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3.3: Identidade profissional

3.1.1. Desenvolvimento Pessoal

Nos portfólios dos sujeitos, encontramos relatos pessoais sobre gostos, comportamentos, reações, interações e significações que acreditamos ser parte essencial da formação docente.

Sobre as relações pessoais com o grupo de bolsistas, os sujeitos apontaram sobre o respeito pelo outro, mas também o posicionamento e a contribuição pessoal para que o grupo de bolsistas se constituísse.

Escolhemos apresentar os recortes dos dados de cada sujeito separadamente para, após uma primeira análise, construir um diálogo com os dados dos três sujeitos.

 Felipe de Souza

Felipe de Souza, em diálogo com a pesquisadora, fala de si mesmo e de como modificou seu comportamento enquanto bolsista após a entrada de um novo grupo de bolsistas no projeto.

Felipe de Souza reconheceu que precisava ser mais ativo no primeiro grupo que participou por meio do diálogo com os próprios colegas bolsistas. Na atitude do grupo de conversar com Felipe para apontar a necessidade de atuação, percebe-se a generosidade que o grupo teve em compreender o quanto aquele colega era importante para eles como educador e ainda, demonstraram cuidado em valorizá-lo como alguém que tinha suas potencialidades, ou seja, sem ele, as práticas não seriam as mesmas. E Felipe, por sua vez, teve humildade e respeito em ouvir seus colegas e tomar a decisão de mudar suas atitudes como alguém que precisava efetivamente participar da educação de outras pessoas.

Após o grupo de bolsistas com quem Felipe de Souza atuava sair do programa, ele ficou e recebeu outro grupo para compartilhar as tarefas na escola. Nessa época, ele conta que assumiu o posto de líder de um conteúdo que passou a dominar através da convivência com seus colegas.

O domínio do conteúdo foi um meio condutor das próprias relações que foram estabelecidas no grupo de Felipe de Souza. Ele fala que antes da entrada de um novo grupo de bolsistas na escola, havia alguém para liderar as técnicas de percussão para os outros bolsistas, então todos aprendiam com ele, porém, quando o grupo saiu do programa e ficou somente Felipe, ele se viu como substituto dessa pessoa que liderava, pois os bolsistas que entraram não tinham experiência com percussão.

[...] E aí eu lembro de quando vocês me falaram – “Felipe você não está muito ativo no negócio” e aí depois eu me via do outro lado, eu estava lá e tinha que ser eu, eu tinha que falar, que ajudar o pessoal, lembrar como eram as técnicas de baqueta – por que nem todos os bolsistas que entravam tinham a experiência com percussão. (Conversa Felipe de Souza, 2014)

[...]Na nossa época a gente tinha o Beto, que dava a parte rítmica, vocês, as meninas, que eram mais pedagógicas e aí quando entraram os bolsistas novos, entraram bem cru, já no primeiro ano da graduação, então aí eles chegavam lá e eu dizia – vamos fazer isso! – e haviam os que não sabiam como agir, como utilizar o “talabarte”, que a gente descobriu como usava e aí, quando a gente descobriu, vocês foram embora e chegou outro pessoal que não sabia [...] então assim, nessa época de troca, foi um negócio bem legal! (Conversa Felipe de Souza, 2014)

Temos aqui a seguinte situação:

Havia um líder que dominava o conteúdo de técnica de baquetas e, portanto, ensinava os outros bolsistas de seu grupo, na qual Felipe se incluía para que pudessem, após essa formação, mesmo que não conduzissem as atividades de técnicas de baqueta, auxiliassem o líder desse conteúdo a realiza-las da melhor forma.

Após um período de tempo, Felipe diz que apenas ele permaneceu como bolsista, pois os outros bolsistas do grupo se formaram no curso de graduação e, obrigatoriamente, tiveram que deixar o programa. Assim, um novo grupo se constituiu, e, dentre os membros, Felipe era quem liderava a partir de então por não haver ninguém com o domínio daquele conteúdo e ainda, com as experiências que ele viveu na escola.

Mas, para que Felipe assumisse o posto de líder desse conteúdo, o grupo teria que aceita-lo como tal. Estamos falando aqui do respeito ao saber do outro, da abertura que o grupo dá para que alguém ensine algo que sabe – não é necessariamente um saber sistematizado e programado, é algo natural, que vai acontecendo à medida que é necessário.

Freire denomina essa prática como saber de experiência feito. Neste conceito, o saber é constituído horizontalmente num exercício humilde de reconhecer os saberes do outro. Freire exemplifica dizendo que “vamos às áreas populares com nosso esquemas “teóricos” montados e não nos preocupamos com o que já sabem as pessoas, os indivíduos que lá estão e como sabem”. (FREIRE, 1993, p. 58)

 Mateus Corusse

Mateus Corusse também relata características de sua personalidade no grupo de bolsistas, mas ao contrário de Felipe de Souza, ele deixa claro que, o contraste entre ele e o grupo foi positivo e ainda possibilitou que mudanças em seu posicionamento com o grupo ocorressem pelo e no convívio com os colegas e com as crianças.

[...] Sou extremamente tímido, isso foi muito legal por que as meninas e o XXXX são totalmente o oposto de mim então pra mim essa convivência foi um crescimento pra mim por que eu tive que chegar na escola e me esforçar pra externalizar a dinâmica que o grupo animado de bolsistas tinha e transparecer isso para as crianças também! (Conversa Mateus Corusse, 2014)

Damos o enfoque neste momento para a mudança que ele mesmo (Mateus) provoca em si pelo fato de que o grupo de bolsistas necessitava de ações mais extrovertidas, ou seja, que ele fosse mais desinibido para chamar a atenção das crianças.

Talvez se a característica geral do grupo se desse por um grupo mais introspectivo, Mateus Corusse não teria de fazer esse exercício, mas ele foi humilde e corajoso o suficiente para enxergar que sua mudança de postura era necessário para que as ações daquele grupo funcionassem na escola.

 Matheus Pagliacci

Matheus Pagliacci, em registro de portfólio resume em palavras chave um pouco do que acabamos de verificar na fala de Felipe de Souza e de Mateus Corusse, expressando seu ponto de vista sobre as relações que deveriam ser estabelecidas no grupo de bolsistas do qual participou.

Matheus menciona neste registro o cuidado com as relações interpessoais. Se o grupo não se percebesse, não se respeitasse e não contribuísse com suas habilidades, não haveria aprendizado entre eles mesmos e ainda mais, com os alunos.

O trabalho em grupo, deve, necessariamente, ser construído através do respeito do saber do outro, da humildade, da autonomia, entre outros aspectos que foram refletidos nesta pesquisa no capítulo de referencial teórico, principalmente, no tópico de Educação Musical humanizadora e, salientamos que, sem uma formação de professores pautada nesses princípios, não teremos uma Educação Musical de qualidade.

Encontramos nas falas e relatos dos três sujeitos autorreflexão sobre a própria personalidade de cada um e um movimento de mudança no sentido de que, se imersos num grupo de trabalho, há a consciência de que o próprio grupo se constitui e constrói uma personalidade juntos, porém, é claro, valorizando o que cada um traz individualmente para a construção do todo.

Como somos participantes de um grupo, tornou-se necessário o cuidado nas relações interpessoais: “saber ouvir”, “saber falar”, respeitar e contribuir. (Portfólio Matheus Pagliacci, 2011)

A formação de professores tem ignorado, sistematicamente, o desenvolvimento pessoal, confundindo “formar e formar-se”, não compreendendo que a lógica da atividade educativa nem sempre coincide com as dimensões próprias da formação. (NÓVOA, 1995, p. 24)

Valorizando então, o desenvolvimento pessoal, alguns apontamentos podem ser considerados de acordo com o que vimos aqui: domínio de conteúdo, habilidades e valorização de potenciais no grupo, a autorreflexão de cada um para modificar comportamentos em favor do grupo de trabalho e o cuidado com as relações humanas para que o grupo se mantenha fortalecido e autônomo nas práticas de trabalho. Acreditamos que esses são registros que devem ser pensados quando tratamos de experiências coletivas de formação docente.

Os dados revelam que o processo de formação docente se constrói também de maneira compartilhada desenvolvido pessoalmente por cada ser humano na convivência com os demais. Os sujeitos apontaram aprendizagens que são necessárias não só no ambiente escolar, mas em qualquer campo de atuação profissional como educadores, pois o respeito, a autonomia, a aceitação do outro, a participação crítica, etc., são fundamentos para a convivência humana e, se estamos falando de educação, estamos falando de humanidade e de suas diversas relações. Afinal, “me movo como educador porque, primeiro, me movo como gente” (FREIRE, 1996, p. 94).