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O papel do desenvolvimento dos meios de transportes como elemento impulsionador da ampliação da divisão social do

CAPÍTULO IV: AS ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS NO

TRANSPORTE DE CARGAS, LOGÍSTICA E ARMAZENAMENTO QUE COMPÕE O COMPLEXO

2.1 O papel do desenvolvimento dos meios de transportes como elemento impulsionador da ampliação da divisão social do

trabalho, da urbanização e das relações capitalistas.

Antes de adentrarmos na discussão de formação do complexo portuário e logístico do Itajaí, temos que ter clareza de como o processo de constituição do capitalismo brasileiro se deu historicamente (destacando a existência de relações pré-capitalistas), e como isso implicou no desenvolvimento da circulação, dos meios de transportes, e consequentemente, na divisão social do trabalho, seja ela intra-urbana, regional e até mesmo internacional (divisão territorial do trabalho). Sob essa ótica, a maneira que achamos mais adequada para compreender a constituição do complexo portuário e logístico de Itajaí/Navegantes depende, em grande monta, de um olhar historicizado, trabalhando uma sofisticação metodológica intrínseca à junção de história, geografia, economia e política.

É importante ressaltar que a contradição é o motor do processo, e que o próprio processo de desenvolvimento é marcado por sucessivas soluções/surgimentos de contradições, não podemos nos esquivar perante as grandes contradições surgidas no bojo desse processo. Para compreendermos as particularidades das dinâmicas territoriais, devemos ter clareza das especificidades de cada recorte analisado, seja ele espacial ou temporal, como bem enfatizou Friedrich Engels:

As condições sob as quais os homens produzem e trocam o que foi produzido variam muito para cada país e, dentro de cada país, de geração em geração. Por isso, a Economia Política não pode ser a mesma para todos os países nem para todas as épocas históricas (ENGELS, 1990, p.127). Sem os meios de transporte, a divisão territorial do trabalho seria impraticável, porque esta supõe movimentação de bens e pessoas, como enfatizou Rangel (2005). O mesmo autor, analisando a formação econômica brasileira, nos recorda que nossa “economia nasceu e cresceu complementar de outras” (Ibidem, p.146), fator importante para compreendermos a histórica concentração dos sistemas de transportes e das grandes cidades no litoral ou em suas proximidades.

O processo de industrialização não consiste apenas numa mudança de técnicas de produção e de uma diversificação maior de produtos, mas também numa profunda alteração na divisão social do trabalho. Singer (1998) ressalta que numerosas atividades

manufatureiras, que antes eram combinadas com atividades agrícolas, passam a ser separadas destas, sendo realizadas de forma especializada em estabelecimentos espacialmente aglomerados. A aglomeração espacial da atividade industrial se deve a necessidade de utilização de uma mesma infraestrutura de serviços especializados (de energia, água, esgotos, transportes, comunicações, etc.) e às economias externas que decorrem da complementaridade entre os estabelecimentos industriais. Para o mesmo autor, “para reduzir os custos de transporte que consubstanciam as economias externas, as empresas que realizam intenso intercâmbio de mercadorias tendem a se localizar próximas umas das outras. Surge daí a cidade industrial” (SINGER, 1998, p.30).

Dias (2006) afirma que a história da constituição da rede urbana brasileira é marcada pela associação entre processo de urbanização e processo de integração do mercado nacional. A eliminação de barreiras de todas as ordens era a condição essencial para integrar o mercado interno, pois esta integração acarretaria no aumento do grau de complementaridade econômica entre as diferentes regiões brasileiras, possibilitando que o território brasileiro tivesse diversos pontos com especialização produtiva.

Peluso Júnior (1991) ao analisar a circulação de mercadorias no estado de Santa Catarina na primeira metade do século XX, por exemplo, identificou que os fazendeiros localizados no interior do estado, para venderem o gado, já não entravam mais em contato com os consumidores, pois surgiram os intermediários, chamados tropeiros, que compravam as reses na fazenda e as vendiam nas cidades. Os compradores intermediários se moviam até a fazenda criadora de bovinos, onde escolhiam o gado e o conduziam através das estradas de rodagem, correndo por sua conta o cuidado e os riscos de transporte. Os entraves das relações mercantis entre os produtores do interior e os comerciantes do litoral, em grande parte, eram caracterizados pelas dificuldades de transportar as mercadorias até os centros consumidores, como o mesmo autor evidencia:

As viagens são feitas no verão, quando os animais estão gordos com a alimentação do campo e não necessitam, senão do pasto nos pousos de viagem. Por outro lado, a remuneração do agregado é pequena, e há recursos, na própria viagem, para reduzi-la mais. O fazendeiro, por exemplo, pode abater algumas reses, salga-las, e vender o charque entre os agricultores do litoral, ou

permitir que o agregado o faça. Há ainda o queijo fabricado na fazenda, que vendido no litoral, cobre todas as despesas realizadas na viagem (PELUSO JUNIOR, 1991, p.111).

Como podemos analisar, durante a expansão das relações mercantis, houvera expansão da área de especialização produtiva e expansão concomitante das necessidades de circulação do capital (MARX, 2013), Santos (2014, p.56) destaca que “[...] estas criam cidades e redes urbanas, mas o espaço produtivo ainda está extremamente relacionado com as possibilidades diretamente oferecidas pelo meio natural”. Rangel ao analisar o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção no Brasil, destaca que encontramos “lado a lado, formações socioeconômicas da mesma índole das contemporâneas nos países mais desenvolvidos e outras que não poderemos encontrar senão recuando no tempo” (RANGEL, 2005, p.147).

Vladimir Ilitch Lênin percebera as mudanças causadas pelo capitalismo tanto na instância agrária, industrial e urbana, identificando os rumos a serem tomados pela Rússia com a reestruturação causada pela dinâmica capitalista, e observando como a resistência de relações pré-capitalistas em parcelas da sociedade impelia no desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, bem como, a necessidade de inserir essas parcelas da sociedade em um contexto moderno, quando ressaltou:

As camadas médias, o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artificie, o camponês, lutam todos contra a burguesia para assegurar sua existência como camadas médias, antes do declínio. Não são, pois revolucionárias, mas conservadoras. Mais ainda, são reacionárias, pois procuram pôr a andar para trás a roda da história (LÊNIN, 1981, p.13).

O mesmo autor identificou que em todos os países capitalistas, uma parte da população dos campos estava constantemente em vias de transformar-se em população urbana ou manufatureira. A propriedade privada dos camponeses, das terras que os próprios cultivam constitui a base da pequena produção rudimentar, “a condição da sua prosperidade e do seu desenvolvimento na forma clássica. Mas esta pequena produção

só é compatível com um quadro estreito, primitivo, da produção e da sociedade” (Ibidem, p.21).

Rangel, com base em Lênin, observou que o desenvolvimento do capitalismo brasileiro resultaria na eliminação da produção natural (produção de subsistência, do camponês clássico) ao afirmar:

Como o capitalismo se desenvolve lado a lado com uma produção natural e com uma pequena produção de mercadorias, que, historicamente, o precedem, a mão-de-obra adicional que tende, a longo prazo, a absorver, é transferida, em última instância, da produção natural (RANGEL, 2005, p.178).

Para o mesmo autor “a industrialização supõe a urbanização” (Ibidem, p.181). Na qual, no início do século XX, evidentemente, o capitalismo europeu resistiu profundamente, a qualquer tentativa de industrialização na América Latina. Entrementes, os Estados Unidos, nos quadros do chamado “esquema triangular de comércio”, que lhe deixava um balanço de contas deficitário com o Brasil, e superavitário, com a Europa, “não tinham nada a perder, de imediato, com a industrialização do Brasil e muito a ganhar, porque esta lhe reservava a posição privilegiada de supridor de capital, para ela” (RANGEL, 2005, p.547).

Anteriormente ao desenvolvimento dos sistemas de transportes, comunicação e da urbanização, a localização de uma unidade produtiva era decidida pela localização do mercado consumidor ou das fontes de matérias-primas, com maior ou menor grau de dependência direta dos custos de transporte. Cano (2012) demonstra o exemplo das indústrias beneficiadoras de produtos agrícolas, que tendem se localizar próximas às fontes de matérias-primas, como óleos vegetais, arroz, café, leite em pó etc. “São indústrias que, tipicamente, “perdem peso” no processo de transformação, ao contrário de outras que “ganham peso” (automobilística, bebidas etc.)” (Ibidem, p.226).

A integração do espaço através do transporte é um elemento essencial do planejamento capitalista. Na sua fase anterior (mercantil), o sistema estava primordialmente interessado nas rotas que ligavam os principais centros de produção e consumo. Agora também há preocupação com redes de ramais. A minimização dos efeitos das distâncias geográficas estimulou a especialização da agricultura e a

difusão do consumo no Brasil, Santos (2003, p.25) afirma nesse contexto, que “[...] as trocas inter-regionais experimentarão um desenvolvimento importante, trazendo, como consequência, a expansão do nexo monetário e uma tendência geral para a concentração capitalista” (SANTOS, 2003, p.25).

A partir dessa premissa, vamos agora analisar o quadro específico que formou o complexo portuário do Itajaí/Navegantes, recapitulando estudos sobre a ocupação do litoral catarinense; da construção das armações baleeiras e dos primeiros portos; o papel das relações mercantis; da colonização e da imigração; do desenvolvimento dos meios de transporte e da urbanização, e por fim, da consolidação do complexo portuário do Itajaí. Não pretendemos esgotar esse assunto tão amplo, nesse capítulo, porém consideramos imprescindível realizarmos essa análise para entender, no sentido que propôs Santos (2014) processo e forma, que nos dá suporte para nos dois próximos capítulos, mais voltados para análise da função, observando que, em nosso primeiro capítulo já nos dedicamos à análise da estrutura que envolve nosso objeto de pesquisa.

2.2

Colonização, imigração e pequena produção mercantil: as bases

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