• Nenhum resultado encontrado

Oração principal na agenda da gramática dos usos

André Nemi Conforte Felipe de Andrade Constancio

Resumo: Estudar e sistematizar as regularidades das categorias gramaticais são funções atribuíveis a qualquer gramática. No entanto, conjugar essas regularidades a possíveis valores significativos e/ou pragmáticos mapeados a partir das relações e das escolhas operadas entre as categorias é função de uma corrente linguística, o funcionalismo. Nesse sentido, a gramática funcional recobre uma série de demandas dos usos da linguagem: predicação, referenciação, junção, gramaticalização e modalidade, entre outras. Este trabalho busca esse respaldo teórico para observar determinados usos de orações principais no interior do que se costuma chamar modalidade ou marcas de comprometimento em textos escritos. A escolha da oração principal, dessa forma, dá-se pelo fato de que dá-se trata de uma categoria pouco explorada em compêndios e, além disso, pelo fato de que a atribuição de significado a essa categoria sugere um trabalho proveitoso com sequências linguísticas argumentativas no âmbito da escola básica.

Palavras-chave: Modalidade. Argumentação. Oração principal.

Considerações iniciais

A possibilidade de se atribuir valores significativos às categorias gramaticais constitui um relevante item da descrição gramatical de base funcionalista, em que à gramática da língua cabe, por meio de suas categorias, “transpirar” sentidos e relações pragmáticas. A categoria da qual vamos nos ocupar adiante é a da oração principal, e a relação semântico-pragmática notada no interior dessas orações é a modalidade.

É bacharel e licenciado em Letras (Português/Alemão) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2004), mestre em Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2007), tendo defendido a dissertação As metalinguagens do samba, e doutor em Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011), tendo defendido a tese A esfinge clara em prosa moderna: a contribuição de Othon M. Garcia aos estudos linguísticos, textuais e literários. Atualmente é professor da graduação, categoria adjunto, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atua principalmente nos seguintes temas: letras de samba, gêneros textuais, metalinguagem, metadiscurso, interdiscurso e intertextualidade, produção textual e análise estilística.

Doutorando em Língua Portuguesa pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ (início em 2019). Cursou Mestrado em Língua Portuguesa pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ (conclusão em 2018), Pós-Graduação Lato Sensu em Língua Latina pela UERJ (conclusão em 2020), Pós-Graduação Lato Sensu em Docência do Ensino Básico pelo Programa de Residência Docente do Colégio Pedro II (conclusão em 2018), Pós-Graduação Lato Sensu em Administração e Supervisão Escolar pela Universidade Candido Mendes (conclusão em 2018), Pós-Graduação Lato Sensu em Literatura Brasileira pela UERJ (conclusão em 2016), Pós-Graduação Lato Sensu em Língua Portuguesa pela UERJ (conclusão em 2015) e Graduação em Letras pela UFRRJ (conclusão em 2013). É Professor de Língua Portuguesa (Nível D4) da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro (atuação em turmas de Ensino Médio desde 2015), do Município de Volta Redonda (atuação em turmas de Ensino Fundamental II a partir de 2020) e Tutor de Língua Portuguesa do CEDERJ (atuação em turmas de Pré-vestibular desde 2018). Áreas de interesse: sintaxe funcional, gramática de construções e usos linguísticos. E-mail: felipe.letras.ac@gmail.com

Para tanto, valemo-nos de um breve percurso por correntes contemporâneas de estudos gramaticais – gramática normativa, gramática descritiva e gramática funcional – em busca de possíveis relações de comprometimento enunciativo ou modalidade em orações principais (sem renunciar ao papel estrutural que as conjunções integrantes desempenham quando estão adjuntas àquela categoria).

Vale ressaltar que a escolha da categoria oração principal atende a dois requisitos: é uma categoria pouco explorada em compêndios gramaticais, já que, geralmente, dedica-se mais tempo ao estudo das orações subordinadas; é uma categoria que nos oferece um

corpus relevante ao trabalho com sequências linguísticas de base argumentativa para o

ensino de Língua Portuguesa na escola básica.

Com o intuito de agregar a análise da estrutura e do funcionamento das orações principais ao ensino de português, analisa-se neste trabalho um corpus mínimo de cartas de leitores. A escolha desse corpus deu-se pelo fato de que se manifestam, consideravelmente, marcas de modalidade em orações principais, cujo conteúdo discursivo apresenta pistas pragmáticas de comprometimento.

De modo geral, a relevância do trabalho pauta-se na noção de que a gramática da língua oferece uma série de possibilidades/escolhas ao falante/escritor, o que consequentemente resulta em textos concretos ou de “língua viva” (NEVES, 2011, p. 13), nos quais os itens linguísticos ganham estatuto significativo. É este estatuto, portanto, que congrega aos estudos das regularidades da língua as motivações do discurso, cuja delimitação constitui demanda da gramática funcional.

Em linhas gerais, a normatividade, como percurso teórico, não será abandonada, pelo fato de as regularidades exploradas na gramática dita tradicional serem pautadas, também, em métodos consistentes. Na verdade, o que se busca aqui é a normalidade que o sistema linguístico oferece, na medida em que a estrutura e o funcionamento da língua tornam-se indissociáveis.

É importante ressaltar, ainda, que as reflexões em torno de estrutura e funcionamento devem/podem repercutir no ensino de Língua Portuguesa. Dessa forma, explorar orações principais implica reconhecer a revisão de um estatuto gramatical pouco abordado na descrição e no ensino da língua.

O que diz a gramática normativa

A segunda metade do século XX contribui significativamente para que surjam obras de referência no ensino de Língua Portuguesa, as chamadas gramáticas tradicionais. Em meio a essas obras, existem autores como Bechara (2009), Cunha & Cintra (2008) e Lima (2011), que trazem reflexões sobre a oração principal e sobre a conjunção integrante utilizadas ainda hoje no ensino de português.

Bechara (2009, p. 462-538) usa o exemplo “O caçador percebeu que a noite chegou” para chegar à conclusão de que o segmento “o caçador percebeu” é uma oração principal. Após essa abordagem pontual da oração principal, existe na obra do autor um estudo mais enfocado nas peculiaridades das orações subordinadas, de modo a incluir tanto a conjunção integrante e outros conectivos quanto os valores sintático-discursivos dessas orações subordinadas.

Ainda sobre a oração principal, Bechara (2009, p. 484-485) destaca algumas peculiaridades em relação às orações subjetivas (função de sujeito) e às orações

predicativas (função de predicativo do sujeito). Segundo o autor, a análise sintática destas orações deve-se à análise da oração principal, geralmente sob a forma de verbo na 3ª pessoa do singular (“Parece que vai chover”) e outras formas (“Sabe-se que tudo vai bem”; “Ficou provado que estava inocente”; “É verdade que sairemos cedo”). Em relação à oração principal, o autor pontua que a presença do verbo “ser” é relevante à análise (“A verdade é que não ficamos aqui”) das orações predicativas.

Bechara (2009, p. 464-465) classifica a conjunção integrante como “transpositor” (denominação tomada por Azeredo (2011) e explorada no tópico “o que diz a gramática descritiva”). De acordo com o gramático, a conjunção integrante introduz as “orações complexas” ou subordinadas de modo a acentuar suas qualidades de construção dependente de outra.

Ainda segundo o autor, existem pronomes interrogativos que assumem papel transpositor (“O professor pergunta qual é o motivo da algazarra”), o que lhes confere qualidade de conjunção integrante. De igual modo, a conjunção “se” adquire valor transpositor de conjunção integrante (“Não sei se a prima virá cedo”), mas com valor de incerteza ou dúvida.

Cunha & Cintra (2008, p. 609) trazem duas especificidades da oração principal: “serve sempre de suporte a uma oração subordinada” e não exerce “nenhuma função sintática em outra oração do período”. Como os próprios autores sugerem, a última especificidade pode dar margem ao equívoco de que uma oração principal não pode ser subordinada de outra (“O meu André não lhe disse que temos aí um holandês, que trouxe material novo”). Não discutiremos o fato de a oração “que temos aí um holandês” ser principal e subordinada, porque há controvérsias em relação a essas classificações, e este não é o objetivo deste trabalho. Para maior aprofundamento, recomendamos o conceito de “constelação sintática” em Rocha Lima (2011, p. 285-286).

Além dessa breve exposição das peculiaridades estruturais da oração principal, Cunha & Cintra (2008, p. 615) abordam uma feição estilística da oração principal construída por meio de verbos que “exprimem uma ordem, um desejo ou uma súplica” (“Queira Deus não voltes mais triste...”), em que a omissão da conjunção integrante é perceptível.

Sobre a particularidade da conjunção integrante, Cunha & Cintra (2008, p. 600) são pontuais ao dizer que as “integrantes introduzem orações substantivas”. Os autores fazem também uma ressalva (2008, p. 615) em relação à manifestação da conjunção integrante diante de oração agentiva (função de agente da passiva): segundo eles, os pronomes indefinidos “quem”, “quantos” e “qualquer”, acompanhados das preposições “por” ou “de”, funcionam como conector subordinativo (“As ordens são dadas por quem pode”) e assumem valor de conjunção integrante.

Em Lima (2011, p. 323-332), não há uma definição de oração principal, mas uma função que lhe é subjacente: uma oração principal “traz presa a si” orações dependentes. Além dessa constatação, o autor acrescenta ainda que as orações dependentes exercem papel (função sintática) em relação a um dos termos da oração principal, o que demonstra a relevância destas últimas no período composto por subordinação.

A conjunção integrante “que”, para Lima (2011, p. 327), pode assumir o formato de pronome e advérbio interrogativo (“Perguntam quem os acompanhará”) ou formato de “partícula dubitativa” (“Pergunto a mim mesmo se vale a pena continuar”). Ainda que apresente esses matizes diferenciados da conjunção integrante, o autor define esse conector como “simples elo entre as orações”. No tópico de materialidade da modalização

no período composto, abordaremos a possibilidade de a conjunção integrante entrar na constituição da argumentatividade e do ponto de vista de enunciados, afastando-nos da descrição de Lima.

Embora sejam questionadas quanto ao seu método (descrição dos elementos da análise estrutural da língua, com prescrição de um uso apontado como ‘correto’), as gramáticas tradicionais apresentam pontos coerentes, que reforçam nossa abordagem: por exemplo, apontam o fato de a conjunção integrante adotar um viés significativo de dúvida ou certeza, como se viu na exposição de Bechara (2009) e de Lima (2011), em relação à incidência da conjunção “se”.

O que diz a gramática descritiva

Destinadas à exploração do padrão culto da Língua Portuguesa do Brasil, as gramáticas descritivas também assumem relevância no que concerne às funcionalidades estruturais tanto da oração principal quanto da conjunção integrante. Vejamos o que Perini (2009), Azeredo (2011) e Castilho (2012) dizem sobre essas categorias gramaticais.

A crítica que Perini (2009, p. 131-133) tece sobre as considerações de segmentação da oração principal reorganiza as fronteiras da análise do período composto. De acordo com ele, haveria um certo equívoco na delimitação tradicional do período composto, uma vez que uma oração do tipo “Titia disse que nós desarrumamos a casa” tem como oração principal “titia disse”, e tem como oração subordinada “que nós desarrumamos a casa”. Para o autor, a oração principal seria o segmento “Titia disse que nós desarrumamos a casa”.

A defesa que Perini (2009, p. 132) faz em relação à sua proposta ganha embasamento no período simples. Segundo ele, não há dificuldade em classificar a oração completa “Titia fez a salada”, na medida em que não se dissocia o objeto direto da estrutura oracional, o que de certo modo confirma a tese de que essa dissociação no período composto parece ser arbitrária.

Sobre a conjunção integrante, é importante ressaltar que Perini (2009, p. 139-140) a considera um subgrupo das conjunções subordinativas, como são também classificadas as conjunções adverbiais. Um dado relevante acerca da conjunção integrante é que ela assume uma curiosa versatilidade diante de orações adverbiais, já que formam locuções conjuntivas diante dessas orações.

Já Azeredo (2011, p. 298) diz que a oração principal ou superordenada permite a ocupação de outras orações com posições específicas de substantivo, adjetivo ou advérbio em sua composição. O autor dedica-se mais detidamente à exposição das características das orações subordinadas, operadas pela “transposição”:

Chamamos de transposição o processo pelo qual se formam sintagmas derivados de outras unidades, as quais podem ser sintagmas básicos ou orações. Trata-se de uma mudança categorial realizada por meio de unidades pertencentes a uma lista finita, chamadas transpositores. (AZEREDO, 2011, p. 296 – grifos do autor).

Essa definição de transposição estende-se ao tratamento que o autor dá à conjunção integrante, na medida em que esse conector transpõe ao nível oracional estruturas nominais do período simples. Basta compararmos as orações oferecidas por Azeredo (2011, p. 297): “Ela descobriu o lugar dos ninhos” e “Ela descobriu que os bem-te-vis faziam o

ninho na amendoeira”, para se observar mais detidamente o processo de transposição do sintagma simples, “o lugar dos ninhos”, ao sintagma derivado, “que os bem-te-vis faziam o ninho na amendoeira”. Os exemplos demonstram o papel da conjunção integrante no processo de transposição.

Conforme se verifica ainda em Azeredo (2011, p. 91), a oração principal seguida da conjunção integrante e, consequentemente, da oração substantiva traz para os enunciados marcas de modalização, ou seja, aquilo que “diz respeito à expressão das intenções e pontos de vista do enunciador”. No exemplo “É possível que chova no carnaval”, o autor confere a marca modalizadora da suposição. Sobre essa e outras estruturas da modalização, há um tratamento no próximo módulo.

Para Castilho (2012, p. 356-366), a oração principal ou sentença matriz, na terminologia do autor, porta algumas especificidades em relação às orações substantivas: “verbos e substantivos organizam a sentença matriz”, “há uma correlação modo-temporal entre o verbo da matriz e o verbo da subordinada” e a “matriz modaliza a subordinada”.

Essas peculiaridades da sentença matriz são pontualmente destacadas na obra de Castilho (2012, p. 356-366) por meio de um estudo dos valores sintático-funcionais dos verbos. O autor pontua que o verbo da sentença matriz pode ter um valor asseverativo (“Eu sei que os filmes eram muito ruins”), dubitativo (“Eu acho que esse salário de dez mil cruzeiros fará diferença”) e deôntico (“Toda cirurgia tem de implicar em despesas”).

Embora a obra de Castilho (2012, p. 356-357) apresente um estudo sincrônico dos diversos níveis de categorias gramaticais, há marcas de estudos diacrônicos, como é o caso da origem da conjunção integrante. Segundo o autor,

A conjunção integrante que deriva do latim vulgar quid. Nessa variedade, várias conjunções ligavam as substantivas às matrizes (quod, quid, quia, quomodo), mas foi quid a que sobreviveu (Maurer Jr., 1959: 167-168, 217). As seguintes sintaxes eram possíveis: dixit quod/quid/quia/quomodo + verbo, em que o português arcaico encontra suas raízes: disse que (<quid)//ca (<quia)/ como (<quomodo) + verbo.

A conjunção integrante e a conjunção condicional se derivam de um mesmo étimo latino, si.

Diante de todos esses matizes de abordagem, passa-se no tópico seguinte a abordar as especificidades da oração principal e da conjunção integrante sob o prisma da gramática funcional, em que as relações sobre sintaxe e discurso ganham mais embasamento teórico. De modo geral, a gramática funcional ocupa-se da constituição estrutural da oração principal, para fazer juízos quanto aos usos modalizadores dessas estruturas; quanto à conjunção integrante, é importante ressaltar que existem estudos que a veem sob a ótica da gramaticalização, um item relevante para a sua análise.

O que diz a gramática funcional

A Gramática Funcional, que tem como principal representante o linguista britânico M.A.K. Halliday, pode ser definida, segundo sugere Neves (1997, p. 15), da seguinte forma: por gramática funcional entende-se, em geral, uma teoria da organização gramatical das línguas naturais que procura integrar-se em uma teoria global da interação social. Trata-se de uma teoria que assenta que as

relações entre as unidades e as funções das unidades têm prioridade sobre seus limites e sua posição, e que entende a gramática como acessível às pressões do uso.

Dessa forma, as unidades da gramática, citadas por Neves (1997), assumem uma outra configuração, na medida em que constituem o sistema, mas, na verdade, estão sujeitas a “pressões do uso”, o que equivale a dizer que fonemas, morfemas, palavras, sintagmas, orações e períodos, enquanto unidades, são descritas pela Gramática Funcional de modo a privilegiar os usos subjacentes às suas peculiaridades dentro do sistema.

Ainda de acordo com Neves (1997, p. 22), o objetivo dessa proposta funcional é “explicar regularidades dentro das línguas”, levando em consideração o fato de que existem “circunstâncias sob as quais as pessoas usam a língua”. Vale ressaltar que, como vertente teórico-metodológica, esse tipo de gramática ocupa posição intermediária nas abordagens que visam somente à sistematicidade ou à mera instrumentalidade da língua.

Nesse sentido, duas questões, entre outras, se mostram relevantes, por se colocarem como centrais nos estudos das investigações funcionalistas, conforme aponta Neves (2013, p. 17):

relações entre discurso e gramática (porque o discurso conforma a gramática, mas principalmente porque ele não é encontrável despido da gramática);

liberdade organizacional do falante, dentro das restrições construcionais (porque o falante processa estruturas regulares, mas é ele que faz as escolhas que levam a resultados de sentido e a efeitos pragmáticos); Dentro do quadro teórico da Gramática Funcional, torna-se nítida a noção de que uma descrição coerente dos elementos da língua deve levar em consideração fatores pragmáticos, já que existe uma certa indissociabilidade entre gramática e pragmática. Essa última corrente teórica surgiu, grosso modo, dos estudos mais recentes da Análise do Discurso, no século XX, e, aliada ao Funcionalismo, trouxe contribuições relevantes à concepção funcional de sintaxe.

Na Gramática Funcional, a sintaxe é vista, segundo Neves (1997, p. 24), “como a codificação de dois domínios funcionais distintos: a semântica (proposicional) e a pragmática (discursiva)”, o que já sugere que a modalidade passa a ser observada sob a ótica da discursividade, como se verá no próximo módulo.

É importante notar que ao domínio semântico ou proposicional compete a decomposição e a análise dos itens constantes na hierarquia da estrutura gramatical. Dessa forma, constitui-se tarefa do domínio proposicional encontrar, por exemplo, o tema – sujeito – e o rema – predicado – de uma sentença. Desse modo, essa operação de reconhecimento das unidades do sistema não é abandonada, na medida em que a Gramática Funcional visa, como já se disse, à exploração da regularidade das unidades dentro desse sistema.

Já ao domínio pragmático ou discursivo compete a investigação acerca da intencionalidade do usuário da língua que tem à sua disposição os recursos necessários à produção do discurso. Por conseguinte, a intencionalidade e a motivação para a produção de certos enunciados constituem o objeto investigativo da pragmática, na medida em que o analista de determinado texto explora construções linguísticas para chegar a um plano de análise mais aprofundado acerca das intenções subjacentes ao ato de enunciar.

De modo geral, pode-se dizer que a abordagem sintático-discursiva proposta pela teoria funcional ajuda-nos a compreender o fenômeno da modalização, uma vez que nos proporciona um escopo metodológico mais amplo diante dos estudos sintáticos. Nessa medida, a agenda atual dos estudos funcionalistas reivindica um espaço teórico-metodológico no qual se tornam indissociáveis abordagens de cunho semântico e pragmático. Como nos afirma Neves (2013, p. 25), “incorporar a pragmática na gramática equivale a admitir determinações discursivas na sintaxe”.

A constituição da oração principal recebe, portanto, um olhar reflexivo da gramática funcional, na medida em que há um enfoque na incidência dos verbos que ocupam posição estratégica diante das orações subordinadas substantivas. Como já se viu em Castilho (2012), as formas verbais da oração principal portam valores semânticos (asseverativo, dubitativo, deôntico) de modo a denotar, por parte de um enunciador, posicionamentos que repercutem na interpretação das orações substantivas. É claro que existem outros meios de se explorar a modalidade, mas, no momento, este trabalho objetiva compreender esse fenômeno específico.

De igual modo, a conjunção integrante passa a ganhar status de unidade que contribui para a compreensão da marca pragmática de modalidade, na medida em que seu estudo envolve aspectos da coesão sequencial (progressão do texto) e da argumentatividade.

Descrição e ensino

O profissional que lida com o ensino de Língua Portuguesa muitas vezes é questionado por se defrontar com posturas que dizem respeito à atuação do gramático (que no imaginário do senso comum apenas prescreve modelos de linguagem) e à do linguista (que no senso acadêmico abre caminhos para manifestações diversas de linguagem). É verdade que esse mesmo profissional não deve ser rotulado nem como gramático nem como linguista, mas deve sim ter sua formação levada em consideração.

O profissional das Letras, portanto, tem (ou deveria ter) em seu currículo ferramentas valiosas para o ensino de Língua Portuguesa, já que tem acesso às mais variadas teorias gramaticais (gramática normativa, descritiva, gerativa, histórico-comparativa, sistêmico-funcional etc.) e teorias de linguagem (sociolinguística, linguística cognitiva, linguística textual etc.). Todo esse aparato teórico pode nortear a prática pedagógica do professor de português, desde que ele compreenda a sua função: ser um