujo cenário privilegiado de recursos naturais atrai interesses nacionais e internacionais. O processo de desenvolvimento instaurado na região relaciona-se objetivamente com a lógica da expansão das fronteiras, com a geração conseqüentemente de maiores condições para o controle territorial, e utilização dos recursos naturais da região - vistos como elementos capazes da integração regional ao panorama nacional e internacional. Verifica-se, portanto, que desde o início da percepção da Amazônia pelo Estado Nacional, esse processo instalou-se com base na apropriação dos recursos naturais da região, sem grande consideração às populações locais”.

Seguindo esse foco analítico, ao se dispensar maior atenção ao Território da Transamazônica no Estado do Pará, a título de exemplo concreto, verifica-se que este cenário não é diferente. Resguardando-se as suas especificidades, do ponto de vista econômico, social e ambiental, trata-se de uma região de grandes potencialidades para a produção agropecuária, cujos sistemas de produção são manejados e conduzidos predominantemente por pequenos produtores familiares, de origem cultural diversificada.

Em que pese às características produtivas e vantagens comparativas, das principais atividades agroeconômicas desenvolvidas neste importante território rural, os atores envolvidos nas cadeias produtivas, ainda assim, sofrem constrangimentos produtivos e comerciais - em virtude da ação de grandes empresas e de agentes econômicos -, cujas conseqüências tem impedido os atores locais de se tornarem mais competitivos na estrutura de mercado e comercialização vigente.

63 Um olhar mais retrospectivo para a Amazônia em seu processo de inserção na política

internacional poderá indicar que a evolução social e econômica da região apresenta-se amalgamada por uma série de condicionantes físicos e naturais, bem como econômicos e socais que de certo modo dificultam uma compreensão imediata do desencadeamento desses processos no interior da região (SILVA, 2008).

Estudos levados a cabo por estudiosos do processo de Desenvolvimento local indicam as possibilidades de transformações sócio-ambientais no território, a partir do estabelecimento de uma nova dinâmica econômica que pode ser impulsionada por um processo de articulação e de mobilização dos atores sociais.

De acordo com Brito (op. cit.), o Desenvolvimento Local64, nesta concepção conceitual, é “uma resultante direta da capacidade dos atores e das sociedades locais se estruturarem e se mobilizarem, com base nas suas potencialidades e sua matriz cultural, para definir e explorar suas potencialidades e especificidades, buscando competitividade num contexto de rápidas e profundas transformações. No novo paradigma de desenvolvimento, isto significa, antes de tudo, a capacidade de ampliação da massa crítica dos recursos humanos, domínio do conhecimento e da informação, elementos centrais da competitividade sistêmica” (BUARQUE, 1998 apud BRITO, op.cit.).

O fortalecimento da competitividade sistêmica de atores sociais envolvidos em processos produtivos, nas escalas local e territorial, passa a ser um aspecto de grande relevância atrelado às premissas e dimensões da sustentabilidade, e, naturalmente, uma importante vertente intrínseca ao conceito de Desenvolvimento Local, vista essencialmente sob uma visão mais pragmática.

Sair do campo discursivo, se configura, todavia, no maior desafio do ponto de vista teórico e epistemológico na abordagem conceitual sobre o Desenvolvimento Local65. Do ponto de vista operacional, este conceito atrela-se à necessidade de se

64 A implantação do modelo de desenvolvimento local se justificaria por: a) razões de natureza

econômica, como uma alternativa de reação a crise econômica (estrutural e durável) dos países industrializados e em processo de decomposição e de recomposição dos sistemas produtivos, quando o nível local aparece como o lugar privilegiado de regulação de disfunções propiciando uma interação forte entre os sistemas tecnológicos e os sistemas econômico-culturais. O território passa a ser entendido como laboratório de experimentação social capaz de absorver as novas tecnologias e criar novas unidades de produção mais adaptadas a sua melhor utilização. A absorção dos novos conhecimentos propiciariam a integração do território ao mercado; b) razões de natureza institucional, decorrentes das mudanças institucionais induzidas pelas políticas de descentralização do Estado; e c) razões decorrentes dos processos sociais, na medida em que o modelo privilegia as condições sociais, econômicas, culturais e políticas de desenvolvimento e reconhece os fatores invisíveis que permitem a adequação de políticas de desenvolvimento local (BRITO, 2006).

65O local representa o agrupamento das relações sociais. Ele é também o lugar onde a cultura e

outros caracteres não-transferíveis têm sido sedimentados. É onde os homens estabelecem relações, onde as instituições públicas e locais atuam para regular a sociedade. Representa, assim, o lugar de encontro das relações de mercado e formas de regulação social, que por sua vez determinam formas diferentes de organização da produção e diferentes capacidades inovadoras, tanto para produtos

estabelecer novos processos capazes de potencializar características produtivas e vantagens comparativas, em virtude da abrangência e da oportunidade de negócios pertinentes a atividades produtivas mais específicas, desenvolvidas na ambiência territorial e local.

Partindo-se dessa premissa, vale salientar a visão de Vazquez-Barquero (2000), ao possibilitar uma conformação mais orgânica (endógena) à interpretação do processo de Desenvolvimento Local.

“El desarrollo endógeno es una interpretación para la acción, cuando la sociedad civil es capaz de dar una respuesta a los retos que produce el aumento de la competencia en los mercados, mediante la política de desarrollo local. El desarrollo de formas alternativas de gobernación económica, a través de las organizaciones intermediarias y de la creación de las asociaciones y redes públicas y privadas, permite a las ciudades y regiones incidir sobre los procesos que determinan la acumulación de capital y, de esta forma, optimizar sus ventajas competitivas y favorecer el desarrollo econômico”.

Adicionalmente, neste cenário reflexivo, é imperativo identificar e ressaltar a percepção dos atores sociais acerca da importância de atividades produtivas para o desenvolvimento local, em função da complexidade das relações sócio- econômicas (internas e externas) que se estabelecem no território. Dar visibilidade a esta percepção é vital, ante a necessidade de adoção de estratégias capazes de otimizar os efeitos e benefícios positivos que podem, potencialmente, ser gerados pelas atividades produtivas levadas a cabo principalmente pelos pequenos produtores.

Dando enfoque a este importante aspecto relacionado à percepção do concreto real, notadamente pelos produtores rurais, Leff (op. cit.) relativiza a complexidade do processo produtivo, assegurando que:

“A complexidade ambiental implica o reconhecimento do ambiente como um potencial produtivo, fundado na capacidade produtiva de valores de uso dos recursos naturais que geram os processos ecológicos; a produtividade tecnológica como organização do conhecimento para um processo sustentável de produção; da produtividade cultural que emerge da criatividade, inovação e organização social, fundada não somente em critérios produtivos, mas nos processos simbólicos que dão significado e conduzem as formas de conhecimento e as práticas de uso da natureza; dos mecanismos de solidariedade social e dos sentidos existenciais que como para processos, levando a uma diversificação de produtos apresentados ao mercado não simplesmente com base no custo relativo dos fatores (CAMPANHOLA; SILVA, op. cit.).

definem identidades culturais diversas e múltiplas estratégias de aproveitamento sustentável dos recursos naturais”.

Norteado, então, pelas reflexões aqui evidenciadas, este estudo está essencialmente balizado pelo conceito de Desenvolvimento Local, na perspectiva de efetivamente contribuir para a sua aplicabilidade na área que foi delimitada para a execução da pesquisa de campo, ou seja, o Território da Transamazônica, a partir da realidade concreta do Município de Uruará.

Em suma, refletindo ainda sobre o alcance desta investigação no campo teórico-metodológico, destaca-se que uma das contribuições dos conceitos de Desenvolvimento Local para a Engenharia de Produção, que tradicionalmente trabalha a dimensão técnica, refere-se ao entendimento da importância das relações intersubjetivas presentes nas comunidades, dimensão esta que não pode ser quantificada e que se constitui um lado não perceptivo e não captável em equações, médias, métodos e estatísticas, mas que é determinante para o êxito de um projeto que envolve mudanças culturais profundas na sociedade e nas empresas e que precisam ser construídas com as pessoas do lugar para ter sustentabilidade e conseqüências que revertam no melhor gerenciamento da produção e em última conseqüência na distribuição dos bens simbólicos e materiais e na qualidade de vida do conjunto das comunidades (BRITO, op. cit.), especialmente aquelas inseridas no Território Rural da Transamazônica.