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Deslocamentos culturais e suas formas de representação

CAPAVERDE, Tatiana da Silva; SILVA, Liliam Ramos da (Org.). Boa Vista: Editora da UFRR, 2019.

Adriana Kerchner da Silva Desde a sua gênese, a América, como continente, conforma-se como um espaço em que convivem, nem sempre harmoniosamente, pessoas de diferentes povos, culturas e tradições. Enquanto alguns vieram voluntariamente, a grande maioria dos deslocamentos iniciais foram violentos e forçosos, com o processo da escravidão sendo o melhor exemplo disso. Os povos originários, por sua vez, já aqui viviam, sofrendo a violência dos europeus recém-chegados. A partir dessa configuração inerentemente heterogênea, o continente até os dias atuais segue como um espaço em

que os trânsitos culturais são intensos e significativos. O Brasil, por sua vez, é um país tão grande que, ademais da heterogeneidade dentro da cultura nacional, também faz fronteira com diversos países, cada um com sua(s) cultura(s) própria(s). Desse modo, nossa nação se configura como um espaço também inerentemente heterogêneo e formado por culturas muitas vezes extremamente diversas entre si. As cidades de fronteira são, por excelência, os locais em que essas tensões são mais visíveis, uma vez que existe um trânsito e um diálogo literais entre pessoas de diferentes nacionalidades.

Tendo todos esses aspectos em mente, as professoras doutoras Liliam Ramos da Silva, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Tatiana da Silva Capaverde, da Universidade Federal de Roraima, organizaram o volume intitulado Deslocamentos

culturais e suas formas de representação. Neste extenso e fundamental livro, as

organizadoras reuniram artigos de pesquisadoras e pesquisadores de diversas nacionalidades e locais de atuação, compondo um volume também híbrido, que aborda temas bastante diversificados. Os 15 artigos, dois deles traduções, estão organizados em três grandes eixos, que abarcam conceitos importantes no campo semântico do “deslocamento”: Diálogos literários, Línguas em contato e Trânsitos Tradutórios.

Na primeira seção do livro, temos cinco textos que versam sobre diferentes obras literárias, de livros a canções, de brasileiros a hispano-americanos, como argentinos e mexicanos. No artigo “A escrita migrante de J. C. Méndez Guédez: três venezuelanos em Madri em Árbol de Luna”, de Tatiana da Silva Capaverde, o foco é na obra do venezuelano

Mestranda em Estudos Literários na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na linha Pós-colonialismo e identidades. Graduada em Letras-Bacharelado Português/Espanhol pela mesma universidade.

Juan Carlos Méndez Guédez. A partir de sua própria experiência como imigrante, o escritor tematiza a imigração de forma contundente em sua obra, explorando o tema do deslocamento e do não lugar em que se encontram os imigrantes nestes contextos. No livro

Árbol de Luna, foco do artigo de Capaverde, narra-se a história de Estela e Tulio,

venezuelanos que migram para a Espanha, e de seus trânsitos dentro do próprio território espanhol, bem como a discussão dos motivos diversos que os levaram a imigrar. No entanto, o que os une, segundo Capaverde, é esse sentimento de não pertencimento ao território estrangeiro, algo que pode caracterizar a experiência de muitos sujeitos migrantes. No artigo seguinte, “Memoria del viaje (notas para una autopoética)”, Aimée Bolaños, também ela um sujeito em deslocamento, por ser de origem cubana, professora universitária no Brasil e atualmente vivendo no Canadá, discute a centralidade da memória para uma autora em diáspora. Analisando suas próprias obras, Las Otras

(Antología mínima del Silencio), Las palabras viajeras, Escribas e Visión de mujer con alas, Bolaños articula ideias como as de viagem, memória, poética, diáspora, autoficção e

autopoética. Em “Exilio, ‘ese largo paréntesis’ en el libro de Tununa Mercado En estado de memoria”, Neiva Graziadei discute o livro de Mercado, de teor autoficcional, sobre o período em que a escritora argentina teve de se exilar no México nos anos da ditadura em seu país. Aqui temos um importante exemplo de migração dentro do continente latino-americano, muito forte no contexto das ditaduras nos anos de 1960 a 1980. No livro, Tununa Mercado oscila entre a ficção e a não ficção como forma de elaborar as experiências vividas durante o exílio. Nesse sentido, o ato de escrever-se a si mesma, na leitura de Graziadei, permite à autora romper seu próprio exílio interno, em um intenso processo de auto-reconhecimento.

O artigo seguinte, “Já leu João Pinto da Silva?”, de Carlos Rizzon, já inicia com esta provocação, apontando para um importante intelectual gaúcho, crítico literário, cuja

História literária do Rio Grande do Sul, de 1924, muitas vezes é esquecida dentro da

fortuna crítica da literatura nacional. Ao travar diálogo com pensadores uruguaios e argentinos, isto é, que não são do centro do Brasil ou europeus, como fazem a grande maioria dos críticos do sudeste, João Pinto da Silva buscou articular a integração do estado à nação como um todo por meio de uma perspectiva regionalista. Desse modo, coloca o Rio Grande do Sul como um local fronteiriço, com intensa relação com os outros países do pampa. No último artigo desta seção, “Afirmar é negar: Vitor Ramil, um caso fronteiriço na música popular brasileira”, Valterlei Borges de Araújo e Júlio César Suzuki analisam a obra de outro gaúcho, este um cancionista, que também coloca o Rio Grande do Sul como uma região fronteiriça que trava diálogo direto com os hermanos Uruguai e Argentina, mais talvez do que com outras regiões do Brasil. Partindo do conceito de estética do frio, Ramil constrói um argumento por uma produção fronteiriça, marcada pela diferença da cultura dominante no âmbito brasileiro, esta caracterizada, em sua visão, por uma estética do calor tropical.

Na segunda seção do livro, intitulada Línguas em contato, são abordadas as representações identitárias em espaços fronteiriços, com foco na linguagem. No artigo “Mobilidades e superdiversidade: representações identitárias no contexto escolar transfronteiriço”, Maria Elena Pires Santos e Tatiane Lima de Paiva discutem essa ideia no contexto de Foz do Iguaçu, região marcada pela “superdiversidade”. Por ser uma região transfronteiriça, naturalmente é um espaço em que há um imenso trânsito de indivíduos e, consequentemente, de culturas. Nesse sentido, as pesquisadoras analisam como se (re)constroem as representações identitárias de alunos de uma escola de periferia em Foz do Iguaçu, verificando as influências que tem nisso um ambiente sociolinguisticamente complexo. Em “Una experiencia en las clases de español como lengua adicional en la enseñanza superior: la Universidad Federal de Integración Latinoamericana (UNILA) desde la frontera”, a pesquisadora Jorgelina Tallei apresenta o contexto da UNILA, universidade gestada com o objetivo de integrar a América Latina, como diz seu próprio nome. Discute, desse modo, algumas experiências que teve enquanto professora de espanhol como língua adicional para um grupo de, em sua maioria, habitantes de Foz do

Iguaçu. Embora vivam nessa região de fronteira, tinham pouco ou nenhum conhecimento de espanhol. Partindo da metodologia proposta pela universidade, Tallei utilizou a literatura cartonera como uma das atividades de ensino de língua estrangeira. Já no artigo “As línguas nacionais como representações identitárias na fronteira Brasil/Venezuela”, Ancelma Barbosa Pereira apresenta alguns resultados de sua pesquisa de mestrado, desenvolvida na fronteira Brasil/Santa Elena do Uairén-Venezuela. Investigando como se conformavam as representações de identidade nacional de pessoas desses locais, Pereira chegou à conclusão de que estas são sujeitos com uma identidade flutuante, construída em interações entre brasileiros, venezuelanos e suas respectivas culturas.

No artigo “Práticas translíngues e transculturais de refugiados venezuelanos”, de Déborah de Brito Albuquerque Pontes Freitas, discute-se a temática das práticas translíngues e transculturais de imigrantes venezuelanos em solo brasileiro, algo extremamente relevante no atual momento político nacional, em que vemos um exponencial aumento do número de venezuelanos que se refugiam em nosso país, especialmente em Roraima, em busca de uma vida melhor. Analisando anúncios e avisos em escolas, por exemplo, a pesquisadora aponta para um bilinguismo social, uma vez que os autores dessas peças compreendem a necessidade de escrever as informações em português e espanhol, para atingir todos os possíveis públicos. No último artigo desta seção, intitulado “Práticas de (re) territorialização: contos escolares em/sobre um espaço fronteiriço”, de Cláudia Eloir Rodrigues Sanches, Sara dos Santos Mota e Valesca Brasil Irala, é analisado o contexto da cidade de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, região também fronteiriça e com intenso trânsito com o vizinho Uruguai. O artigo traz o relato de uma experiência de docência em uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA), com pessoas com diferentes situações, sendo algumas falantes de espanhol nativas, outras apenas tendo intenso contato com o idioma pela região de fronteira. Usando o gênero conto, escritos em espanhol, os alunos foram instados a representarem literariamente a cultura dos locais onde vivem ou viveram, retratando os hábitos e costumes de suas próprias famílias.

Na parte final do livro, intitulada Trânsitos tradutórios, temos também cinco artigos, dois deles sendo traduções, de Quince Duncan e Pierre Ouellet. O primeiro dos artigos é a tradução de “Afrorrealismo: uma nova dimensão da literatura latino-americana”, do costarriquenho Quince Duncan, realizada por Liliam Ramos da Silva. Neste importante trabalho, o teórico apresenta uma metodologia muito pertinente para a análise da literatura negra latino-americana, em especial. Além de reconstruir um certo cânone literário negro hispano-americano, formado por autores como Manuel Zapata Olivella e Pilar Barrios, Duncan elenca seis características básicas que podem identificar um livro afrorrealista, como a reivindicação de uma memória simbólica africana e a busca e proclamação da identidade afro. No artigo seguinte, “Los archipiélagos sonoros de José Balza: la escucha del otro y sus imaginários”, Digmar Jiménez Agreda analisa a íntima relação entre música e literatura na obra do escritor venezuelano José Balza. A pesquisadora discute essa articulação entre dois campos da arte utilizando o conceito de Tradução Intersemiótica de Jakobson e considerando o trânsito tradutório que Balza realiza dos imaginários sonoros a sua escrita. Em “Contextos multilíngues e transculturais em Ciudad Del Este (PY) vistos pelas óticas de Michael Cronin e Sherry Simon”, André Luiz Ramalho Aguiar utiliza os conceitos dos dois teóricos da tradução de “zonas de tradução”, “paisagem sensorial” e “mediador cultural” para pensar o resgate da memória histórica da Ciudad del Este. Nesse sentido, Aguiar faz uma importante contribuição para pensarmos sobre o quanto a tradução pode ser relevante para compreender a memória coletiva de uma cidade, seu multiculturalismo e hibridismos.

O artigo “La (no) traducción como muestra de la alteridade”, de Mayte Gorrostorrazo e Leticia Lorier, traz exemplos de dificuldades de tradução e as soluções encontradas em contos do escritor uruguaio Álvaro Pérez García, conhecido como Apegé, no que tange a questões de referências culturais. As traduções foram publicadas na importante revista Pontis – Prácticas de Traducción, em projeto encabeçado, em parte,

pelas duas pesquisadoras. Entre as soluções encontradas para tais referências culturais tipicamente uruguaias e de difícil tradução ao português, temos escolhas por notas explicativas ou uso de termos equivalentes na língua de chegada, por exemplo. Por fim, para fechar o volume, temos a tradução do artigo “Fora-do-tempo: introdução à poética da pós-história”, de Pierre Ouellet, realizada por Luciano Passos Marques. Neste instigante texto, Ouellet discute a relação entre literatura e História, observando a potência da primeira para perturbar, agitar e revolucionar a língua, colocando a História a seu serviço. Nesse sentido, a literatura não vem para reescrever a História, mas para inventar um sentido que a História não reteve, criando uma outra representação.

Ao final deste longo percurso pelo livro, essencialmente se fez um grande movimento de deslocamento cultural. Passamos pela obra de escritores de diversas nacionalidades, como venezuelanos, brasileiros e argentinos, vimos como alunos de cidades transfronteiriças realizam suas representações identitárias, seja em Roraima, Foz do Iguaçu ou Santana do Livramento, e chegamos até teorias de tradução e discussões sobre a importância da tradução em contextos outros que não apenas os textos escritos. Desse modo, à guisa de conclusão, observamos que este livro traça um extenso panorama por áreas tão diversas, unidas justamente por este deslocamento, pelo movimento, pelo diálogo e pelos contatos possíveis entre essas práticas fronteiriças que são a literatura, a tradução e a cultura.

“Diga às outras bruxas que você não o viu!”:

uma cena de meio sol amarelo, de

Chimamanda Ngozi Adichie

Carolina Carvalho Resumo: No aclamado romance Meio sol amarelo, de Chimamanda Ngozi Adichie, uma das personagens que nos guiam pelo enredo é Olanna, mulher negra e politizada, formada em Sociologia no Reino Unido e professora da Universidade de Nsukka, na Nigéria. No livro, acompanhamos a vida de Olanna depois de conhecer e decidir morar com Odenigbo, também professor, líder político e intelectual na universidade. Em certo momento, ainda no início da narrativa, conhecemos Mama, a mãe de Odenigbo, que vem de sua vila no interior da Nigéria para uma visita à cidade universitária do filho. A cena que esta pesquisa analisa é a do encontro entre Olanna e Mama; especificamente, o choque entre duas mulheres cujas referências imediatas são diferentes, apesar de suas origens nacional e étnica comuns. Minha leitura explora o potencial de representação em Meio Sol Amarelo dos conflitos que a opção decolonial nos impõe: como nos desviar da centralidade europeia e, ao mesmo tempo, considerar os conhecimentos e discursos tradicionais sem cair no conservadorismo? Como transformar uma força centrípeta em força centrífuga, sem perder o eixo? Este trabalho explora tais tensões na literatura de Adichie, dialogando-a com textos do historiador indiano Dipesh Chakrabarty e da filósofa Denise Ferreira da Silva.

Palavras-chave: Chimamanda Ngozi Adichie; Literatura decolonial; Conhecimento.

Começo alertando para a natureza indagadora deste trabalho. Não existe proposta de solução à la redação de ENEM, sequer um vislumbre de caminho, para o conflito que levanto aqui, na representação. Este será um exercício de escritura, para ver se, colocando no discurso, consigo discernir algo do que me aflige nas esferas individual e coletiva.

A cena que escolhi para pensar hoje, aqui, é retirada do livro Meio Sol Amarelo, de Chimamanda Ngozi Adichie. Publicado em 2006, o romance acompanha a história de duas irmãs gêmeas, logo antes e durante a guerra de secessão da Nigéria, na qual a República do Biafra foi declarada e destruída pelas forças nacionais do governo central, apoiado pela Grã-Betranha e pela Rússia, no contexto de Guerra Fria. O romance se estrutura em capítulos, cujos focos narrativos em 3ª pessoa se alternam entre três personagens: Richard, um escritor inglês branco, Olanna e Ugwu. Dada a importância destes dois para a cena em questão, desenvolvo-os melhor a seguir.

Olanna Ozobia é uma mulher nigeriana, negra, de etnia igbo, cujos pais integram a seleta elite urbana de Lagos. Estudou em uma escola secundária exclusiva, e logo em seguida foi para Londres, onde concluiu o ensino superior em Sociologia. Em uma de suas visitas à Nigéria, conhece Odenigbo, professor de matemática na Universidade de

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Literatura (PPGCL/UFRJ). Pesquisa poesia brasileira contemporânea e dívida com abordagem interdisciplinar de Literatura e de Economia. Integrante do Laboratório da Palavra, projeto de extensão do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC/UFRJ). Foi professora substituta de Língua Portuguesa e Literatura do Colégio Pedro II, no Campus São Cristóvão II. E-mail: carolinafabiano93@gmail.com

Nsukka, por quem se apaixona e com quem vai morar quando volta da Inglaterra. Pode-se dizer que Olanna é, em suma, a reprePode-sentação da mulher moderna – ocidentalizada, intelectual, ainda que ligada às raízes de seu grupo étnico e às discussões políticas da ex-colônia.

Ugwu, por sua vez, é um menino de aldeia enviado para servir de criado na casa de Odenigbo. Sob tutela do “Patrão”, Ugwu aprende a falar inglês e volta a frequentar a escola, tornando-se plenamente alfabetizado. Durante a narrativa, Ugwu dedica-se a Odenigbo e Olanna, e depois à filha deles, Baby, e estabelece uma boa relação com o conhecimento formal propiciado e incentivado pela família.

Parto, então, para a descrição da cena: o ponto de vista é de Ugwu, e o momento é anterior ao início da guerra. Trata-se do encontro entre Olanna e a mãe de Odenigbo, uma mulher anciã da pequena aldeia igbo de Abba, que vai a Nsukka para visitar o filho. Ela é assim descrita por Ugwu:

A mãe dele tinha o mesmo corpo maciço, a mesma pele escura e a energia vibrante do filho; era como se jamais fosse precisar de ajuda para carregar uma lata d’água ou tirar uma pilha de lenha da cabeça. (ADICHIE, 2017)5 A seguir, Mama toma conta da cozinha, onde Ugwu preparava diariamente a comida para seus patrões. Durante a breve interlocução, Mama reafirma sua condição de aldeã e sua desconfiança diante das práticas e objetos da casa do filho. Diz que cozinha não é lugar para rapazes, que Ugwu não sabe cortar ingredientes direito (ao que Ugwu engole sua indignação), que o filho gasta dinheiro com utensílios caros à toa.

Quando Olanna chega em casa, acolhe Mama com entusiasmo – o que não é recíproco. O conflito, então se desenrola:

“Mama!”, disse ela. “Bem-vinda, nno. Eu sou Olanna. Fez boa viagem?” Ela estendeu os braços para a mãe do Patrão. Aproximou-se para envolvê-la num abraço, mas a outra manteve as mãos na lateral do corpo e não devolveu o abraço. “Foi, nossa viagem foi boa”, disse ela. […]

“Mama, venha, vamos sentar. Bia nodu ana. Não se incomode com a comida. Devia descansar. Deixa que o Ugwu faz tudo.”

“Eu quero fazer uma boa sopa para o meu filho.”

Houve uma ligeira pausa, antes de Olanna dizer: “Claro, Mama”. […] Olanna deu umas voltas pela cozinha, como se ansiosa para fazer algo que agradasse a mãe, mas sem saber direito o quê. Abriu a panela de arroz e fechou-a. “Pelo menos me deixe ajudá-la, Mama. Vou trocar de roupa.” “Fiquei sabendo que você não mamou no seio da sua mãe”, disse a mãe do Patrão.

Olanna parou onde estava. “O quê?”

“Dizem que você não mamou nos seios da sua mãe.” Virando-se para olhar Olanna de frente, continuou: “Por favor, volte e diga a elas que você não conseguiu achar meu filho. Diga às suas companheiras bruxas que não encontrou com ele”.

Olanna olhou-a perplexa. A voz da mãe subiu de tom, como se o continuado silêncio de Olanna a obrigasse a gritar. “Você me ouviu? Diga a elas que remédio nenhum vai funcionar com o meu filho. Ele não vai se casar jamais com uma mulher anormal, a menos que me mate antes. Só sobre o meu

cadáver!” A mãe do Patrão bateu as mãos, soltou uma espécie de pio e estapeou a boca com a palma da mão, para que o som ecoasse.

“Mama...”, disse Olanna.

“Não me venha com mama isso, mama aquilo”, disse a outra. “Eu já disse, não me venha com mama isso e aquilo. Me deixe sossegada. Diga a suas companheiras bruxas que você não encontrou o meu filho!” Ela abriu a porta dos fundos e gritou. “Vizinhos! Tem uma bruxa na casa do meu filho! Vizinhos!” A voz dela era aguda. A vontade de Ugwu era pôr-lhe uma mordaça, era enfiar os legumes fatiados na sua boca. A sopa queimava. […]

Olanna pelo visto se controlou. Pôs uma trança atrás da orelha, apanhou sua bolsa da mesa e foi para a porta da frente. “Diga a seu patrão que fui para o meu apartamento”, disse ela. (ADICHIE, 2017)

Este trabalho debruça-se sobre esta cena, do conflito entre Olanna e Mama. Em pesquisa sobre suas abordagens críticas, encontrei alguns artigos que o tratam pela chave da alegoria nacional, proposta por Jameson em texto de 1986. Jennifer Rideout (2014), por exemplo, lê Mama como o excesso de cultura tradicional, rechaçado pelo nacionalismo nigeriano. A matriarca forte, independente e supersticiosa expulsa a mulher