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MESTRADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM PUC-SP São Paulo

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Academic year: 2018

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P onti fí ci a U ni ver si da de C at ól i ca de S ã o P aul o Pr o g r a m a d e P ó s - G r a d u a ç ã o e m L i n g ü í s t i c a

Ap l i c a d a e E s t u d o s d a L i n g u a g e m - L AE L

SÔNIA CRISTINA PORTELA

A imagem discursiva do trabalho educacional

nos prescritos oficiais

MESTRADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA

E ESTUDOS DA LINGUAGEM

PUC-SP

São Paulo

(2)

SÔNIA CRISTINA PORTELA

A imagem discursiva do trabalho do educacional

nos prescritos oficiais

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora

da

Pontifícia

Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial

para a obtenção do título de

Mestre em Lingüística Aplicada e

Estudos da linguagem, sob a

orientação da Profª Drª Cecília

Pérez de Souza-e-Silva.

MESTRADO EM LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

PUC-SP

São Paulo

(3)

____________________________________

____________________________________

(4)

Ao meu amado esposo, Manoel, companheiro de tantas horas. E aos nossos filhos, Vitor e Gabriela... Minha família, minha razão de viver.

À memória de meu pai, Adalberto Portela.

(5)

AGRADECIMENTOS

A todos os colegas, amigos e familiares que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho.

à Maria Cecília Pérez de Souza-e-Silva, pelas competentes orientações e pela capacidade de mostrar-me um outro modo de olhar o trabalho educacional.

à Ângela Brambilla C. Lessa e à Vera Lúcia De Albuquerque Sant’anna, que participaram da banca de qualificação com inestimáveis orientações.

ao grupo Atelier, pelos momentos de discussão e críticas que contribuíram para o crescimento de minha pesquisa.

aos colegas do Seminário de Orientação pelas trocas enriquecedoras e pelos momentos de alegria que proporcionaram o meu crescimento como pessoa e como pesquisadora.

à Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo, que me possibilitou participar do Projeto Bolsa Mestrado.

à Dirigente Regional de Ensino de São José dos Campos Cleyde Pião Ferraz e ao Supervisor de Ensino Altimar Costa da Silva que viabilizaram esta empreitada.

à Selma, do Setor de Finanças que, com paciência, orientou-me sobre os trâmites legais para a aquisição da Bolsa Mestrado.

aos meus colegas professores que me trouxeram idéias inspiradoras e que me acompanharam nesse processo, torcendo por mim.

à minha querida mãe, também professora, que sempre foi para mim exemplo de vida e de trabalho.

(6)

RESUMO

A presente Dissertação de Mestrado em Lingüística Aplicada insere-se na linha de pesquisa Linguagem e Trabalho e tem como objetivo identificar a imagem discursiva do trabalho do educacional nos prescritos oficiais a fim de compreendermos a sua complexidade. Para tanto, esta pesquisa se apoiará nos fundamentos teóricos da Análise do Discurso de linha francesa preconizada por Dominique Maingueneau (1997/2002) e nos estudos das Ciências do Trabalho, mais especificamente da Ergonomia (René Amigues, 2002/2004) e da Ergologia (Yves Schwartz ,1998/2000). São analisados dois prescritos oficiais, também chamados, nesta pesquisa, de documentos, os quais foram selecionados por apresentarem referência direta ao trabalho do professor e : (1) Política Educacional da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e (2) Orientações para Elaboração do Planejamento nas Escolas e nas Diretorias de Ensino, ambos do ano de 2004. Esses documentos foram retirados do site htpp://cenp.edunet.sp.gov.br. A análise discursiva pautou-se, primeiramente, nos estudos das relações

interdiscursivas que perpassam nesses prescritos, para, em seguida, utilizar-se das categorias lingüísticas nas formas de heterogeneidademarcada enão

marcada com o objetivo de compreender o embricamento de discursos presentes nesses documentos. Por fim, o estudo do deslizamento das

designações das esferas organizacionais e empresariais para o campo educacional é realizado a fim de compreendermos a imagem discursiva que se tem elaborada a partir da presença dessas designações. Essas análises apontam para a formação de uma imagem discursiva do trabalho educacional, a qual compõe o gênero profissional do professor, mas que não leva em conta as dimensões reais de seu trabalho presentes em seu dia-a-dia.

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ABSTRACT

This work in Applied Linguistics inserts in the research line Language and Work and has as objective to identify the discourse image of the work of the professor in the official prescribed ones in order to understand its complexity. For in such a way, this research will be supported in the theoretical beddings of the Analysis of the discourse of French line praised by Dominique Maingueneau (1997/2002) and in the studies of Sciences of the Work, more specifically of the Ergonomics (René Amigues, 2002/2004) and of the Ergologia (Yves Schwartz, 1998/2000). Official ones are analyzed two prescribed, also called, in this research, of documents, which had been selected by presenting reference to the teacher´s work: (1) Educational Politics of the Secretariat of the Education of the State of São Paulo and (2) Rules for Elaboration of the Planning in the Schools and the Directions of Education, both of the year of 2004. These documents had been removed of the site htpp://cenp.edunet.sp.gov.br. The discourse analysis was made, first, in the studies of the interdiscourses relations for, after that, using itself of the linguistic categories of the marked forms of “heterogeneidade” and, finally, in the identification of the type of assignments the existence in documents. From the analysis, the character could be evidenced fluid of the lapsings, therefore they present themselves vacant however reveal “normatizadoras” in relation to teacher´s work. The presence of the enterprise discourse also is found in the prescribed ones, what it demonstrates the influence of this instance in the educational context. It could be perceived, also, that the prescribed ones for the teacher are not obtaining to day-by-day breach the barrier of the reality of its work in the e, consequently, perhaps, can there configure one of the possible causes for its anguish in the work.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

PARTE I - FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA A COMPREENSÃO DOS DISCURSOS SOBRE O TRABALHO DO PROFESSOR

1 A ANÁLISE DO DISCURSO DE CUNHO ENUNCIATIVO-PRAGMÁTICO 1.1 As características do discurso ...16 1.2 As relações interdiscursivas . ...17 1.3 A formação discursiva e campo discursivo ...20

2 A RELAÇÃO LINGUAGEM E TRABALHO

2.1 As áreas do conhecimento e as ciências do trabalho ...23 2.2 Trabalho e linguagem ...28

3 O ENSINO COM ESTATUTO DE PROFISSÃO

3.1 Os níveis de prescrição para o professor ...32 3.2 Gênero profissional e estilo profissional do professor ...41 3.3 O discurso empresarial na educação ...47

PARTE II- METODOLOGIA

1 DEFININDO UM CAMINHO METODOLÓGICO...54

2 OS PRESCRITOS NA EDUCAÇÃO

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2.2.2 Segundo Prescrito:Orientações para Elaboração do Planejamento nas Escolas

e nas Diretorias de Ensino ...64

PARTE III- ANÁLISE DISCURSIVA DOS PRESCRITOS 1 O PROCESSO INTERDISCURSIVO NOS PRESCRITOS EDUCACIONAIS 1.1 As relações interdiscursivas ...66

1.2 Os coenunciadores...74

2 O deslizamento das designações do discurso empresarial para o discurso educacional...78

CONSIDERAÇÕES FINAIS...85

REFERÊNCIAS...88

ANEXO I: Política Educacional do Estado de São Paulo...91

ANEXO II: Orientações para o Planejamento nas Escolas e nas Diretorias de Ensino...92

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INTRODUÇÃO

A pesquisa de mestrado que aqui apresentamos foi desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL-PUC-SP) e insere-se na linha de pesquisa Linguagem e Trabalho. A fim de contextualizar nossa linha de pesquisa dentro da Lingüística Aplicada, achamos necessário, primeiramente, apresentar as especificidades entre essa área e a Lingüística chamada “pura”, uma vez que ambas possuem características diferentes, bem como funções distintas a serem desenvolvidas por seus estudiosos. É assim que, de um lado, encontram-se os lingüistas aplicados que estão “diretamente empenhados na solução de problemas humanos que derivam dos vários usos da linguagem, (...) estão envolvidos em trabalho que tem uma dimensão especialmente dinâmica” (Celani:1992:21). De outro, os lingüistas que se firmam ”no empenho de resolver problemas lingüísticos, relacionados com alguns dos subsistemas da linguagem, que podem ser tornados estáticos, podem encontrar-se isolados das variáveis complexas que afetam o comportamento humano” (ibidem).

Esses excertos apontam para o caráter dinâmico da Lingüística Aplicada em relação ao caráter estático da Lingüística dita “pura”. Todavia, a Lingüística Aplicada apresenta, dentro de seu campo de estudo, várias correntes. A mais conhecida é aquela que se filia aos problemas e às preocupações com o ensino e a aprendizagem de língua e à formação de professores, com o desenvolvimento de currículos e programas lingüísticos. Uma outra contempla os estudos de vários subcampos: lingüística de corpus, lingüística forense, estudos de tradução e interpretação, bilingüismo (...).A terceira contempla a Lingüística como conhecimento básico no trabalho dos lingüistas aplicados, mas busca outros conhecimentos especializados de outras disciplinas, como a Ergonomia e a Ergologia. (Souza-e-Silva, 2004).

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Atelier/PUC-SP1, o qual envolve pesquisadores docentes e discentes de instituições de pesquisa no Brasil e na França. Este grupo tem como premissa pensar a linguagem na relação com o trabalho e apresenta as seguintes especificidades: (a) o estudo das práticas de linguagem em situação de trabalho; (b)o estudo dos discursos que remetem à atividade de linguagem em diferentes contextos e, também, (c) o estudo dos discursos sobre o tema trabalho. Nossa pesquisa, então, inclui-se na última vertente dos estudos do grupo, na qual desenvolvemos uma análise discursiva de documentos que se referem ao trabalho do professor. Nessa vertente, o analista do discurso tem a possibilidade de desenvolver uma investigação peculiar, pois, ao contribuir com os estudos da linguagem no entendimento dos discursos sobre o trabalho do professor, ele pode participar na solução desses problemas humanos e na compreensão das questões polêmicas de seu tempo.

Nosso objetivo principal de pesquisa é, pois, identificar a imagem discursiva do trabalho educacional do professor nos prescritos oficiais do Estado de São Paulo a fim de entendermos a complexidade desse trabalho e, mais especificamente, refletir sobre as relações interdiscursivas que perpassam nesses prescritos, as quais trazem características conceituais e linguageiras, não apenas de instâncias educacionais, mas provenientes também das esferas político-ideológicas e empresariais.

Como analistas do discurso, com o objetivo de compreender essas questões discursivas que envolvem o trabalho do professor, escolhemos textos escritos oriundos da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, os quais, a nosso ver, apresentam certo distanciamento das condições reais de trabalho, problema que nos motivou a realizar esta investigação.

1 Grupo coordenado pela Profª Drª Maria Cecília P. de Souza-e-Silva, certificado pelo CNPq e que trata das

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Nesta pesquisa, esses escritos foram chamados de prescritos ou documentos. Esses textos direcionam e norteiam o trabalho docente e dos profissionais da educação, pois apresentam diretrizes e normas de ordem política, organizacional e pedagógica que vão direcionar os “caminhos” das escolas públicas paulistas, em uma das quais exerço o meu trabalho como professora.

E para compreendermos as relações interdiscursivas que atravessam esses prescritos, optamos por lançar mão dos recursos lingüístico-enunciativos da análise do discurso, em especial, a de linha francesa, desenvolvida por Maingueneau.

Desse modo, algumas questões iniciais surgiram. Primeiramente, a questão de se estudar textos prescritivos sobre o trabalho do professor. Qual a importância desse procedimento para a compreensão de seu trabalho? Em segundo lugar, que imagem do trabalho do professor os prescritos constróem? E, por fim, quais os discursos que estão dialogando nesses prescritos sobre o trabalho educacional?

Essas perguntas que, de início, nortearam a pesquisa, foram encontrando respostas no decorrer da investigação, mas elas não foram suficientes para compormos a imagem do trabalho docente e suscitaram, posteriormente, outras indagações referentes à noção de trabalho individualizado e trabalho coletivo e mais: se as prescrições para o professor sempre existiram, por que razão, cada vez mais, elas desencadeiam incômodos nesse profissional? Esses questionamentos acrescentaram mais um viés a ser tomado na pesquisa, o qual trouxe à tona a questão do trabalho do professor que, muitas vezes, é visto como fragmentado e individualizado dentro da escola e tido como uma atividade voltada unicamente para o alcance dos objetivos de sua disciplina administrada em sala.

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outros pesquisadores, uma vez que há poucas investigações sobre o tema nesse sentido. Normalmente, os estudos sobre o professor abrangem questões voltadas para a sua atuação didática em sala de aula ou, então, para as reflexões pedagógicas que este precisa conhecer a fim de desenvolver corretamente o conteúdo de sua disciplina e não se voltam para os textos prescritivos que incidem direta e indiretamente na relação prescrição e trabalho.

Também Souza-e-Silva (2003) fala sobre o ensino como trabalho e ressalta o papel das prescrições na organização do trabalho docente. Para a autora, “Tais prescrições, às vezes muito coercitivas, outras extremamente vagas, por vezes contraditórias, não podem ser ignoradas se se quer compreender o que é possível fazer, o que é autorizado, tolerado ou proibido.” É importante, então, entender o trabalho do professor também a partir dos mecanismos subjacentes que influenciam a sua atividade, os quais precisam ser explicitados e explicados, lacuna que uma análise ergonômica do trabalho pode preencher.

Para apresentarmos, então, esta pesquisa, organizamos os nossos estudos em três momentos. No primeiro, apresentamos os fundamentos teóricos para a compreensão dos discursos sobre o trabalho do professor, apresentando as bases da análise do discurso de cunho enunciativo-pragmático, a relação linguagem e trabalho e o ensino com estatuto de profissão. Nesse capítulo, a intenção maior é contribuir para que os estudos da linguagem de base enunciativa-discursiva participem do entendimento das questões contemporâneas referentes ao universo dos estudos do trabalho – Ergonomia e Ergologia.

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que apresentam as diretrizes políticas e ideológicas que vão direcionar a educação no Estado de São Paulo. São eles: Política Educacional da SEE do

Estado de São Paulo e Orientações para Elaboração do Planejamento nas

Escolas e Diretorias de Ensino.

No caso desses documentos, justamente por se referirem a vários níveis de organização educacional – avaliação dos alunos, desenvolvimento de currículo, inclusão escolar, melhoria das estruturas físicas da escola – ativemo-nos aos discursos que se referem diretamente a questões pertinentes ao trabalho educacional e, mais especificamente, do professor, procurando analisar a influência do universo empresarial no educacional, uma vez que, nesses documentos, encontram-se, agora, designações dessa esfera referentes ao professor como, por exemplo gestor do processo de ensino aprendizagem. Também optamos por apresentar, nesse segundo momento, os enunciados de natureza político-ideológica e institucional por serem, de acordo com nosso enfoque teórico da Análise do Discurso, condição primeira para a compreensão do contexto sócio-histórico nos quais esses documentos foram produzidos.

O terceiro momento está dedicado à análise discursiva dos documentos, a qual possibilita estabelecer relações interdiscursivas presentes nesse corpus por meio dos fatores de heterogeneidade do discurso e das categorias de análise dos estudos da linguagem que, em nosso caso, firmam-se nas marcasde enunciação:

enunciador e coenunciador - e no deslizamento das designações das instâncias técnicas-organizacionais para a esfera educacional. Os resultados dessa análise permitiram-nos compreender o caráter injuntivo de vários discursos presentes nesse corpus, o que nos possibilita contribuir, como lingüistas aplicados, com as outras áreas interessadas (Ergonomia e Ergologia).

(15)

prescrevem o trabalho docente, além de investigações que procurem a voz do

professor sobre o seu trabalho.

Ressaltamos que algumas considerações mais abrangentes sobre o trabalho educacional apresentadas, nesta pesquisa, como a questão das expectativas do professor em relação ao trabalho pedagógico e ao discurso do “governo” sobre a educação, além de respaldarem-se em estudos e reflexões da área de educação, também apóiam-se em nossa vivência como professora de escola pública e em nosso convívio diário com os profissionais do ensino nas escolas do nosso estado, condição que também nos motivou a estudar o papel dos textos prescritivos dentro do universo educacional.

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PARTE 1 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA A COMPREENSÃO DOS DISCURSOS SOBRE O TRABALHO DO PROFESSOR

1. A ANÁLISE DO DISCURSO DE CUNHO ENUNCIATIVO-PRAGMÁTICO

1.1 As características do discurso

Já é de conhecimento consensual que o termo discurso assume diferentes sentidos e revela posições epistemológicas distintas de acordo com as diversas correntes da filosofia e das ciências da linguagem a que a expressão se apresenta filiada. Todavia, para muitos, essa distinção não apresenta relevância quando o termo é tomado em seu aspecto amplo. Em relação a essa acepção mais ampla de discurso, Maingueneau (2002:51) diz que

No uso comum, chamamos de “discurso” os enunciados solenes (‘o presidente fez um discurso”), ou, pejorativamente, as falas inconseqüentes (“tudo isso é só um discurso”). O termo pode também designar qualquer uso restrito da língua: “o discurso islâmico”, o discurso político”, “o discurso administrativo”, “o discurso polêmico”, “o discurso dos jovens” etc.

E, naturalmente, encontramos na esfera didática do ensino de língua a conhecida acepção do discurso direto e indireto tão usualmente trabalhada nas escolas pelos professores de português, caracterizando-se como uma prática escolar condicionada a uma visão lingüística estrutural, em que se estudava a frase2 desvinculada de qualquer contexto.

Mas quando, a partir dos anos oitenta, com o desenvolvimento das correntes pragmáticas e enunciativas, vão-se confirmando os pressupostos de que

2 Na perspectiva enunciativa, a frase não se veicula a um dado contexto particular, estando desarticulada da

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a linguagem não é transparente, tampouco direcionada e interpretada uniformemente pelos seus coenunciadores, cada vez mais a noção de discurso assume seu caráter pragmático e interativo oriundo das ciências da linguagem.

É assim que, nessa perspectiva, a designação discurso vai se constituindo de determinadas posições que reforçarão os fundamentos de uma outra forma de conceber a linguagem. Sob esse ponto de vista, a enunciação traz caráter de “interatividade”3 que é constitutivo da linguagem e mesmo que essa interatividade não seja explícita entre o enunciador e o co-enunciador, a instância do outro sempre estará presente nas formas de enunciação, pois o discurso é discurso justamente por se remeter a um sujeito, a um EU, que está embricado em um contexto no qual pessoa, tempo e espaço são constituintes da enunciação. Todos esses fatores indicam a atitude4 que o enunciador assume em relação àquilo que diz e também em relação a quem diz (seu co-enunciador).

Tal posicionamento demonstra a relação de força em que se constitui o discurso. Nele, muitos aspectos estão envolvidos e cooperam para que as relações interdiscursivas assumam caráter organizacional que vai mais além dos estudos tradicionais que se baseavam fortemente nos aspectos lingüísticos da linguagem, para dar, também, importância, às instâncias sociais e políticas que também são inerentes ao discurso.

1.2 As relações interdiscursivas

Hoje em dia, considerar, então, o discurso sob uma concepção teórica estruturalista em que o mesmo é concebido como uma atividade primeira, progenitora de idéias e textos e desvinculada de qualquer contexto, caracteriza-se como uma postura tradicional que não dá conta das questões reais que vêem a

3 Aspas de D. Maingueneau (2002) 4

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linguagem como dispositivo vivo das relações humanas em contextos concretos e determinados.

A partir desta constatação, o analista do discurso de tradição francesa concebe o discurso mediante alguns critérios, os quais têm como base, segundo Maingueneau (idem), os textos produzidos:

- no quadro de instituições que restringem fortemente a enunciação;

- nos quais se cristalizam conflitos históricos, sociais, etc.;

- que delimitam um espaço próprio no interior de um interdiscurso limitado.

Logo, é dentro desse quadro que o discurso passa a ter sentido por ser atravessado por outros discursos. Ainda nas palavras de Maingueneau, “O

discurso só adquire sentido no interior de um universo de outros discursos, lugar no qual ele deve traçar seu caminho. Para interpretar qualquer enunciado, é necessário relacioná-lo a muitos outros /.../ “

No caso desta pesquisa, o princípio do interdiscurso é imprescindível para alicerçar a análise dos documentos da SEE no que diz respeito ao trabalho do professor, pois a identificação e o entendimento do contexto sócio-político e cultural no qual os discursos são produzidos, contribuem para a compreensão dos sentidos aí produzidos. E, no bojo desse princípio amplo de interdiscursividade, as noções de heterogeneidade constitutiva e heterogeneidade mostrada também se fazem necessárias para entendermos as relações internas entre os discursos.

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das condições que, ao lado do contexto social, político e econômico, iriam determinar o sentido do enunciado em relação aos coenunciadores.

É dentro dessas referências que a heterogeneidade mostrada ou representada se caracteriza pelas formas marcadas e não marcadas. Segundo Maingueneau (op. cit.), a heterogeneidade do discurso não marcada se apresenta mediante os índices textuais e os conhecimentos que os coenunciadores trazem consigo, como o discurso indireto livre, as alusões, a ironia..., conhecimentos esses oriundos da sua cultura e do contato com a escrita e a leitura.

Por sua vez, a heterogeneidade constitutiva, de modo diverso, não seria reconhecida na materialidade da língua ou na abordagem lingüística pura, pois

o discurso é dominado pelo interdiscurso. Assim, é não apenas um espaço onde vem se introduzir o discurso outro, ele é constituído através de um debate com a alteridade, independente de toda marca visível de citação, alusão etc. /.../ Daí decorre o caráter profundamente dialógico de todo enunciado do discurso, a impossibilidade de dissociar a interação dos discursos do funcionamento intradiscursivo. [ interdiscurso] (Maingueneau, op.cit.)

Como se deduz do trecho apresentado acima, é certo que o interdiscurso tem primazia sobre o discurso. Por conseguinte, uma análise adequada se realiza no espaço de troca entre os vários discursos que estão presentes numa formação discursiva e é na intersecção desses discursos que o princípio da heterogeneidade se manifesta com força mais evidente e, ao mesmo tempo, mais abstrata.

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explicitados de acordo com a categoria de análise da heterogeneidade constitutiva?

Primeiramente, vamos nos deter nas formas marcadas de heterogeneidade, as quais, apresentam-se mais claramente do ponto-de-vista lingüístico, mas nem por essa razão, deixam de expressar a subjetividade da linguagem, pois, mesmo sendo modalidades explícitas lingüisticamente, não deixam de constituírem-se como fator assertivo de não transparência da enunciação – visão tradicional na qual a materialidade lingüística possibilitaria uma compreensão uniforme do enunciado . É o caso dos discursos direto e indireto, das aspas e dos grupos proposicionais (segundo fulano..., conforme fulano...., para fulano... Ainda conforme Maingueneau, o uso desses grupos proposicionais estabelece uma distinção entre as idéias do enunciador e as idéias daquele de quem ele recupera o discurso. Esse princípio da alteridade, então, inscreve-se numa esfera discursiva em que a questão do outro é relevante para as relações interdiscursivas.

1.3 A formação discursiva e o campo discursivo

Até este momento, temos admitido que a análise do discurso aqui preconizada, apóia-se na análise do discurso da escola francesa, pois acreditamos que a relação entre o ideológico e o lingüístico é necessária para uma compreensão maior das relações discursivas que estão presentes nos discursos de nosso cotidiano. Dentro dessa perspectiva de análise, a preferência pela

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Dessa forma, é importante que o analista do discurso faça um levantamento dos textos que circulam no universo discursivo5 de seu campo de interesse, analisando a intersecção dos vários textos ali presentes, já que o estudo dos mesmos, desvinculado das esferas sociais, econômicas e políticas nas quais estão inseridos e também deslocado de suas condições de produção enunciativas, configurar-se-ia ineficaz para resolver os conflitos e lacunas dos e nos quais os discursos são constituídos.

Portanto, para o analista do discurso, dimensionar o universo discursivo para que ele não se perca diante de um corpus de análise abrangente é primordial para um estudo que procura aproximar-se, conforme Pêcheux preconiza, dos

níveis opacos à ação estratégica de um sujeito. Por isso, é necessário que se especifique uma outra dimensão dentro do universo discursivo – a formação

discursiva, designação que provém da obra A arqueologia do saber de J. Althusser e redefinido por M. Foucault que procurou conciliar a idéia de teoria, com a de ideologia e de ciência, que são conceitos tradicionais dos estudos científicos. Entretanto, com Pêcheux, essa expressão tornou-se conceito importante para a análise do discurso.

Para o autor

toda formação social, passível de se caracterizar por uma certa relação entre classes sociais, implica a existência de posições políticas e ideológicas, que não são o feito de indivíduos, mas que se organizam em formações que mantêm entre si relações de antagonismo, de aliança ou de dominação. ( Apud Maingueneau, 2000:68).

A definição de M. Pêcheux coloca-nos frente a uma situação de análise que, no caso desta pesquisa, como já foi explicitado anteriormente, configura-se na análise de prescritos oriundos de um lugar institucional que é a SEE. Esse

5 Segundo D. Maingueneau (op.cit.) trata-se de uma extensão conceitual abrangente, que toma o conjunto de

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órgão é uma instituição do governo e, conseqüentemente, traz discursos que estão em constante diálogo com as outras instâncias6 que atuam nesse órgão oficial de educação. Entretanto, ao termos a visão da formação discursiva na qual está calcado o sistema de discursos de uma determinada conjuntura histórica, é necessário que percorramos a história desses discursos, não apenas para conhecê-los e interpretá-los, mas também para termos condições de fazer um recorte a fim de delimitar o corpus a ser analisado. Daí a necessidade de se vislumbrar o campo discursivo em quehá uma dimensão menor de uma formação discursiva.

É importante não fazer dessas designações fatias isoladas de análise, o que pode em um primeiro momento, mostrar-se como elemento facilitador para o analista do discurso, mas perceber que as esferas discursivas estão constantemente embricadas umas nas outras, confirmando a heterogeneidade do discurso. Essa característica do interdiscurso impõe ao pesquisador uma reflexão exaustiva, pois, conforme Maingueneau (2005), um campo discursivo dentro de uma formação discursiva não garante que um discurso se “constitua da mesma

forma com todos os discursos desse campo; e isso em razão de sua evidente heterogeneidade: uma hierarquia instável opõe discursos dominantes e dominados e eles não se situam todos necessariamente no mesmo plano.”

Para exemplificar a questão do campo discursivo dentro da formação

discursiva, tomemos como referência, o panorama educacional da Alemanha de 1920 a 1940, o qual trazia, conforme conhecemos dos estudos sobre aquele momento histórico, a ideologia que ressaltava a educação moral e cívica e privilegiava os valores nazifascistas de pátria, disciplina e corpos saudáveis para a perpetuação da raça ariana (Chauí:395). Compreender esse panorama educacional e cultural da Alemanha, sem levar em conta o contexto sócio-histórico nem as condições econômicas e políticas do regime totalitário que repercutiam não só na Alemanha, mas também em todo o resto do mundo, contribuiria para

6 No capítulo Metodologia, apresentarei as instâncias sociais, políticas e econômicas que caracterizam o

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realizarmos uma análise superficial e excessivamente fragmentada de uma

formação discursiva, pois, no caso desse exemplo sobre os discursos da Alemanha de Hitler, a não referência ao discurso fascista de Benito Mussolini na Itália, e ao discurso nazifascista da nacional- socialista alemã, que também utilizava o discurso marxista contra o liberalismo, deixaria muito a desejar enquanto análise discursiva de cunho enunciativo-pragmático.

Esses princípios expostos neste primeiro capítulo sobre as relações

interdiscursivas, a formação e o campo discursivos, juntamente com o as reflexões sobre a heterogeneidade do discurso, são importantes para que possamos, agora, articular a análise do discurso de cunho enunciativo-pragmático com as ciências do trabalho, partindo, primeiramente, da relação linguagem e trabalho.

2. A RELAÇÃO LINGUAGEM E TRABALHO

2.1 As áreas do conhecimento e as ciências do trabalho

Os estudos voltados para as ciências do trabalho – Ergonomia, Ergologia e Clínica da Atividade – aprofundaram-se na França a partir da década de oitenta7 e, mais atualmente, no Brasil8. Aqui, o diálogo entre essas disciplinas com a Lingüística Aplicada é atual e suscita estudos pertinentes para compor um outro olhar sobre o mundo do trabalho. Daí a possibilidade de se buscar entender o trabalho a partir de uma outra abordagem que propicie, através da materialidade da linguagem, compreender o trabalho em si e o agir do trabalhador, não somente pela análise de sua atividade, mas também por meio de uma análise lingüístico-discursiva de que o lingüista aplicado pode lançar mão a fim de compreender e

7 O grupo APST ( Université de Provence- Aix-Marseille) iniciou-se em 1984 com uma proposta de análise

pluridisciplinar de situação de trabalho, cujo objetivo se pautava na confrontação de saberes teóricos

universitários com experiências concretas dos trabalhadores. Nesse grupo, estão engajados um lingüista, , um sociólogo, Bernard Vouillon, e um filósofo, Yves Schwartz.

8 No Brasil, o grupo Atelier é formado por pesquisadores docentes e discentes dos programas de

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auxiliar os pesquisadores de outras áreas na solução dos problemas desse complexo universo da atividade humana.

Assim, o trabalho como atividade humana organizada em função de um produto advindo de uma técnica de produção é tema de estudo de vários campos do saber e analisado de acordo com os conhecimentos epistemológicos de cada prática científica. Numa breve apresentação das ciências humanas que têm por objeto de estudo o trabalho, Souza-e-Silva (2002) diz que “o economista aborda o

trabalho como valor do produto; o sociólogo, segundo as relações que se estabelecem entre os diferentes atores; o psicólogo volta-se para os componentes físicos e mentais da atividade.” A partir desta retomada concisa das áreas de conhecimento sobre o tema trabalho, podemos compreender que cada prática científica procura analisar essa atividade a partir das perspectivas científicas pertinentes a seu campo de estudo, o que justifica o fato de ser inconsistente a análise que pretenda conceber em plenitude todas as formas de se entender o trabalho.

Para esta pesquisa, seguimos, então, o enfoque das ciências do trabalho – primeiramente da Ergonomia e, em seguida, da Ergologia - adotando os preceitos teóricos dessas disciplinas para a compreensão do trabalho. Em seus estudos sobre o percurso histórico da disciplina ergonomia, Souza-e-Silva (2004), apresenta um panorama que trata das características pertinentes à área a partir das obras de Guérin et al (1991/2000), Noulin (1992), Montmoulin (1995), Daniellou e Wisner (1996), ressaltando o surgimento desta disciplina na Grã-Bretanha, em 1947, junto ao órgão da Defesa Nacional Britânico, a qual tinha como objetivo pesquisar alternativas de bem-estar para os esforços humanos em condições de estresse. Mais tarde, ainda na Grã-Bretanha, as pesquisas se voltaram para os problemas de adaptação inadequada do homem à máquina, o que demandava uma análise diferente daquela proposta inicialmente.

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alguns ergonomistas com o movimento operário. Esse rumo diferente daquele iniciado no panorama britânico, desencadeou um estudo voltado mais para as questões epistemológicas do trabalho, daí a designação ergonomia situada ou

ergonomia da atividade, condição em que as investigações sobre o trabalho procuram soluções de adaptação deste ao ser humano. Assim, essa perspectiva ergonômica francófona é que vai influenciar os primeiros estudos ergonômicos aqui, no Brasil, referentes à relação linguagem e trabalho e, mais recentemente, à área do ensino como trabalho.

Essa abordagem ressalta a relação entre o trabalho prescrito, frente ao trabalho real e à atividade, pois as prescrições institucionais e normativas, quer formais ou informais, é que regulam a atividade do trabalhador e do coletivo no ambiente profissional. E é esse preceito da ergonomia que valoriza o escrito (no papel ou na tela) por meio de memorandos, ordens de serviços, relatórios... e o oral, que, mesmo tendo o caráter da oralidade, não deixa de apresentar características normatizadoras também. A relação trabalho prescrito e trabalho real caracteriza-se, portanto, como o pilar dos estudos ergonômicos, possibilitando pensar o trabalho por meio de uma dimensão descendente das prescrições (Amigues, 2002) , ou seja, refere-se às prescrições que vêm das instâncias superiores para a realização da atividade.

Essa perspectiva das prescrições é diferente quando tomamos por base, também, as prescrições ascendentes que influenciam o trabalho docente, ou seja, aquelas prescrições próximas que apresentam caráter “informal”, mas não menos importante - é o caso da cobrança dos alunos, pais, colegas. Dessa forma, ao levar em conta a dimensão das prescrições como elemento constitutivo da atividade humana, a Ergonomia se propõe a contribuir para melhorar as condições do trabalhador no seu ambiente de trabalho.

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cumprimento. No caso de nossa pesquisa, estamos nos baseando nos estudos de Amigues (2002) e Sousa–e–Silva (2004), os quais consideram como prescritos os escritos que trazem a organização do trabalho, os organogramas das instituições e a descrição oficial dos postos e das obrigações de serviço. Há, também, os escritos funcionais, considerados úteis para efetuar o trabalho, como, por exemplo, a ordem de serviço e os escritos não-funcionais, como o panfleto sindical.

Apresentados os conceitos da Ergonomia da Atividade e a sua relação com o nosso trabalho, expomos, agora, os estudos sobre a Ergologia, a qual é uma disciplina que também se ocupa dos conceitos e considerações sobre o mundo do trabalho. Para a Ergologia o trabalho é um campo complexo, difícil de ser definido. Do ponto-de-vista ergológico, o trabalho nunca se reduz ao que dizem ao trabalhador para fazer, há sempre diante de qualquer atividade a ser realizada por ele, a renormalização dessa norma exterior em qualquer grau, há sempre uma modificação, uma vez que trabalhar de outro modo que aquele determinado já é constitutivo ao trabalhar do trabalhador (Schwartz, 2000). Esse enfoque diferenciado da Ergologia permite que se veja o trabalho por meio de uma dimensão filosófica que perpassa pela condição de um “sujeito” que se manifesta na atividade, pois esta é constitutivamente dinâmica e conta com normas

antecedentes na forma de regras/manuais falados ou objetivos anunciados em

grupo. As renormalizações dessas regras/normas representam a organização viva do trabalho e firmam-se no debate entre as normas antecedentes e as suas reformulações decorrentes de cada atividade, o que caracteriza o aspecto dinâmico do trabalho.

Nesse sentido, a investigação, sob o enfoque ergológico, tem como primazia a subjetividadedo, pois o trabalho é “um lugar de debate, um espaço de

possíveis sempre a negociar onde não existe execução, mas uso, e o indivíduo no seu todo é convocado na atividade.” (Schwartz, 2000). Trata-se de compreender o

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conforme a sua história, os seus valores. Trata-se, também, de compreender o

uso de si a que o trabalhador recorre a fim de realizar as imposições do trabalho, tendo por premissa as condições não perenes desse trabalho que o mobilizam e vão se configurar conforme critérios complexos oriundos de mudanças técnicas-organizacionais, sociais e econômicas que determinam as diretrizes do trabalho. Para o autor, “a forma dinheiro, lucro, o critério da rentabilidade financeira” são inscrições importantes no funcionamento do trabalho. Dessa forma, o embricamento das relações sociais e mercantis com a dimensão complexa humana, que se caracteriza pela singularidade da história pessoal do homem e seu destino singular (idem, 1997), constitui o panorama histórico da situação de trabalho a que o indivíduo se vê convocado. O autor apresenta a seguinte reflexão sobre o uso de si:

Também quando se diz que o trabalho é uso de si, isto quer dizer então que ele é o lugar de um problema, de uma tensão problemática, de um espaço de possíveis sempre a se negociar: há não execução, mas uso, e isto supõe um espectro contínuo de modalidades. É o indivíduo no seu ser que é convocado; são, mesmo no inaparente, recursos e capacidades infinitamente mais vastos que os que são explicitados, que a tarefa cotidiana requer, mesmo que este apelo possa ser globalmente esterelizantes em relação ás virtualidades individuais. (Schwartz, 2000:41)

No enfoque ergológico, há que se considerar, também, o uso de si pelos

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que lhe trazem frustração por não serem alcançadas. Quanto ao uso que ele faz

de si mesmo, muitas vezes há, também, um descompasso, pois ele, como trabalhador, sabe o que esperam dele e o que ele espera de si, objetivos diferentes que nem sempre podem ser alcançados e que podem ocasionar, então, desconforto em relação ao seu próprio trabalho e à sociedade.

Os estudos da Ergonomia e da Ergologia, ao trazerem a dimensão subjetiva do trabalho, articulam-se com a linha atual de pesquisa Linguagem e Trabalho. Qual a contribuição, então, do lingüista aplicado junto a essas áreas? É o que procuramos apresentar no próximo momento desta pesquisa.

2.2 Trabalho e linguagem

Sendo a Lingüística Aplicada disciplina que incorpora dentro de seus interesses de estudo – bilingüismo, lingüística de corpus, estudos sobre línguas em contato, valorização e evolução lingüística, tradução e interpretação, uso da língua em contextos profissionais, lexicografia e elaboração de dicionários, alfabetização, aquisição de primeira e segunda língua9 -o estudo da linguagem alicerçada no mundo real em que a língua exerce um papel básico, como ficaria, então, a sua relação com o campo do trabalho? E, sendo o trabalho entendido como fonte de estudo para as diversas disciplinas, como a sociologia, a economia, a antropologia, como ficaria também essa relação com as ciências da linguagem?

Essas interrogações permeiam não só as reflexões dos lingüistas, mas também fazem parte das abordagens dos pesquisadores de outras áreas. Na abordagem ergológica a linguagem é entendida como

um recurso operacional da circulação temática em um espaço conceptual: entre o trabalho, os valores e a vida, compondo um desenho construído a

9 Souza-e-Silva (2003) “Quais as contribuições da lingüística aplicada para a análise do trabalho: ?” In

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partir do movimento continuum descontinu da atividade. Pode ser vista, ainda, como recurso de negociação entre valores, saberes e atividades gerados pelas exigências epistemológicas e éticas, pelos aportes de diferentes disciplinas (pólo dos conceitos) e pelos trabalhadores na atividade (pólo das forças de “convocação” e “reconvocação”). (Schwartz,1996)10

A linguagem também é vista como dispositivo para se compreender as relações humanas no trabalho na clínica da atividade (Clot, Faïta, Fernandes e Scheller, 2001). Numa apresentação ampla desta abordagem clínica, a dinâmica das ações do sujeito é objeto de análise, análise esta que procura levar em conta o desenvolvimento do sujeito, do grupo e da situação de trabalho. Nessa perspectiva, a análise do coletivo de trabalho é relevante para se compreender a atividade realizada e não realizada, pois os coletivos profissionais caracterizam-se por meio das modificações realizadas junto às normas iniciais que vão desencadear essas atividades (Amigues, 2004). Em relação aos professores, podemos considerar como coletivo de trabalho os professores de uma escola, aqueles que ministram uma mesma disciplina , os que trabalham em uma mesma série...

Na clínica da atividade, a linguagem é vista como co-construtora dos sentidos dos objetos de trabalho “tanto quanto dos significados circulantes em uma dupla via de sentido”, como possibilidade de “propor dispositivos de confrontação dialógica para desenvolver a análise-intervenção em situação de trabalho” (Vieira, 2002). Nesse sentido, os gestos, as palavras constituem-se como recurso revelador da heterogeneidade de situações presentes na atividade, o que auxilia o pesquisador a entender a história de um determinado meio de trabalho.

10 Y. Schwartz (2002)

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No artigo intitulado Quais as contribuições da lingüística aplicada para a

análise do trabalho, Souza-e-Silva (2003), depois de discorrer sobre a visão de cada área acerca da linguagem, demonstra, por meio de um raciocínio claro e sucinto, como esses os estudos da Ergologia, Ergonomia, Clínica da Atividade vêem a linguagem

passa-se da delimitação do simbolismo linguageiro proposto por Schwartz; da exígua produção de discursos sobre o trabalho, comparada a de outros referentes sociais, postulada por Boutet; da revisão teórico-metodológica (incorporação da noção de gênero e estilo profissional e do método da auto-confrontação) convocados por Faïta e da complexa relação do locutor com seu dizer, tal como expressa por França, para centrá-la mais diretamente no pesquisador. (Souza-e-Silva, 2003:14)

Dentro desse quadro de análise referente às relações linguagem e trabalho, a autora não invalida as duas primeiras hipóteses, como o faz França (2002), ao contrariar a hipótese em relação à falta de discursos sobre o trabalho e à dimensão simbólica que este assume nas relações humanas e mercantis. Sem anular esses preceitos, Souza-e-Silva avança em suas reflexões quando diz “que o pesquisador deve aceitar o “desconforto intelectual” 11 que “subjaz ao princípio da interdiscursividade, pois o pesquisador só pode entender o outro/trabalhador a partir de seu lugar como pesquisador”. Essas considerações tornam-se evidentes quando levamos em conta o fato de que se o pesquisador não conhece a fundo a tarefa pesquisada, como poderá ele discorrer sobre ela?

Com as novas formas de organização do trabalho em que se reconhece, então, a linguagem como dispositivo revelador das relações profissionais, há um consenso entre os lingüistas e os analistas das situações de trabalho sobre a necessidade de se conceber a linguagem como atividade que constitui o próprio trabalho. Nesta perspectiva linguageira, as prescrições para o trabalho continuam sendo objeto de estudo e reflexões para uma compreensão maior do mundo do

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trabalho, pois este está em constante evolução e solicita cada vez mais pesquisas que busquem entender o papel dessas prescrições em seu universo.

A Lingüística Aplicada, então, enquanto campo das ciências da linguagem, pode contribuir para o avanço dessas pesquisas que não tinham como foco as prescrições descendentes no mundo de trabalho, pois, cada vez mais, as relações de controle e coordenação nessa esfera caracterizam-se pela comunicação e pelo diálogo entre as instâncias e é nessa situação de interação que os prescritos se constituem como dispositivos de normatização e norteamento das atividades de trabalho.

Como pesquisadores, ao procurarmos as questões iniciais sobre as prescrições, voltamo-nos para a concepção taylorista sobre trabalho, segundo a qual as prescrições para a realização das atividades de produção construíam “uma imagem de neutralidade e de eficácia de acordo com a representação burguesa da técnica como matéria que contém leis próprias, objetivas e imparciais, às quais não se pode nem se deve opor resistência” (Moreira, Rago, 2003). Por conseguinte, recuperamos também a sua fragilidade teórica, pois hoje, mais do que nunca, os estudos ergonômicos recentes de tradição francesa (Amigues, 2002) mostram que há necessidade de se relacionar as prescrições com as condições para a sua realização, assim como entender as possibilidades de interpretação e de redefinição que elas desencadeiam.

Se, de um lado, o mundo contemporâneo impõe padrões de trabalho calcados na valorização do trabalho organizacional e na gestão das situações de trabalho e, de outro, permanece com a necessidade de continuar com as tarefas de execução para o desenvolvimento do processo produtivo, condição que perpetua a competitividade entre as pessoas e que nem sempre se caracteriza como uma condição positiva, nada mais urgente que se busque compreender esse organismo vivo 12que é o trabalho e que traz na sua constituição, justamente

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por ser vivo, a linguagem como cerne das relações humanas de troca, de frustração e de crescimento do “trabalhador”.

No próximo segmento, daremos continuidade às reflexões sobre o papel das prescrições para o trabalho educacional.

3 O ENSINO COM ESTATUTO DE PROFISSÃO 3.1 Os níveis de prescrição para o professor

O interesse pelo entendimento do trabalho do professor tem início na França, apenas no final da década de 90. Conforme Amigues (2002), o paradigma do “pensamento docente” (aspas do autor) ressalta principalmente o estudo das práticas efetivas dos professores, ou seja, interação em sala de aula, concepções pedagógicas, práticas didáticas, não enfocando as prescrições que direcionam o seu trabalho.

Essa constatação é importante porque nos faz refletir acerca do trabalho do professor que, normalmente, é analisado a partir dos resultados positivos ou negativos de suas estratégias pedagógicas junto aos alunos – ao que o autor chama de estudo por baixo, não por serem estudos inferiores, mas, justamente por enfocarem as atividades ligadas à sala de aula. Tal quadro contemporiza o grande interesse em estudos que privilegiam as questões epistemológicas ligadas aos conteúdos a serem transmitidos aos alunos. Normalmente, os objetos de estudo nessas pesquisas são os saberes e as competências que se instauram na relação ensino-aprendizagem, e não há um enfoque em relação à atividade docente no que diz respeito ao seu trabalho a partir dos prescritos provenientes das instâncias superiores - abordagem descendente.

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nos estudos de interação entre aluno e professor, na análise de procedimentos para a escolha de conteúdos seriais para a classe, nas pesquisas sobre a forma de conduzir as tarefas e as atividades em sala de aula e em outras importantes esferas de atuação sobre as quais não nos sentimos confortáveis para discorrer devido ao grande número de trabalhos existentes na área.

Tendo em vista que as prescrições determinam outra dimensão para a análise do trabalho do professor, é importante considerarmos, então, a tensão que elas desencadeiam nos docentes, pois as normas que ali estão presentes são renormalizadas na vivência da atividade, renormalização que é efetuada pelo próprio professor e não por terceiros. O seu trabalho, então, é analisado e comentado por diversas instâncias pessoais e institucionais, e nem sempre por seus pares. Segundo Amigues (2004:38):

...os valores desse trabalho não são atribuídos pelas próprias pessoas que exercem o ofício, mas por pessoas que se acham fora dele; e geralmente as ações dos professores são submetidas a críticas repetitivas; o que é feito não corresponde aoque deveria ter sido feito, os professores utilizam meios

diferentes do que deveriam utilizar, etc. Em suma, trata-se de julgamentos externos que incidem sobre a forma de fazer do professor, que não são estudadas por si mesmas e que desenvolvem em situações reais, que também não são objetos de uma situação particular.13

Ao se negligenciar as dimensões da atividade do professor em situação concreta de trabalho e ao não se considerar o papel que as prescrições exercem em seu ofício, as pesquisas e análises sobre suas ações apresentam-se limitadas, tanto nas esferas institucionais e governamentais, como nas sociais e acadêmicas.

Na esfera institucional, porque não se leva em conta a voz do professor- trabalhador na elaboração de escritos sobre o seu trabalho e sobre a sua

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experiência profissional, o que propicia o surgimento de textos de motivação, que não se articulam com as suas reais necessidades, e de documentos, que trazem os protagonistas do agir educacional, como objetos inanimados, desvinculados de sua reais condições de trabalho.

Na esfera social, encontra-se a visão do trabalho docente sob a égide do sacerdócio, da doação de saberes por parte daquele que se propõe a ensinar. Nesse cenário, são comuns citações do tipo - “professor é aquele que ensina”, “é aquele que doa o seu saber”, o professor é o segundo pai ou a segunda mãe”. E, embora essas citações “sem autor” 14sejam amplamente conhecidas por todos, elas ainda se instauram dentro de uma perspectiva diluída do que venha a ser o trabalho real do professor.

Por fim, no âmbito acadêmico, as pesquisas em Didática, Filosofia, Sociologia... voltam-se, primeiramente, para uma visão behaviorista, na qual se evidencia o papel da formação docente na obtenção de comportamentos desejáveis dos professores. Também, numa outra perspectiva, são evidenciados os aspectos cognitivistas, que associam o pensamento docente à sua atividade de ensino e, em terceiro lugar, o professor é inscrito como sujeito singular que se mobiliza de recursos na contextualização de sua prática-reflexiva, ou seja, o professor repensa suas ações mediante às conjunturas e às condições de realização de suas ações . (Saujat, 2004:11)

A abordagem da ergonomia da atividades contribui, então, para o estudo das dimensões reais da atividade do professor, pois analisa o papel das prescrições que normatizam o trabalho docente, bem como investiga os aspectos formais e informais que regem o seu ofício no dia-a-dia.

Portanto, assim como em outras esferas profissionais, o trabalho do professor consiste em utilizar as prescrições oriundas de terceiros para a execução de sua tarefa. É o caso das normas de utilização da sala de aula,

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horários a serem cumpridos, roteiros de planos de ensino, procedimentos para com alunos indisciplinados,... Essas prescrições podem propiciar uma resposta imediata no sentido da execução efetiva da ação, o que não significa que esta venha a ser realizada como o previsto, pois sempre haverá distância entre o prescrito e o realizado. Por exemplo: as salas de aulas, mesmo pré-determinadas, podem estar indisponíveis; o conteúdo previsto pode não ser dado naquele dia, mês ou ano; a ausência da direção escolar na aplicação de penalidades junto aos alunos pode deixar as tarefas do dia tumultuadas... Em suma, aquilo que não é realizado também se configura como trabalho. Daí as relações entre as condições de trabalho reais e as condições idealizadas pelas prescrições interferirem determinantemente na atividade e na saúde do profissional.

O que se constata, nesses casos, são prescrições caracteristicamente vistas como intrínsecas ao trabalho imediato do professor, pois elas organizam a instância das tarefas diárias e propiciam, por sua vez, uma outra instância que é da realização da atividade a ser inventada por ele, já que, diante de situações imprevistas, o trabalhador lança mão dos recursos humanos, técnicos e institucionais para resolver os problemas do trabalho, os quais nunca estão integralmente presentes e identificáveis nas prescrições.

No que se refere a esta pesquisa, o documento A Organização da Escola15, traz o quadro referente às características funcionais dos profissionais da escola, inclusive a do professor. Esse documento da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo dirige-se aos profissionais da educação e tem a função de orientar e oferecer um material de consulta aos profissionais que atuam nas diretoria de ensino e nas escolas.

O quadro que apresentamos a seguir está presente no documento e organiza-se em três segmentos: núcleo (designação dada ao coletivo de profissionais); composição (designação dada ao profissional de cada setor do coletivo) e função (designação referente às atribuições específicas do

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profissional). Podemos entender que, dada à condição específica de produção desse documento que objetiva orientar diretorias e escolas quanto à organização da escola, a apresentação das funções dos profissionais em cada núcleo está pertinente com os objetivos a que ele se propõe alcançar.

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o detalhamento das funções, normas, direitos e deveres que se caracterizam como prescrições ora mais normatizadoras ora mais abrangentes, como é o caso das prescrições apresentadas no quadro anterior, não deixam de provocar um certo desconforto no profissional da educação, justamente, por apresentarem um distanciamento entre o trabalho prescrito e o trabalho real, pois as prescrições têm caráter frágil ao não darem conta das situações reais de trabalho.

Em relação à fragilidade das prescrições, Daniellou (2002:01) diz que existe a questão do déficit desses escritos e cita o exemplo de um educador, a quem confiam um adolescente, dizendo-lhe: “este jovem tem problemas com drogas, na sua família há o alcoolismo e o incesto, faça o melhor por ele.” Para o autor, é o domínio da subprescrição, onde a invenção, tanto dos objetivos a atingir quanto os meios para atingir esses objetivos, descansam sobre o trabalhador, sem que este possa levar a efeito regras conhecidas, o que poderia desempenhar um papel importante nos problemas de saúde daqueles trabalhadores que lidam com as questõeseducacionais.

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Nesse ponto, caminhamos para a noção de ação e atividade referentes ao trabalho do professor. São noções diferentes: “A ação e a atividade não estão sujeitas às mesmas restrições espaciais e temporais”, pois a ação é repetida e se remete a uma situação singular, “a condições de realização e a um objetivo bem preciso”, a atividade deve combinar várias lógicas e várias temporalidades” Amigues, 2004). Em suas reflexões, o autor, baseando-se em Noulin (1995), faz a seguinte reflexão sobre a atividade:

A atividade pode ser considerada o relacionamento de diversos objetos que leva o sujeito a fazer um acordo consigo mesmo: A atividade [é] o reflexo e a construção de uma história: a de um sujeito ativo que arbitra entre o que se exige dele e o que isso exige dele, a história de um sujeito dividido em suas dimensões fisiológicas, psicológicas e sociais e que sempre deve construir sua unicidade regulando a relação que o liga ao real e aos outros.

Essa dimensão teórica traz uma outra perspectiva para o trabalho do professor, pois evidencia, particularmente, o debate de valores a que ele se vê convocado a todo momento no que se refere à relação entre as prescrições e à sua atividade de trabalho: o que vou fazer agora diante desse imprevisto? Quais

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Se, de um lado, o professor conta com prescrições mais “próximas” e, portanto, mais normatizadoras, como é o caso do regimento escolar, horários de aula a serem cumpridos, prazos para entrega de notas, orientações para elaboração do plano de ensino; de outro, ele também se vê exposto a prescrições que lhes são mais “distantes” ou apenas norteadoras. Na primeira acepção , chamamos de prescrições mais normatizadoras as que s implicam uma resposta direta do professor junto a seu coletivo de trabalho, ou seja, ele precisa entregar as notas , chegar ao local de trabalho no horário, não faltar excessivamente...

Na segunda acepção, as prescrições mais norteadoras configurar-se iam como aquelas de ordem política e social, como é o caso dos documentos provenientes das instâncias superiores dos órgãos oficiais da educação brasileira que exercem influência sobre o trabalho, não só do professor, mas de todos aqueles que estão envolvidos com o sistema educacional do país. São os documentos provenientes dos ministérios de educação em nível federal, das secretarias de educação em esferas estaduais, das coordenadorias de ensino em níveis estaduais e municipais. Caracterizam-se como prescritos mais abrangentes, uma vez que o professor-trabalhador pode executar as suas tarefas sem necessariamente conhecê-los adequadamente para o desenvolvimento de seu trabalho, como por exemplo, ele pode dar suas aulas sem necessariamente conhecer todas as leis e decretos que regem a sua função como professor.

Boutet (1993, apud Sousa - e - Silva 2000) estabelece uma tripartição de conceitos que oferece um avanço significativo para o entendimento dos níveis de prescrições para o trabalho. Segundo a autora, no mundo atual, devido à evolução natural do trabalho, as empresas e instituições são levadas a produzir escritos para as atividades a serem realizadas. Apresentam-se, então, os escritos

democráticos, os escritos normativos e os escritos para trabalhar.

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permitem ao assalariado compreender a instituição, sentirem-se parte dela, exprimir suas idéias e dela participar.

Os escritos normativos permitem diretamente o cumprimento de uma tarefa. São aqueles que trazem instruções para a utilização de máquinas e equipamentos, e procedimentos a serem seguidos na execução de atividades, como as das operadores de marketing, por exemplo. O conhecimento sobre esses escritos não é novo, o que é novo é a importância que hoje se atribui a eles.

Os escritos para trabalhar, freqüentemente, são redigidos pela própria mão do trabalhador: notas, frases curtas, lembretes contendo apenas palavras ou números. Normalmente são produzidos para a própria pessoa ou para os colegas imediatos, com características não oficiais, mas importantes para a execução do trabalho sem incidentes constantes.

O que se depreende dessa tripartição sobre os escritos, a partir de Boutet, é que os documentos mais abrangentes, como aqueles que trazem a política educacional e as linhas norteadoras para as escolas, seriam considerados como

escritos democráticos, justamente por não imporem regras funcionais – prazos, normas - para os profissionais da educação. Todavia, esses ditos escritos “democráticos” não deixam de impor uma imagem discursiva que procura causar o efeito desejado pela instituição junto a seus profissionais.

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3.2 Gênero Profissional e Estilo Profissional do Professor

Pensar o trabalho na sua dimensão humana é recorrer à sua história ligada ao campo social, em que se reconhece a questão da escravidão dos homens e do constrangimento desencadeado por esse momento vivido por parte da sociedade mundial, bem como evocar o seu lado capitalista, no qual o “saber-fazer” apresenta uma dimensão significativa e menos individualizada, mas, ao mesmo tempo, “coletiva” na sua configuração.

Assim, se de um lado, podemos observar a despersonalização do trabalho escravo em um regime de servidão e de humilhação humana, de outro, podemos constatar que o trabalho humano é influenciado pela história, pelas coerções econômicas e pela tradição das profissões, momento em que as características coletivas são mais evidentes em relação ao anterior. O enfoque sobre o trabalho aqui apresentado mostra uma análise que se baseia, principalmente, nos princípios sociológicos e históricos do trabalho e leva particularmente em conta as mudanças de enfoque sofridas pelo trabalho humano no decorrer da história: primeiramente, a visão do trabalho escravo despersonalizado e, por conseguinte, a perspectiva do trabalho fruto de concepções capitalistas.

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Tendo sido colocadas essas questões, partimos, novamente, para o nosso propósito delineado no início desta dissertação que é compreender a imagem discursiva do trabalho do professor nos documentos oficiais, buscando investigar de que forma essa imagem é construída, tendo por base as características históricas e particulares dessa profissão.

Já que nossa tendência para se buscar a compreensão das características de uma determinada profissão, passa pela urgência de se entender discursivamente as histórias e particularidades da mesma, a questão das relações coletivas é, então, um traço inaugural para que esse estudo seja efetivado. Partindo dessa premissa, acreditamos que a dimensão coletiva arraigada das e nas profissões configura a essência delas; trata-se de entender a dimensão coletiva como o espectro profissional acima do trabalhador, impondo-lhe comportamentos e metas de pensar, agir e produzir em seu ambiente de trabalho.

Os especialistas do trabalho, ergonomistas e ergologistas, inscrevem essa atividade humana numa perspectiva histórico-cultural que visa manter juntamente o caráter institucional e tradicional do trabalho ao lado das experiências subjetivas na realização da ação do trabalhador. Esse enfoque, em relação ao trabalho do professor, é desencadeador de discussões inovadoras, pois, o pesquisador, ao adotá-lo, não se pauta em somente estudar a ação do docente em um determinado momento ou estágio de atuação, mas procura ressaltar os atos coletivos que são constitutivos de sua profissão, isto é, a dimensão histórica de seu trabalho, as suas tradições, ou seja, todos os discursos passados e presentes que compõem o espectro profissional docente e que o fazem interagir nas situações reais de trabalho.

Visto desse modo, o trabalho traz uma memória impessoal e coletiva, mobilizada pela ação. Segundo Clot et al. (2001:18), seria o gênero social do

ofício ou gênero profissional 16 que trazem a memória impessoal, ou seja, as

16 Para esta pesquisa, adotamos a designação

gênero profissional por entendermos que esta representa o

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