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O deslizamento das designações do discurso empresarial para o discurso educacional

PARTE III – ANÁLISE DISCURSIVA DOS PRESCRITOS

2- A Gestão de Operações (dessa rede) é extremamente complexa e tem exigido a conjugação de competências capazes de, a um só tempo,

1.3 O deslizamento das designações do discurso empresarial para o discurso educacional

a) Análise de expressões que enfatizam a idéia de Competência Coletiva próprias do discurso empresarial e, agora, presentes no discurso educacional:

A utilização dos conceitos sobre Competência Coletiva e expressões como

Trabalho em Equipe é relativamente nova, conforme Schwartz (1998), e tem sido empregada pelos chefes de projetos e de empresas a partir dos últimos quinze anos para se referir aos ajustes dos trabalhadores às tarefas e aos objetivos a serem alcançados pelas empresas. Todavia, essas designações próprias do discurso empresarial são encontradas também no campo discursivo educacional dos países latino-americanos, fato que vem se consolidando nos discursos políticos da SEE e são apresentados, a seguir, por meio de enunciados que trazem essa inserção de designações do campo empresarial no campo educacional, a fim de compreendermos as mudanças de conceito sobre o trabalho educacional a partir das alterações lingüísticas e sócio-históricas. Esses enunciados foram retirados do segundo documento – Elaboração do Planejamento nas Escolas e nas Diretorias de Ensino:

As designações voltadas para o conceito de Trabalho Coletivo/Trabalho em

Equipe podem ser relacionadas com o conceito de Competência Coletiva no sentido de que esta última apresenta a idéia de que a eficiência emerge como um produto de trabalho coletivo.Todavia, essa perspectiva apresenta alguns impasses, pois, o trabalho do professor é relativamente visto como individualizado. Segundo Kleiman & Morais (1999), na maioria dos cursos para professores, o enfoque dado à sua formação pedagógica pauta-se na fragmentação de conteúdos específicos de cada disciplina cursada na graduação, o que contribui para uma futura atuação fragmentada em relação ao trabalho coletivo da escola.

- Lembrando a dupla função de todo o professor, como gestor do processo de ensino e de aprendizagem, dentro da especificidade de sua área ou disciplina, e como integrante da equipe escolar, que compartilha da

construção coletiva de uma escola pública de qualidade,...(pg.01)

- O momento ideal para a definição e revisão desses critérios é quando o

coletivo dos professores está reunido para o estabelecimento dos pontos comuns que nortearão todo o processo de ensino e de aprendizagem ... (pg.11)

- Estas são algumas questões com as quais nos deparamos e que podem colaborar no planejamento do trabalho. Elas devem ser discutidas no

Outro aspecto importante a ser analisado quanto às designações que se referem à idéia de competência coletiva/trabalho em equipe nas escolas é o fato de que o coletivo de trabalho dos profissionais da educação, em especial, o do professor, sofre alterações em seu quadro, ano a ano, com a legislação referente à remoção31. Assim, esse prescrito em forma de lei – Concurso de Remoção - contribui para alterar o princípio do trabalho em equipe proposto por outro prescrito, também da SEE, que trata da organização planejamento nas instituições educacionais, pois as escolas contam com um quadro diferente de professores a cada ano. Dessa forma, o trabalho coletivo nas escolas sofre influências das prescrições que não conseguem refletir as condições reais de trabalho, uma vez que os coletivos de trabalho não são estáveis e circunscritos a um mesmo tempo e a um mesmo lugar.

Diante desses fatos, percebemos que a esfera educacional é constituída de uma dimensão estrutural diferente daquela empresarial. Se, nesta última, percebemos, uma certa organização técnica valorizada por organogramas, metas e métodos de trabalho, na segunda, o caráter “dinâmico” das prescrições oferece a contínua formação de “coletivos” de trabalho, o que causa um embate entre aquilo que é prescrito e aquilo que é real.

Em seguida, apresentamos as alterações lingüísticas, também provenientes do campo organizacional-empresarial, dos termos trabalho e gestão, com o objetivo de compreender o sentido que essas alterações assumem no campo discursivo educacional.

b) Análise das alterações lingüísticas: os deslizamentos da designação trabalho para o termo gestão :

31 Concurso promovido pela SEE com o objetivo de proporcionar alteração de local de trabalho dentro do Estado de São Paulo.

O deslizamento semântico trabalho/gestão consta de enunciados referentes às funções dos diretores e professores, bem como à estrutura organizacional que avalia as dimensões da gestão de SEE.

- Com base na auto-avaliação e em sua proposta pedagógica, a equipe escolar formulará um plano de melhoria em que serão redefinidas ações voltadas para o aperfeiçoamento do trabalho dos gestores e docentes com vistas a...

- Lembrando a dupla função de todo professor, como gestor do processo

de ensino e de aprendizagem ...

- Gestão de recursos: avalia os serviços prestados pela escola em relação ao atendimento público, à manutenção do prédio, dos equipamentos, bem como a utilização e aplicação de recursos financeiros.

- O instrumento de auto-avaliação utilizado pelo Prêmio Nacional de

Referência em Gestão escolar contém itens importantes para o desenho desse mapa; percorre todos os momentos da gestão escolar, ...

- Gestão Participativa: avalia o nível do envolvimento do conjunto da escola na tomada de decisões, a real participação dos conselhos escolares, a APM, grêmios estudantis, o grau de socialização das informações;

Os fragmentos anteriores nos remetem a um campo mais vasto do que aquele circunscrito ao “posto de trabalho” de cada profissional ou às tarefas que ele tem que realizar. O deslizamento trabalho/gestão implica um enfoque no qual há uma dilatação da idéia de “capacidades para”, pois, se antes elas se apresentavam por meio de um roll de competências definidas e exeqüíveispara o trabalho (Schwartz, 2000), agora, essas capacidades são apresentadas numa dimensão mais vaga, o que pode instaurar desconforto no trabalhador. Assim, percebemos outra forma de organização para o trabalho educacional, a qual solicita outras expressões lingüísticas para registrar a sua atual conceitualização.

A designação gestão no lugar de trabalho ou função exprime claramente as tendências atuais de se conceituar o trabalho como gestão desituação de trabalho (Schwartz, 2000), visão esta em que se encontra uma nova forma de organização do trabalho que prioriza não somente o trabalho realizado, mas também a organização e a avaliação desse trabalho no sentido de se identificar os seus problemas, registrá-los e propor soluções que solucionem suas faltas. Seria o que o autor chama de dimensão histórica do trabalho ao se referir às influências desta conjuntura sobre o modo de se pensar o trabalho. Enfim, podemos pensar que essas questões sobre trabalho coletivo, e gestão educacional são legítimas porque por detrás dela há um jogo discursivo no qual os discursos se movem e compõem a imagem do trabalho educacional do professor.

- Gestão de Pessoas: avalia o compromisso dos gestores, professores e funcionários com o projeto pedagógico e o desenvolvimento de equipes; Lembrando a dupla função de todo professor, como gestor do processo

Essas circunstâncias que hoje envolvem o trabalho educacional, como a questão do trabalho coletivo, trabalho de equipe, gestão de trabalho, sempre existiram, isto é, cobrava-se essa postura do professor, mas de maneira vaga e modesta. No caso do trabalho docente, solicitar algumas normas de conduta profissional, como elaboração de planejamento de ensino, organização de cronogramas para avaliação de aluno, confecção de estratégias de recuperação, adequação e aplicação de instrumentos de avaliação de nível estadual para o institucional como o do SARESP32 já constituíam parte de sua função. Todavia, o que percebemos nessas prescrições mais ”democráticas” (Boutet,1993,apud Souza-e-Silva, 2000), que vão solicitar um trabalho “dilatado“ do professor no sentido de não só executar, mas também de “gerir” o seu trabalho, é que estas conferem a ele uma atuação que anteriormente ele já exercia de maneira informal, mas que, agora, são “cobradas” dele oficialmente por meio de prescrições , as quais trouxeram conceitos e designações das instâncias técnicas e organizacionais para o seu campo de trabalho e também impuseram uma dimensão de competências mais extensa para direcionar esse trabalho.

Por conseguinte, os discursos que convocam o professor a participar do gerenciamento dos resultados educacionais, a colaborar na articulação da participação de todos os membros da escola no processo educacional, a elaborar a avaliação das condições físicas do ambiente de trabalho, instituem um ponto de bifurcação, no qual, de um lado, há o trabalho que o professor já realizava de maneira não-oficial; de outro lado, o trabalho que, pelas prescrições atuais, ele agora precisa realizar, mas para o qual ele não se vê realmente responsável.

Esta condição original de trabalho que se impõe aos professores, nos dias de hoje, por meio dos textos que prescrevem o seu trabalho e solicitam competências heterogêneas que se situam nos pólos da inteligência, da prática e dos valores, colabora para o seu estresse, como temos observado em nosso cotidiano de trabalho, pois se ele já entendia o seu trabalho dentro de uma perspectiva que vai além daquela de ensinar (pai, mãe, psicólogo, assistente social...); hoje ele se depara com discursos que confirmam essa dimensão maior

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de seu trabalho por meio de designações lingüísticas que, até então, não faziam parte do campo discursivo da educação.

Então, na intersecção dos discursos que se configuram para compor a imagem discursiva do trabalho educacional é que nos deparamos com dimensões que podem ser evidenciadas a partir de uma análise discursiva que leve em conta o contexto sócio-histórico no qual esses discursos são produzidos.

Dessa forma, a presença de discursos vários nos prescritos da SEE possibilita a identificação de uma imagem que, num primeiro momento passa a idéia de aliança no campo discursivo, como é o caso dos discursos que recuperam enunciados de forma explícita por meio de índices lexicais (heterogeneidade mostrada marcada ) presentes nos documentos da SEE e referentes aos PCNs e ao diálogo com as outras esferas institucionais da educação – MEC,CENP, CEI - e também, de maneira implícita (heterogeneidade mostrada não marcada), quando o discurso da SEE faz alusão à política do atual governo que procura sincronizar o discurso da sociedade à sua política educacional.

Mas, num segundo momento, esses discursos também estabelecem posições antagônicas quando analisamos a relação enunciador e co-enunciador, amparando-nos no contexto sócio-histórico em que essa relação se dá. Por isso, a incidência do discurso empresarial, oriunda das posições econômicas atuais, impõe um caráter de empreendedorismo e objetividade a ser passado pelo enunciador, no caso a SEE. Mas a dimensão histórica do trabalho do professor não traz em si esse aspecto característico do discurso empresarial, tampouco as concepções neoliberais que reforçam a busca pela competitividade próprias de todo “profissional bem sucedido” que precisa “gerir” de maneira eficaz o seu trabalho. Pelo contrário, a história do professor é caracterizada por uma condição de trabalho que não está em sintonia com a imagem que os documentos apresentam, fato que podemos constatar no dia-a-dia em nosso ambiente de trabalho.

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