Cap´ıtulo
2.1 Desigualdades Isoperim´ etricas
Nesta se¸c˜ao definiremos algumas constantes ligadas a fronteira de subconjuntos de um grafo, e relacionaremos estas constantes com o ponto cr´ıtico deste grafo. Mas primeiro iremos provar dois teoremas que relacionam o processo de percola¸c˜ao em elos com o processo de percola¸c˜ao em v´ertices (para estes dois teoremas ver [8] e [7], respectivamente). Teorema 2.1.1 (Hammersley, 1961). Seja G um grafo, p ∈ (0, 1) e o ∈ V (G). Temos θvo(p) ≤ θo(p). Donde pvc(G) ≥ pc(G).
Demonstra¸c˜ao. Para provar este lema, iremos construir um acoplamento entre a medida
de percola¸c˜ao e a medida de percola¸c˜ao nos v´ertices. Ou seja, dado ξ ∈ {0, 1}V (G),
construiremos ω ∈ {0, 1}E(G), de modo que, se ξ tem distribui¸c˜ao Pv
p em G, ent˜ao ω tem
distribui¸c˜ao Pp em G. Al´em disto, se a componente conexa de o em ξ ´e infinita, ent˜ao
tamb´em ´e infinita a componente conexa de o em ω.
Seja {x1, x2, · · · } uma ordena¸c˜ao qualquer dos v´ertices de G, tal que x1 = o. Considere
tamb´em {Xe}e∈E(G) vari´aveis aleat´orias independentes de Bernoulli de parˆametro p.
Seja ξ o subgrafo aberto resultante do processo de percola¸c˜ao de parˆametro p nos v´ertices de G. Se o v´ertice o ´e fechado (isto ´e, ξ(o) = 0), n˜ao fazemos nada, sen˜ao seja A1 = o, B1 = ∅, e n1 = 1. Agora suponhamos definidos Ak−1e Bk−1. Se ∂vAk−1\Bk−1= ∅,
onde ∂v ´e a fronteira com respeito ao grafo G, paramos. Caso contr´ario, seja n
´ındice dos v´ertices em ∂vA
k−1\ Bk−1. Denotamos por x′ko vizinho de xnk de menor ´ındice
em Ak−1 e definimos ω([x′k, xnk]) = ξ(xnk). Se ξ(xnk) = 1 definimos Ak= Ak−1∪ {xnk} e
Bk = Bk−1, mas se ξ(xnk) = 0 tomamos Ak= Ak−1 e Bk= Bk−1∪ {xnk}.
Se paramos, ent˜ao existe k tal que ∂vA
k = Bk, e portanto temos que a componente
conexa de o em ξ ´e finita e definimos ω(e) = Xepara todo elo de G que n˜ao foi definido seu
valor no processo acima. Se o processo nunca terminar, ent˜ao as componentes conexas de o em ξ e em ω s˜ao infinitas, e tomamos ω(e) = Xe para todos os elos restantes de G. Pela
argumenta¸c˜ao feita, vemos claramente que θv
o(p) ≤ θo(p), e portanto pvc(G) ≥ pc(G).
Para o pr´oximo teorema precisamos do conceito de domina¸c˜ao estoc´astica. Seja S um conjunto enumer´avel, considere tamb´em Y = {Ys; s ∈ S} e Z = {Zs; s ∈ S} fam´ılias de
var´ıaveis aleat´orias de Bernoulli. Dizemos que Z ´e dominada estocasticamente por Y se E f (Y ) ≥ E f (Z)
para toda fun¸c˜ao mensur´avel f : {0, 1}S → R, n˜ao-decrescente e limitada.
Teorema 2.1.2 (Grimmett-Stacey, 1998). Seja G um grafo de grau m´aximo d, p ∈ (0, 1)
e o ∈ V (G) de grau do. Temos que
θov 1 − (1 − p)d−1≥ 1 − (1 − p)d0θ o(p). Donde pv c(G) ≤ 1 − 1 − pc(G) d−1 .
Demonstra¸c˜ao. Para provar este lema, iremos construir um acoplamento entre as duas
medida de percola¸c˜ao. A partir de ω ∈ {0, 1}E(G), construiremos ξ ∈ {0, 1}V (G), de
modo que, se ω tem distribui¸c˜ao Pp em G, ent˜ao ξ ter´a uma distribui¸c˜ao estocasticamente
dominada por Pv
q em G, onde q = 1 − (1 − p)d−1. Al´em disto, se a componente conexa de
o em ω ´e infinita, ent˜ao tamb´em ´e infinita a componente conexa de o em ξ.
Seja {x1, x2, · · · } uma ordena¸c˜ao qualquer dos v´ertices de G, tal que x1 = o. Considere
tamb´em {Xx}x∈V (G) vari´aveis aleat´orias independentes de Bernoulli de parˆametro q.
Seja ω o subgrafo aberto resultante do processo de percola¸c˜ao de parˆametro p nos elos de G. Se ω(e) = 0 para todo elo incidente em o, paramos. Caso contr´ario definimos A1 = {o}, B1 = ∅, ξ(o) = 1 e n1 = 1. Observemos que a probabilidade de algum elo
incidente a o estar aberto ´e 1 − (1 − p)do.
Suponhamos definidos Ak−1 e Bk−1. Se ∂vAk−1 ⊆ Bk−1, paramos. Caso contr´ario seja
nko menor ´ındice dos v´ertices em ∂vAk−1\ Bk−1. Se existir algum v´ertice x 6∈ Ak−1∪ Bk−1
tal que ω(xnk, x) = 1, definimos Ak = Ak−1 ∪ {xnk}, Bk = Bk−1 e ξ(xnk) = 1. Caso
contr´ario definimos Ak = Ak−1, Bk = Bk−1∪ {xnk} e ξ(xnk) = 0. Observamos que dado
Ak−1 e Bk−1, a probabilidade condicional de ξ(xnk) = 1 ´e igual a 1 − (1 − p)
r≤ q, onde r
´e o grau do v´ertice xnk em G \ (Ak−1∪ Bk−1).
Se o processo parar em algum momento, definimos ξ(x) = Xxpara todos os v´ertices em
que n˜ao definimos seu valor. Mas se o processo n˜ao terminar, teremos uma componente conexa infinita de o em ξ (note que a componente conexa de o em ω pode ser finita). Definimos tamb´em ξ(x) = Xx para todos os v´ertices em que n˜ao definimos seu valor.
Note que a lei que define ξ ´e dominada estocasticamente pelo processo de percola¸c˜ao nos v´ertices de G com parˆametro q, condicionada a termos ξ(o) = 1. Logo temos a desigualdade desejada.
Para todo p > pc(G), temos que θo(p) > 0, donde segue que θvo 1 − (1 − p)d−1
> 0. Logo temos que 1 − (1 − p)d−1 > pv
c(G). Basta ent˜ao tomarmos p → pc(G) e seguir´a a
Como consequˆencia destes ´ultimos dois teoremas, temos o Corol´ario 2.1.3. Seja G um grafo de grau m´aximo ∆. Temos que
pc(G) < 1 ⇔ pvc(G) < 1.
Logo todos os resultados deste texto que dizem que um grafo de grau limitado admite transi¸c˜ao de fase n˜ao trivial para o processo de percola¸c˜ao nos elos, tamb´em dizem que estes grafos tamb´em possuem transi¸c˜ao de fase n˜ao trivial para o processo de percola¸c˜ao nos v´ertices.
Na busca para se determinar condi¸c˜oes gerais para que um grafo apresente transi¸c˜ao de fase n˜ao trivial, apareceram constantes que relacionam o tamanho de subconjuntos finitos de v´ertices com suas fronteiras. A primeira constante neste sentido, estudada neste texto ´e a chamada constante de Cheeger, que ser´a definida a seguir.
Defini¸c˜ao 2.1.4. Seja G um grafo. A constante de Cheeger de G ´e denotada por h(G) e definida da seguinte maneira
h(G) = inf|∂W |
|W | ; W ⊆ V (G), W conexo, 0 < |W | < ∞
.
Tamb´em definimos a constante de Cheeger nos v´ertices de G por
hv(G) = inf|∂
vW |
|W | ; W ⊆ V (G), W conexo, 0 < |W | < ∞
.
Exemplo 2.1.5. Seja T uma ´arvore regular de grau r. Seja ∅ 6= W ⊆ V (G), conexo e finito. ´E f´acil ver que
r|W | = |∂W | + 2E(G[W ]),
e como G[W ] tamb´em ´e uma ´arvore, temos que
|∂W | |W | = r − 2E(G[W ]) |W | = r − 2( |W | − 1) |W | = r − 2 + 2 |W |
donde h(T ) = r − 2. Pelo cap´ıtulo anterior, sabemos que
pc(T ) =
1 r − 1 =
1 h(T ) + 1.
A primeira desigualdade isoperim´etrica que nos garantir´a que um grafo admite transi¸c˜ao de fase n˜ao trivial ´e apresentada no teorema abaixo.
Teorema 2.1.6. Seja G um grafo. Ent˜ao
pvc(G) ≤ 1 hv(G) + 1 e pc(G) ≤ 1 h(G) + 1.
Em particular, hv(G) > 0 (h(G) > 0) implica que pv
Demonstra¸c˜ao. A demonstra¸c˜ao para elos ´e identica da demonstra¸c˜ao para v´ertices. Ire-
mos provar apenas para v´ertices.
Seja x ∈ V (G), e seja {yn}n∈N uma ordena¸c˜ao qualquer de V (G) de modo que y1 = x.
Se x ´e fechado, definimos An = ∅ para todo n. Caso contr´ario tomamos A1 = {x}
e B1 = ∅. Seja n ≥ 2. Se ∂vAn−1 = Bn−1, definimos An = An−1 e Bn = Bn−1. Caso
contr´ario, escolha xno v´ertice de menor ´ındice em ∂vAn−1\Bn−1. Se xn´e aberto, definimos
An = An−1∪ {xn} e Bn = Bn−1, sen˜ao definimos An = An−1 e Bn= Bn−1∪ {xn}.
Seja A = SnAn. Se A ´e finito, n˜ao vazio, ent˜ao existe N tal que ∂vAN = BN.
Podemos supor N m´ınimo. Segue que
|BN| = |∂vAN| ≥ hv(G)|AN| .
Por defini¸c˜ao temos |AN| +|BN| = N , logo |BN| ≥ hv(G)(N −|BN|), donde
|BN| ≥
N hv(G) 1 + hv(G).
Isto ´e, de N vari´aveis aleat´oria independentes de Bernoulli de parˆametro p, obtivemos pelo menos N hv(G)(1 + hv(G))−1 zeros. Mas se
p > 1
hv(G) + 1 = 1 −
hv(G)
hv(G) + 1
e pensarmos numa sequˆencia infinita de vari´aveis aleat´orias independentes Xi ∼ Ber(p),
temos com probabilidade positiva, que para todo N , as N primeiras vari´aveis possuem menos que N hv(G)(hv(G) + 1)−1 zeros. Para vermos este ´ultimo fato, note que da Lei
Forte dos Grandes N´umeros temos que existe M tal que P Pm i=1Xi m > 1 hv(G) + 1, para todo m ≥ M ≥ 1 2, donde temos que
P N X i=1 Xi > N hv(G) + 1, para todo N ≥ 1 ≥ ≥ P N X i=1 Xi > N hv(G) + 1, para todo n ≥ M e X1 = 1, X2 = 1, · · · , XM −1 = 1 ≥ ≥ P N X i=1 Xi > N hv(G) + 1, ∀n ≥ M | M −1 Y i=1 Xi = 1 P M −1 Y i=1 Xi = 1 ≥ ≥ 1 2p M −1 > 0.
Logo com probabilidade positiva, temos A infinito. Donde temos que G admite transi¸c˜ao de fase n˜ao trivial se
p > 1 hv(G) + 1.
A particulariza¸c˜ao ´e clara.
Existem v´arios grafos com Constante de Cheeger nula (por exemplo, Zd), e nestes
casos o teorema anterior ser´a uma trivialidade. Mas a fim de generalizar a Constante de Cheeger, definiremos a seguir o conceito de dimens˜ao isoperim´etrica.
Defini¸c˜ao 2.1.7. Seja G um grafo. A dimens˜ao isoperim´etrica de G, ou simplesmente dimens˜ao de G ´e denotada por dim(G) e definida da seguinte maneira:
dim(G) = sup ( d ≥ 1; inf |∂W | |W |d−1d ; W ⊆ V (G), W conexo, 0 < |W | < ∞ > 0 ) . Exemplo 2.1.8. Note que se h(G) > 0 ent˜ao dim(G) = ∞. Tamb´em ´e f´acil ver que
dim(Z) = 1, uma vez que todo subconjunto conexo, finito e n˜ao vazio de Z possui fronteira
contendo apenas 2 elos. Mostrarei agora que dim(Z2) = 2. Seja Λ
n = [−n, n] × [−n, n],
note que |Λn| = (2n + 1)2 e |∂Λn| = 4(2n + 1), logo para todo d > 2, vemos que
lim n→∞ |∂Λn| |Λn| d−1 d = 4(2n + 1) (2n + 1)1+ǫ = 0, onde ǫ = 2(d − 1) d − 1 > 0.
Donde temos que dim(Z2) ≤ 2.
Agora seja W ⊆ Z2 conexo, finito e n˜ao vazio. Seja a, b, c e d inteiros tais que
W ⊆ [a, b] × [c, d] e que W possua interse¸c˜ao n˜ao vazia com todos os 4 lados do retˆangulo [a, b]×[c, d]. Para cada elo da fronteira deste retˆangulo, posso associar um elo na fronteira
de W do seguinte modo: Seja (r, c), com a ≤ r ≤ b, um v´ertice do lado inferior do nosso retˆangulo, e considere o elo e ∈ ∂W de extremos (r, c) e (r, c − 1). Seja (r, s), com
c ≤ s ≤ d o v´ertice em W de abscissa r e menor ordenada. A existˆencia de tal v´ertice
segue de W ser conexo e da defini¸c˜ao do nosso retˆangulo. Note que o elo e′ de extremos
(r, s) e (r, s − 1) pertence a ∂W . De modo an´alogo, para os demais lados do retˆangulo,
temos uma correspondˆencia injetiva entre ∂([a, b]×[c, d]) e ∂W . Suponha que b−a ≥ d−c, ent˜ao |∂W | |W |12 ≥ ∂([a, b] × [c, d]) [a, b] × [c, d] 1 2 = 2((b − a + 1) + (d − c + 1)) (b − a + 1)12(d − c + 1) 1 2 ≥ 2(b − a + 1) b − a + 1 = 2 > 0.
Conclu´ımos ent˜ao que dim(Z2) = 2.
No artigo [3] de 1996, Benjamini e Schramm fizeram a pergunta abaixo. Pergunta 2.1.9. Se dim(G) > 1 ent˜ao pc(G) < 1?
Embora ainda estejamos longe de saber a resposta para a pergunta acima, v´arios resul- tados mais fracos foram provados motivados por ela. Ao longo deste cap´ıtulo exibiremos alguns destes resultados.
Definirei a seguir mais duas constantes de um grafo. Na se¸c˜ao seguinte iremos provar que grafos de grau limitado com estas constantes positivas percolam.
Defini¸c˜ao 2.1.10. Seja G um grafo e W ⊆ V (G) conexo, finito e n˜ao vazio. Definimos a distˆancia em ´arvores, dt
G(∂W ), da fronteira de W por
dtG(∂W ) = minnE(T ); T ´e uma sub´arvore de G[W ], com ∂W ⊆ E(T ) o
.
Definimos a constante de contorno, RG, de G por
RG = inf ( |∂W | dt G(∂W ) ; W ⊆ V (G), W conexo, 0 < |W | < ∞ ) .
Definimos tamb´em a constante PG por
PG = inf |∂W | log(diam(W )); W ⊆ V (G), W conexo, 0 < |W | < ∞ .
´
E claro que a distˆancia em ´arvores n˜ao ´e uma distˆancia no sentido topol´ogico, mas ela “mede” o qu˜ao pr´oximos est˜ao os elos da fronteira de um subconjunto de v´ertices.
Veja que
|∂W | ≤ dtG(∂W ) ≤ |∂W | +|W | − 1, ocorrendo a igualdade dt
G(∂W ) = |∂W | se, e somente se, ∂W ´e conexo, e a igualdade
dtG(∂W ) = |∂W | +|W | − 1
se, e somente se, G[W ] for uma ´arvore. Observe que dt G(∂W ) |∂W | ≤ |∂W | +|W | − 1 |∂W | ≤ 1 + |W | |∂W |, donde RG ≥ h(G) h(G) + 1. Logo vemos que h(G) > 0 ⇒ RG > 0.
Se dim(G) > 1, teremos que existem constantes k, ǫ > 0, tais que para todo W ⊆ V (G) conexo, n˜ao vazio e finito, tenhamos |∂W | ≥ k|W |ǫ. Para |W | suficientemente grande, teremos que
|W |ǫ ≥ log( |W |) ≥ log(diam(W )). Logo existe uma constante α > 0 tal que
|∂W | ≥ α log(diam(W )), donde PG > 0.